Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
20 Agosto de 2010
Pondo os Pés na Terra
Quando se fala em recursos humanos, seja sobre empregabilidade, talentos, erosão, carreiras, ou outro qualquer subtema, quase sempre alguns dos intervenientes trás a questão Soft Skills à colação. Ainda bem, dir-se-á, pois trata-se de assunto demasiadamente importante para ser ignorado.
Não é a primeira ocasião em que este tema é tratado em artigos deste blogue [1].
Uma vez que os contornos de âmbito do debate se encontram definidos, proponho-me desta feita avançar para um estilo de exposição mais operacional – Será possível construir uma lista de comportamentos a seguir e a evitar nas relações das pessoas com os outros, sejam eles indivíduos ou organizações?
Conversa “pesada” (Hard) à volta de assuntos “delicados” (Soft)
A própria tradução dos auto-explicáveis termos ingleses introduz entropia – o uso de sinónimos como “pesado” ou “duro” em oposição a “leve”, ou “delicado” permite interpretações, necessariamente subjectivas, consideradas como pouco próprias ao léxico empresarial, tradicionalmente objectivo, directo, e sério. Masculinizado até, porque não admiti-lo?
Desafio o leitor a recordar-se de situações em que, ao introduzirem-se no debate sobre pessoas (chamemos-lhe Recursos Humanos) questões como competências relacionais, estas foram relegadas para segundo plano, classificadas como insignificantes ou pouco relevantes, face às tradicionais competências técnicas. Arrisco terem sido mais do que porventura terá reparado na altura, em plena discussão de objectivos, promoções, impactes salariais, por exemplo.
Pois bem, proponho que dediquemos algum tempo a reflectir sobre isto. Serenamente. Sem a pressão da necessidade da tomar decisões urgentes.
Na verdade, os tempos de paz são os mais indicados para limpar e preparar as armas.
Carreira – Competências Técnicas (Hard Skills)
Carreira é uma sequência de conteúdos funcionais. Já não é a primeira que recorro a esta tecnocrática definição, mas que serve para o efeito. É um conjunto de patamares de exigências crescentes, desde o ponto de entrada até ao topo.
Pensemos na carreira X. Os indivíduos quando inseridos nesta carreira conhecem, em princípio, o que define os diferentes degraus desta escada. O primeiro degrau é, por exemplo e para não nos cingirmos a um caso concreto, X-Trainee, X-Associate, X, Senior-X, Advisory-X, Consultant-X [2].
Para cada etapa estão definidas competências técnicas requeridas (Hard Skills). Os profissionais, conhecedores destas definições, podem lutar por promoções ou pela desistência, tentando-se por outras alternativas.
Esgotar-se-á neste frio e extremamente racional cardápio a abordagem, que pretendemos eficaz, das questões que queremos endereçar? A resposta é claramente não. Falta a componente emocional, a que diferencia os seres humanos para lá dos conhecimentos técnicos que cada profissional detém.
Carreira – Componentes Relacionais (Soft Skills)
Peço licença para utilizar uma imagem bem brejeira – Tal como nos aparelhos de alta-fidelidade, não basta proceder à sintonização (Hard tunning). A sintonização ideal, a que faz a diferença e nos delicia os ouvidos, faz-se controlando à sintonização fina (Soft tunning).
Não chega adquirir conhecimentos, é preciso ter arte para os colocar, de forma adequada, no terreno. Se se preferir, utilizando outra metáfora – o mais importante não é sabermo-nos vender, o ideal é que os outros nos queiram comprar. No fundo, uma distância semelhante à que separa as vendas (orientadas para a colocação dos produtos), do marketing (a satisfação das necessidades dos clientes).
Quantas pessoas é que o leitor conhece que se lamentam das oportunidades que perderam? Essas pessoas poderiam até ter conhecimentos que lhes augurariam grandes êxitos pessoais e profissionais, mas não souberam identificar as oportunidades na altura própria – geriram mal a conjuntura. É provável que o leitor também encontre episódios pessoais em que tal lhe tenha acontecido. Deixo consigo essa reflexão.
De que competências estou a falar? De habilidade nas comunicações, nas relações sociais, no comportamento grupal, no pensamento lateral [3], na interpretação das envolventes, ou nas capacidades de auto-gestão, por exemplo.
Escuta Activa
Há uns trinta anos atrás, lembro-me de ter de explicar aos meus clientes, como funcionavam as comunicações à distância, para que eles optassem pelas soluções informáticas que eu pretendia que eles adquirissem. Falava-lhes em comunicações simplex (num só sentido), half-duplex (em ambos os sentidos, mas um de cada vez), e full-duplex (nos dois sentidos em simultâneo). Outros tempos, em que para comunicar dados à distância, não raro exigia a instalação duma linha privada, essencial para suportar transmissões a 2400 bps.
A comunicação humana é full-duplex – ouvimos e falamos ao mesmo tempo. As capacidades humanas nesta área são imensas. Recordo que os especialistas afirmam que, em termos de comunicação, investimos cerca de 9% a escrever, 16% a ler, 35% a falar, e 40% a ouvir. E acrescento eu, para relevar os perigos do que quero abordar – passamos a vida a aprender a falar, a ler, e a escrever. E não conheço nenhuma escola onde se aprenda a ouvir. Contudo, escutar situa-se num patamar superior ao da elementar audição. Escutar é ouvir, interpretando, retendo, percebendo os nossos referenciais e dos que connosco intercomunicam.
Por ora, é neste ponto que me quero fixar.
Comunicação Efectiva – Facilitadores
Os bons comunicadores sabem escutar os seus interlocutores, porque:
• Guardam silêncio até que os outros terminem;
• Parafraseiam, para se assegurarem que entenderam bem, antes de exporem a resposta ou os seus pontos de vista;
• Evidenciam apreço pelas razões alheias, mesmo que delas discordem;
• Mostram curiosidade e não apreensão pelas ideias alheias;
• Solicitam esclarecimentos adicionais, quando não entendem claramente os objectivos dos outros;
• Utilizam linguagem não-verbal na busca de empatia;
• Mostram-se abertos a opiniões divergentes;
• Focalizam-se no que os outros referem como importante;
• Questionam;
• Deixam que as emoções se manifestem, porque as conhecem bem.
Mas não praticam nenhum destes erros:
• Não permitem que o impulso comande a relação;
• Não litigam, confrontam;
• Não teorizam hipóteses;
• Não cedem à análise por estereótipos;
• Não tomam as primeiras impressões como definitivas;
• Não abusam do tempo que lhes é concedido;
• Não interrogam, perguntam;
• Não vagueiam, focalizam-se;
• Não aceitam conversas paralelas;
• Não pregam, expõem.
Além disso:
• São persistentes, não são obsessivos;
• São resilientes, não se deixam abater;
• São cooperantes, não são individualistas;
• São convencidos, sem serem arrogante;
• Comentam, sem destruir argumentos.
Este conjunto de habilidades não se ensina nas escolas, mas aprende-se na vida. Não será dum dia para o outro, é certo. Não é fácil, concordo. Mas o esforço paga-se a si mesmo com juros, quer se trate dum médico, engenheiro, gestor, ou outro qualquer profissional.
Não valorize demasiadamente a sua profissão. Pense que duma forma ou doutra você é um prestador de serviço. Os outros também o são. E muito provavelmente também perseguem a excelência, como nós. Em regime cordial ambos poderemos beneficiar.
A isto pode chamar-se Inteligência Emocional, Inteligência Relacional, ou Inteligência Social.
A designação não é importante.
A atitude é que conta.
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NOTAS:
[1] Ver “SOFT SKILLS – O Desafio a Ganhar”, redigido em Fevereiro de 2007 e afixado em 27 Agosto de 2010, e “SOFT SKILLS – Definindo Limites”, redigido em 27 Agosto de 2010 e afixado em 28 Agosto de 2010.
[2] Recorro ao exemplo concreto dos levels com que me confrontei quando iniciei a minha carreira como Systems Engineer na IBM Portugal.
[3] Refiro-me ao feliz conceito de Pensamento Lateral, desinibido, descomprometido, alternativo, e complementar ao Pensamento Vertical, dentro da lógica cartesiana.
Bono, Edward de (2005): O Pensamento Lateral, Cascais – Editora Pergaminho, Lda.
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