CHINA, Segunda Economia Mundial

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
Agosto de 2010

Surpreendentemente, porque mais cedo do que se pensava, a China passou a ser a segunda maior economia do mundo, ultrapassando o Japão. Questionar-se-á se a próxima meta será a conquista do primeiro lugar aos USA. Falta quanto tempo? Duas décadas? O que parece inevitável é a ocorrência deste acontecimento. Alguns encaram esta inevitabilidade como abertura de novos mercados, outros como perigoso aumento da concorrência, e outros ainda como importante redefinição do capitalismo.
Estes autores centram a reflexão na mudança do epicentro capitalista do Ocidente para o Oriente. As razões invocadas são a progressiva perda de influência da propriedade privada e afastamento dos princípios do comércio livre tal como o conhecemos. De facto, percebe-se que o substrato deste raciocínio é o declínio dos USA como potência dominante da segunda metade do século 20, a favor da China. O século 21 seria o século chinês.
Esta ideia, se bem que possa beneficiar da lógica elementar, justifica algum aprofundamento que estes autores evitam, pelo menos neste trabalho.
As transformações que se perspectivam no mundo são enormes, poderosas, e diversificadas, e desenvolver-se-ão em múltiplos cenários. Prospectivar o futuro com base no jogo de forças USA-China afigura-se demasiadamente redutor, mesmo que se leve em linha de conta a influência dos países BRIC.

Os USA são os Senhores dos Mares

Os USA, por força da oportunidade que a WW2 lhes proporcionou, tomaram conta dos mares. As necessidades militares que a UK teve de ultrapassar para poder enfrentar e ajudar a vencer as forças do Eixo, conduziram os ingleses à cedência em massa das suas vastas bases navais em todo o mundo por troca do fornecimento de contra-torpedeiros e outros vasos de guerra. Terminada a guerra, os ingleses não se encontravam em condições de reverter esta cedência – os USA, através da sua armada e beneficiando da bem desenhada rede de portos de que dispunham, preparavam-se para dominar os mares. Obstáculos? Um em particular – as esquadras soviéticas.
Mas, como o colapso da URSS, até este entrave deixou de existir. Os USA podiam agora tornar-se senhores dos oceanos e não enjeitaram a oportunidade, e nenhum país pode hoje utilizar as águas do globo sem conhecimento e permissão dos USA. Uma vantagem competitiva inegligenciável.
Quem poderá vir a poder causar-lhes problemas neste domínio? Não a China, que dispõe de fraquíssimas forças navais, e precisaria de cerca de duas décadas para ter alguma expressão. Talvez o Japão e a Turquia. O primeiro precisa das forças navais, aéreas, e aero-espaciais para sobreviver, dado que é exíguo em espaço físico, completamente dependente em termos de matérias-primas e energia, e excedentário, se bem que tendencialmente tenda para a estabilização, a nível populacional. A Turquia, por já possuir importantes forças navais e aéreas, e se encontrar em vital geografia de tampão dos países árabes e do islamismo face à Europa, bem como delimitador das pretensões russas nas fronteiras do SW do seu território, factor crucial na estratégia global dos USA.
Estes dois aliados irão instrumentos fundamentais no domínio dos USA no Mediterrâneo e no Pacífico Ocidental. Face á mais do que provável perda de importância dos países árabes, por redução das receitas do petróleo, a Turquia poderá ainda vir a desempenhar um novo papel nas costas N e NE do Índico, o que não agradará à Índia, que não terá capacidade de ir além de protestos políticos, mas convirá aos USA.
O crescente domínio japonês junto às costas NE, E, e SE asiáticas apoiará o controlo norte-americano na zona e limitará a importância da China com actor global. Entre a China (enorme mercado consumidor, centro nevrálgico de produção, e fonte de matérias-primas), a Russia (rica em energia e matérias-primas), e o Japão (centro financeiro importante, prenhe de prestadores de serviços, e carente de energia e matéris-primas), irão emergir fortes tensões que os USA irão aproveitar para defender posições e manter supremacia.
A China poderá vir a ser a primeira economia mundial, mas dificilmente substituirá política e militarmente os USA como força dominante do planeta, pelo menos até meio do século 21.

Os novos Emergentes

Ninguém é adolescente por toda a vida. Nenhum país é eternamente emergente, nem potencialmente promissor. Os actuais BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China) irão crescer a ritmos diferente. Alguns ficarão aquém das expectativas, em termos de potências mundiais. Rússia e Índia? Outros parecem destinados a arrastar regiões. China e Brasil?
Entretanto, África continuará parada no tempo? É bem provável que não. Alguns motores parecem despontar – Uganda? Angola? África do Sul? E na Europa, quem ocupará as posições libertadas pela França e Alemanha em retrocesso? Polónia? Balcãs? Bálticos? Nestas zonas as vantagens geo-políticas desenharão os contornos do advir.

Um “Capitalismo Chinês”?

A expressão parece um pouco excessiva. Talvez seja preferível um “Capitalismo com características Chinesas”. Preciosismo de linguagem? Não, apenas o esclarecimento de que nada impede que a China venha a mudar de sistema político-financeiro com características verdadeiramente nacionais. Mas imaginar que os novos padrões do capitalismo se pautarão pelo roteiro chinês, não é provável.
O Japão foi o precedente histórico. Sociedade secular, com fortíssimos alicerces culturais, o Japão assim que ultrapassou a Alemanha e conquistou o segundo lugar na lista das maiores economias mundiais, mudou – adoptou as regras do capitalismo clássico, o ocidental. O jogo era o mesmo e havia que praticá-lo com as regras adequadas. Porventura, o mesmo se passará com a China, o que aportará acrescidos problemas sociais e políticos aos dirigentes chineses.
A envolvente é díspar, claro. O Japão renasceu das cinzas da WW2, pela mão dos todo-poderosos vencedores USA. Agora, a China não parte da posição de vencida e os USA não estão na privilegiada posição pós-WW2.

Matérias-primas

A guerra pelo acesso às matérias-primas vai agudizar-se. Se a Alemanha sentiu essa ameaça quando se viu ultrapassada pelo Japão, agora enfrenta nova ameaça crescente – Japão e China. A Alemanha continua a apostar na América Latina como fonte privilegiada de matérias essenciais à sua indústria, mas a China prepara-se para a substituir nesta região . Outro concorrente de peso junta-se `disputa nesta região do globo – a Índia .
Esta luta tremenda, apresenta riscos e revela oportunidades. A UE regressa a África, continente que pode assim renascer . A República Popular do Congo e a República da África do Sul podem vira a tornar-se parceiros privilegiados da UE neste domínio comercial.

Conclusão

Nada ficará como dantes. Mas ditar o fim do domínio norte-americano sobre o mundo no curto-prazo, é precipitado. Os USA dispõem, e vão continuar a dispor, de forças armadas impressionantes (calcula-se que superiores a todos os outros países juntos). Esta é uma vantagem difícil de vencer. O seu “poder protector” não passa indiferente aos políticos de todo o mundo. O receio de os hostilizarem continua a forçar colaboração e cedências de toda a ordem.
A China ainda está bem longe desse estádio. As suas forças armadas, em especial a armada não estão em condições de sequer garantirem com eficácia a sua própria defesa. A questão próxima para os USA, a nível naval, será conseguir controlar em níveis aceitáveis, o crescimento das frotas do Japão e da Turquia.
Se os USA não tiverem de se envolver, até ao virar da primeira metade do século 21, em nenhuma guerra que ultrapasse dimensão regional, pode vir acontecer que continuem a dominar neste século como fizeram no anterior.