terça-feira, 31 de agosto de 2010

Irlanda - Ilusões e Desencantos

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
18 Agosto de 2010


Ilusões e desencantos estratégicos Irlandeses,
ou como a Irlanda caiu no mesmo pote que Portugal


Austeridade é palavra de ordem mesmo nas economias europeias que se considerava como más sólidas. A Irlanda não é excepção. O país que, há poucos anos, era apontado como um exemplo a seguir está a apertar o cinto [1]. A má notícia é que não se vislumbra, no imediato, a desejada reviravolta. E o tempo, nestes casos, não é bom companheiro.
Face à indisfarçável ruptura das finanças públicas, os dirigentes irlandeses recorreram ao típico léxico internacional: “É urgente recuperar a confiança dos investidores. O País necessita de continuar a garantir o financiamento de que necessita”. Mas, diagnosticar, e mesmo tomar decisões, é mais fácil do que atingir os efeitos pretendidos.
A, até há dois anos, próspera economia irlandesa que chegou a crescer a ritmos de dois dígitos por vários anos, face às medidas tomadas, ditas inadiáveis e imprescindíveis para travar a eminente crise que se aproximava, conheceu em 2009 um crescimento negativo superior a 7%. Pior é que 2010 parece caminhar para a confirmação de nova queda significativa, acompanhada de taxa recorde de desemprego na ordem de 13%.
Que discurso adoptaram os dirigentes irlandeses? Advertiram o país para a necessidade de novas medidas que acarretarão mais sacrifícios. Não admira, pois, embora em academias diferentes, estes “líderes” estudaram pela mesma cartilha dos seus congéneres europeus.
Os mercados não perdoam. Quanto se trata de cobrar, o capital é implacável. A Irlanda viu a sua credibilidade para cumprir os compromissos da dívida internacional dispararem, caindo para o indesejável silo dos potenciais prevaricadores Portugal, Itália, Grécia, Espanha. Eis que os PIGS se transformam em PIIGS. Bom, pelo menos, os quatro livraram-se da analogia directa com o mais conhecido suíno. PIIGS é mais lisonjeiro que PIGS.
Mas não são só as economias europeias mais débeis que estão sob pressão. Se bem que os rates associados às suas dívidas soberanas não tenham (ainda?) sofrido cortes, tanto a Inglaterra como a Alemanha encetaram políticas de enormes poupanças orçamentais. Esta opção parece ter vindo para ficar no médio prazo, apesar dos avisos políticos do presidente Obama [2] e do Nobel da economia Paul Krugman [3].
Desprovidos de varinhas mágicas e inibidos pelas próprias crenças que os movem, os políticos irlandeses começaram por alertar que não existiam soluções fáceis, de seguida enumeraram as alternativas que se colocavam, todas em regra muito penalizadoras para as populações. Finalmente, estavam reunidas as condições para avançarem – cortes nas despesas e investimentos públicos, diminuição de salários que nalguns casos atingiram 20%, aumento de impostos, e injecções brutais de capital na banca.
Os excedentes orçamentais de 2006 e 2007 passaram a défice superior a 14% em 2009. Pior que os “desgovernados” gregos e os “ingovernáveis” portugueses! E como inverter o que se configura como uma tendência indesejável numa conjuntura em que os países europeus lutam por atingir défices de 3% até 2013? A teoria parece evidenciar a dificuldade em conciliar desenvolvimento económico com contracção do défice? Mas, difícil não é o mesmo que ser impossível. Qual é afinal a realidade? Flutuamos no difícil ou afundamo-nos no impossível?
A Irlanda dispõe, contudo, dum trunfo importante para a luta que se adivinha. O capital internacional exige aos países leis laborais bem flexíveis, e a Irlanda tem-nas, o que facilita a atracção de investimento estrangeiro. Acima de tudo existe um histórico de fixação bem sucedida de multinacionais no país. Para o capital internacional não se trata de uma jogada no escuro. Mesmo sendo conhecida a facilidade como hoje se processam as deslocalizações, dado que se trata de investimento centrado em conhecimento e não em exploração de mão-de-obra barata, a aposta irlandesa pode vir a revelar-se ganhadora.
Outro facto que pode facilitar a recuperação irlandesa deve-se à memória colectiva da população que provou, nos anos 1980, o sabor duma recessão e o que significou tê-la ultrapassado – os sacrifícios que resultaram uma vez, têm grande probabilidade de voltarem a ter sucesso, pensarão. No entanto, podem também aqui registrar-se alguns obstáculos, como sejam, a fuga de talentos para o exterior. Como estancar essa emigração qualificada e fazer regressar quem já se fixou fora [4]?
Imagine-se o que pareceria impensável há bem poucos anos: O PM Brian Cowen anunciou que não tenciona, no orçamento do próximo ano, voltar a recorrer a novos cortes nos salários da função pública [5].
Inacreditável, não é? Esta não é, de forma alguma, uma mensagem mobilizadora. Antes, parece um consolo perante indisfarçável ausência de esperança. Resignação da classe política?
Vá lá entender-se a mentalidade dos irlandeses… Serão mesmo europeus? Ou melhor: Será que os europeus existem?

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NOTAS:

[1] Quantos políticos portugueses, e entre eles o professor de economia Cavaco Silva, apontaram insistentemente a Irlanda como um exemplo que Portugal devia seguir.
[2] Cimeira G20.
[3] New York Times, 15 Dezembro de 2008, pag. A35
[4] Como afirma Thomas L. Freedman (2007): O Mundo É Plano, Lisboa, Actual Editora (8ª edição) - O emprego irá para o melhor trabalhador, mais inteligente, mais produtivo, e mais barato, independentemente do lugar de residência.
[5] As próximas eleições legislativas na Irlanda estão programadas para 2012.

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