Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
27 Agosto de 2010
Quantas vezes excelentes técnicos falham objectivos que pareciam estar ao seu alcance? Que leva dirigentes com elevados graus académicos a serem justamente criticados pelos falhanços das suas posições, enquanto outros, que se julgava estarem menos preparados, atingem resultados extraordinários? Porque falham tantos profissionais com QIs no topo superior da escala? Resposta: o relacionamento.
UM OLHAR RETROSPECTIVO
Quando António Damásio renunciou à “zona de conforto” que o seu lugar em Portugal lhe conferia, partiu na certeza de que os alicerces da ciência que aprendera estavam esgotados. A lógica cartesiana que sustentara os últimos 350 anos do desenvolvimento científico perdera o estatuto de verdade dogmática .
Damásio e sua mulher são hoje insignes neurocientistas. As suas obras e, sobretudo, as suas pesquisas em Iwoa, continuam a permitir enormes avanços nas relações humanas, nomeadamente a nível comportamental.
Quando em 1983 Howard Gardner publicou a inovadora Teoria das Inteligências Múltiplas baseou-se em estudos no que havia sido designado E.L. Thorndike como Inteligência Social - “A capacidade para dirigir homens e mulheres, rapazes e raparigas no sentido de actuação adequada às relações humanas”.
John Mayer foi o primeiro autor a utilizar a expressão Inteligência Emocional, em meados dos anos 1980s, embora a primeira publicação que regista o facto date de 1990. Nesse mesmo ano, o autor em parceria com Peter Salovey escreveria um importante artigo sobre o tema . Foi, contudo Daniel Goleman com as suas obras Emotional Intelligence e Trabalhar com Inteligência Emocional (1998) e o clássico artigo HBS intitulado What Makes a Leader? , que colocaram definitivamente o tema no mundo dos negócios.
Os temas Inteligência Emocional e Soft Skills entravam de vez em cena no mundo dos negócios.
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL – DOMÍNIOS / ETAPAS
Segundo Daniel Goleman, são os seguintes os domínios / etapas de desenvolvimento da Inteligência Emocional:
- AUTO-AVALIAÇÃO: Habilidade para conhecer as emoções próprias e não ter receio de falar sobre elas;
- AUTO-REGULAÇÃO: Habilidade para controlar os impulsos próprios e de os canalizar para propósitos positivos;
- MOTIVAÇÃO: Paixão pelo cumprimento de objectivos;
- EMPATIA: Habilidade de relacionamento com os outros, considerando os seus sentimentos na altura da tomada de decisões;
- COMPETÊNCIAS SOCIAIS: Habilidade para construção de relações com os outros, trazendo-os para ambientes cooperativos e orientando-os na direcção desejada.
Quem desdenharia destas competências na vida pessoal e profissional?
EMOÇÕES NAS ORGANIZAÇÕES?
Habituámo-nos a conviver com a racionalidade das organizações. Até nos ensinaram, quando debutantes, que “as emoções ficam lá fora” e que “os líderes emocionais são fracos chefes”. Que se pode inferir daqui? Que o racional é desejável e indispensável ao êxito, e que o emocional é desajustado, impróprio até, e um perigo na caminhada para a concretização de objectivos. Nesta perspectiva encontrávamo-nos face a dois pólos opostos, inimigos que se destroem um ao outro.
Considerando que os fenómenos afectivos seriam eminentemente individuais, que sentido faria transportá-los para as organizações? Não só seria despropositado como nefasto e para ambas as partes.
Como tudo evoluiu. Hoje, as empresas percebem que os dois mundos, o racional e o emocional, não só podem conviver, como se potenciam. Chegou a hora da conciliação e da colaboração sem remoques, por muito que isso assuste os adeptos de Max Weber, quando afirmou peremptoriamente que “as organizações progredirão melhor quanto mais se revelarem eficazes nos processos de desumanização que conduzam à eliminação do amor, do ódio e de todos os elementos puramente pessoais, irracionais e emocionais que escapem ao determinismo .
SOFT SKILLS NOS NEGÓCIOS
Vivemos numa época de especialistas. A nível das Competências Técnicas (Hard Skills) considera-se que o principal diferenciador é o QI, Coeficiente de Inteligência. Piaget há muito tinha definido Inteligência como a “Capacidade humana para entender o ambiente e transformá-lo”. Contudo, duas questões careciam de explicação: Porque elevados QIs falhavam em resultados sustentáveis, e porque razão QIs mais baixos conseguiam revelar-se como profissionais de excelência.
Seria possível encontrar um preditor mais fiável que o QI? Resposta: sim. EI, o coeficiente de Inteligência Emocional é melhor preditor que o QI. Acresce que o QI se revela quase imutável ao longo da vida, ao passo que o EI se pode desenvolver .
SOFT SKILLS NO ENSINO SUPERIOR
“O professor não ensina, ajuda o aluno a aprender”, defende Lauro de Oliveira Lima, autor do Método Psicogenético , com base nas teorias epistemológicas de Jean Piaget.
Gosto particularmente deste postulado, que fez escola no Brasil. Enfoca a aprendizagem em vez da formação, ou seja, centra-se nos alunos em vez dos professores, e enfatiza as relações humanas sobre a ditadura da técnica.
SOFT SKILLS – OS ALICERCES
Hard Skills são competências verticais. Soft Skills são competências transversais, e estas são as suas linhas mestras:
- Interacções Intrapessoais e Interpessoais;
- Consciência Profissional e Ética Laboral
- Pensamento Crítico (Vertical e Lateral ) na Resolução de Problemas
Estas categorias de competências são desejadas em todo o tipo de organizações, sendo por isso alvo de desenvolvimento nos curricula académicos superiores mais diversos.
Este tipo de competências não se ensina, aprende-se (entendeu, agora o leitor, porque gosto de Lauro de Oliveira Lima?). Divulga-se para que os conceitos sejam assimilados pelos alunos, e pratica-se sistematicamente em todas as disciplinas. Não faz qualquer sentido construir disciplinas autónomas de Ética, Relações Interpessoais, ou Resolução de Problemas. Não é assim, em classes expositórias, que se modelam atitudes e se projectam comportamentos.
Detalhando um pouco:
Por Interacções Intrapessoais e Interpessoais contam-se, por exemplo. (1) Networking – desenvolvimento empático que permite recorrer aos outros quando necessário e ser suporte deles em regime de natural reciprocidade, (2) Cooperação – colocação dos interesses do grupo acima dos interesses individuais (teamwork); (3) Comunicação – partilha franca e eficaz de informações e conhecimentos.
Por Consciência Profissional e Ética Laboral entende-se: (1) Respeito pelos costumes e artefactos grupais; (2) Confiança e Integridade – Comportamento honesto e coerente de acordo com valores e princípios do grupo; (3) Optimismo e Resiliência – Auto-motivação contagiante e objectividade grupal militante.
Finalmente, mas não menos importante, Pensamento Crítico na Resolução de Problemas engloba: (1) Proactividade – Transformar obstáculos em oportunidades; (2) Negociação – Procurar explorar posições divergentes em interesses comuns ou complementares, num processo de cedências aceitável pelas partes; (3) Pensamento lateral – assumir sistematicamente que não existe uma melhor maneira de solucionar qualquer questão.
HARD CONTRA SOFT?
As competências técnicas são facilmente detectáveis e exploráveis. As competências comportamentais são difíceis de detectar, mas essenciais no planeamento prospectivo.
As competências técnicas estão associadas a máquinas, modelos, e processos. Por isso se ensinam e se praticam repetidamente para se garantir a sua previsível exploração. As competências comportamentais estão ligadas ás pessoas. Por isso, comunicam-se, explicam-se, e aprendem-se. Não se ensinam, praticam-se e interiorizam-se. São frequentemente intangíveis, ligadas à qualidade, às emoções, aos sentimentos, e não à quantidade. Não são clonáveis, e normalmente são perenes. Formam atitudes e não só comportamentos.
É por isso que devem ser inequivocamente delineadas as fronteiras do conceito Soft Skills.
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