domingo, 29 de agosto de 2010

Acerca do Conceito de Cultura Empresarial

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
15 Agosto de 2010

A Noção de Cultura

Conheci muitas empresas onde se definia Cultura mais ou menos assim – “Cultura é como as coisas se fazem aqui”. Pode ser simples, inequívoco até, mas dá para pensar um pouco. O que se transmite, de facto, é que “É assim! Normas e métodos não são para discutir, tão pouco decisões tomadas pela hierarquia”. É óbvio que uma tal organização pode ser eficiente durante algum tempo. Pode, inclusive, apresentar resultados excepcionais, mas arrisca-se a ser ineficaz assim que a envolvente mudar.

O Mito (Erróneo) das Vantagens das Culturas Fortes

Na literatura de gestão é frequente encontrarem-se grandes elogios às empresas de Cultura Forte, evidenciando a correlação positiva entre a robustez cultural e o desempenho. Convém recordar que desde que Drucker elevou a gestão, aos olhos do mercado, ao estatuto de ciência [1], já lá vai mais de meio século, muito se escreveu sobre o tema e grande parte do que se afirmou está hoje obsoleto.
O mundo dos negócios conheceu, a partir da década de 1980, profundas convulsões. Importantes corporações perderam estatuto ou desapareceram, muitas vezes presas ao lastro das suas Culturas. Outras emergiram, dotadas de Culturas Flexíveis e Inovadoras, e afirmaram-se à custa disso.
Hoje, já quase não se encontram pensadores que defendam Culturas Fortes como preditores de sucesso sustentável. Bem pelo contrário, elogia-se tudo o que rode à volta das pessoas, da flexibilidade, adaptabilidade, da capacidade para inovar [2].

Que Lealdade, Senhores?

Face à mudança de paradigma – do emprego para a vida aos vários trabalhos durante a vida – será ajuizado continuar a defender a necessidade de lealdade empresa-empregado e vice-versa? Não, não só não faz sentido, como resulta em desconfiança mútua. Então, em que se baseiam as relações actuais e futuras no mundo laboral? No contrato de trabalho e nas contrapartidas nele descriminadas?
Não! Hoje, o conceito de lealdade extravasa a relação empresa-empregado, estendendo-se a outros domínios. Exige-se, hoje, que as empresas e os seus empregados sejam leais à sociedade, aos fornecedores, aos clientes, aos parceiros, e aos concorrentes. Nesta perspectiva, empresas e empregados partilham lealdades comuns enquanto tiverem projectos comuns. Tão simples, afinal.

Competências Acrescidas

Vencer é ser diferente. Ser melhor é apenas gozar duma vantagem competitiva efémera – só dura até ser imitada e superada pelos concorrentes. Liderar pelos números não é suficiente. As batalhas da concorrência travam-se na mente dos clientes. Envolvem produtos e preços? Sem dúvida. Mas cada vez mais os clientes esperam soluções que variam caso a caso – são essencialmente relacionais.
Actualmente, as empresas de topo sabem quão crucial é disporem de pessoas e não autómatos ou clones. Conhecem os benefícios globais que podem recolher duma força de trabalho humana, bem-humorada, satisfeita com a vida pessoal e profissional, capaz de trabalhar em equipa e partilhar conhecimentos e responsabilidades. Dispensam personalidades egocêntricas, sisudas, auto-convencidas, complacentes, optando por candidatos extrovertidos, com capacidade de comunicação, resilientes, assertivos, militantes no pensamento crítico.
Se os Hard Skills (competências técnicas) são fundamentais para qualquer profissional, os Soft Skills (competências intra e inter relacionais) são cruciais. As empresas de sucesso esforçam-se por desenvolver ambas as componentes no seu seio. As escolas precisam de seguir caminho semelhante.

Controlo e Autonomia

Quando Taylor e Fayol, no início do século XX definiram, de forma totalmente rígida, as funções dentro duma empresa, fizeram-no por questão de absoluta necessidade de por termo à anarquia que caracterizava as organizações à época [3].
Hoje em dia, os empresários estão mais preocupados em dotar os seus funcionários de competências variadas, de autonomia e responsabilidade. Desta forma, podem descentralizar decisões, diminuir níveis hierárquicos, aumentar a eficácia. Estabelecem processos operacionais, encurtando rotinas, libertando recursos criativos (Ah, como Max Weber apreciaria viver nesta época…).
É normal quando hoje se pergunta a um director de topo como é que ele controla a sua organização, obter a resposta – Controlar? Se eu tivesse de controlar a minha equipa, não teria tempo para desenvolver a actividade que de mim se espera.

Quem Somos e o Que Queremos

First Things, First. Bela frase esta, pois é pelo princípio que as coisas se iniciam. O que viermos a ser capazes de fazer e disponibilizar depende de sabermos quem somos e quais são os nossos valores e princípios como equipa, como organização.
Esquecendo, por momentos, a calculadora, é mais importante conhecermos as nossas capacidades e limitações, e pensarmos estrategicamente. O Planeamento Estratégico não é a Estratégia. Se os estrategas que aconselharam a Air France e a BA a investirem no Concorde, tivessem desenvolvido um sólido Planeamento Estratégico, talvez tivessem chegado à conclusão que o preço dos combustíveis iria matar o que foi uma maravilha da indústria aeronáutica.
O Planeamento Estratégico é um conjunto de roteiros flexíveis. Não é um manual de definição da Estratégia, muito menos uma lista de acções rígidas a levar a cabo. E a flexibilidade real do Plano Estratégico é delimitado pela capacidade de reacção das pessoas, por melhor que seja a tecnologia que empreguemos.

Confiança

Imagine-se uma empresa em que os directores todos os fins de ano, ou de trimestre, cortam as verbas disponíveis para as mais diversas rubricas orçamentais. Ou pense-se no responsável por um departamento de vendas que tenta negociar com os seus superiores uma alocação de objectivos aquém do que já sabe poder vir a alcançar. Será que estes responsáveis poderão alguma vez pedir confiança aos seus colaboradores?
A confiança é a base do êxito das equipas. O sucesso individual tem de decorrer do sucesso colectivo. Isto não se institui, aceita-se. Pensar o contrário é comprometer o futuro. Isto é Cultura.

Lições Aprendidas

Vencer é maravilhoso. Quem não gosta de vencer não é humilde, é complacente. A História é escrita pelos vencedores, não pelos vencidos.
Contudo, o êxito pode ser inebriante, até nocivo, se não se souber lidar com ele. A maior parte dos vencedores que conheço não sabem aprender como as vitórias. Acham que delas o que há a retirar é a lição – “Agora já sei como é. Descobri a fórmula do sucesso. Daqui para a frente é só repetir”. Nesta altura o leitor estará por certo a recordar o que afirmei, há umas linhas atrás, sobre os indivíduos rígidos, egocêntricos e auto-convencidos. Aqui está um exemplo do que fazem com grande facilidade.
Mas é, todavia, com os desaires que mais se aprende. Não quero dizer com isto que vale a pena perder para aprender qualquer coisa, claro. Fui, durante alguns anos, responsável por um programa denominado Lessons Learned Review. Nunca consegui retirar dele todo o potencial que ele encerrava. O programa era muito simples e de fácil utilização: Como eu tinha acesso a todas as oportunidades de negócio, conhecia os seus desfechos. Competia-me seleccionar três, no máximo, para debate na reunião semanal do conselho executivo de negócios. Os responsáveis pela oportunidade, concretizada ou falhada, só perderiam 5 minutos comigo a prepararmos a apresentação pública no plenário do que voltariam a fazer e do que não repetiriam. Cada apresentação dispunha de 15 minutos de debate. Pois bem, raramente as coisas corriam como deviam – a preparação demorava muito mais tempo, porque era nessa altura que os intervenientes queriam alterar informações que constavam na base de dados ( que, obviamente, não podia consentir pois isso seria uma grave desvirtuação processual), e o debate normalmente alargava-se por aproveitamento indevido da ocasião para efeitos colaterais. Bom, na verdade, logo no início, quando contactava os envolvidos para a iniciativa, quase todos me pediam para que seleccionasse outros, a não ser que se tratasse dum contrato de grande prestígio que tinha sido fechado.
Porque é que um programa tão meritório gerava tantos anti-corpos? Porque as pessoas, a começar pela hierarquia de topo, nunca lhe conferiu a dignidade que merecia. Era encarado como algo que se “tinha de fazer” e não como “se devia fazer”. Isto é Cultura.

Do Léxico Comum

Cultura é o que resta depois do homem ter exercido a sua função. Isto, claro, também é Cultura.

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NOTAS:

[1] Peter Drucker rotulava a Gestão como uma prática, que encontrava o seu espaço entre a ciência e a arte.
[2] Drucker tinha sobre a inovação e criatividade uma sábia visão – Só a experiência gera inovação, pois é da busca da perfeição que nasce a criatividade. Sem saber o que está mal (e se pode melhorar) não é possível inovar.
[3] É claro que estas ideias estão longe de estarem enterradas. Basta olhar para as empresas de distribuição, para as cadeias de fast-food, ou para a produção electrónica, por exemplo.

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