sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Sopro que Vem da Ásia

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
14 de Maio de 2008


É provável que se tenha cruzado, nalguma publicação por aí, com o
discurso eleitoral do candidato republicano mórmon Mitt Romney, em
que este se pronunciava sobre o emergente espectro de colapso
económico americano face ao imparável crescimento chinês
(southcoasttoday.com de 03.02.2008). Dizia Romney, naquela super
terça-feira de campanha, que “a nossa economia iniciou um longo
percurso de derrapagem face à concorrência asiática” acrescentando
“não podemos consentir no enfraquecimento continuado da nossa
economia”. Romney, ex-governador do Massachusetts (2003-2007),
agora forte candidato a Secretário de Comércio após se ter retirado a
favor de John McCain em 07.02.2008, representa a forte corrente de
políticos que consideram que os EEUU estão a ser vítima do “avanço
dos bárbaros”, no seio dos quais se encontram os BRIC, mas
dedicando especial atenção à China e à Índia.
De facto, a perspectiva próxima que assusta tanta gente, encanta
sensivelmente outros tantos, e deixa indiferentes enormes massas, há
muito se configurava como inevitável. Repare-se que o centro do
mundo já se localizou no Crescente Fértil, envolvendo as zonas
banhadas pelo Tibre e Eufrates e onde se inventou a agricultura. Daí
iniciou o contínuo caminho para oeste, onde conheceu a riquíssima
Civilização Egípcia. Progressivamente, foi passando o testemunho
primeiro a Atenas, depois a Roma, e, de seguida, à Europa, onde
alimentou as Revoluções Francesa e Industrial, numa rota
sintomaticamente ao invés do movimento de rotação da Terra.
Cruzando o Atlântico, fixou-se na América, permitindo aos EEUU
liderarem o século XX. Agora chegou a altura de vencer o Pacífico,
alcançar de novo Ásia, e ir ao encontro da origem da história. E o tão
velho continente não quererá perder a oportunidade que, na realidade,
lhe está a ser oferecida em bandeja.
O fluxo migratório actual é tão intenso que seria fastidioso enumerar
os factos que o comprovam. Citem-se, no entanto, alguns factos
impressionantes, que por estarem normalmente ausentes dos meios
de comunicação de massas, urge divulgar (de Made in Índia, de
Ashutosh Sheshabalaya):
 É na Índia que se concentram mais de 60% do mercado
mundial de “colarinhos brancos”;
 A deslocação dos postos de trabalho dos “colarinhos brancos”
só teve início com o rebentamento da bolha dot.com e o início
da recessão nos EEUU;
 A Índia “produz” por ano cerca de dois milhões de licenciados
 Em 2003, Bangalore, no sul da Índia, já havia ultrapassado o
mítico Silicon Valley, na Califórnia do norte;
 A China transformou-se na fábrica do mundo, produzindo
essencialmente bens de consumo, enquanto que a Índia é o
seu novo centro de TI e o seu escritório de apoio (Goh ChoK
Tong, primeiro-ministro de Singapura);
 Prevê-se que em 2008, só os lucros do software indiano
excedam o PIB das economias do Chile, Nigéria ou Paquistão;
 O poder de compra da Índia já atingiu duas vezes e meia o
tamanho da Rússia e aproxima-se da dimensão da França e do
Brasil juntos.
Significativos impactes negativos se podem desde já adivinhar:
Sabendo-se que nos EEUU o sector de serviços representa 60%
da economia (a manufactura significa 14%), e em França os
serviços valem três quartos de todo o emprego, a migração de
postos de trabalho de “colarinhos brancos” não será uma
verdadeira “arma de destruição em massa” ?
Na medida em que a China e a Índia se tornam economias do
primeiro mundo… os EEUU podem tornar-se num país de
terceiro mundo (Paul Roberts, Washington Post);
A Grande Deslocação (do conhecimento para a Ásia) é o
equivalente moderno para o desenvolvimento da América do
Norte no século XIX, mas maior (Roger Bootle, Deloitte);
Em 2008 prevê-se que as exportações indianas de software
para a CE e EEUU atinjam 50 mil milhões de dólares (McKinsey).
Nota: este valor não toma em conta que o custo com pessoal
na Índia é um quinto dos valores praticados no ocidente;
As economias ocidentais não serão capazes de requalificar e dar
emprego a metade das previstas deslocalizações dos empregos
administrativos tradicionais, que se cifrarão em cerca de 3.3
milhões de postos de trabalho. Cerca de 14% destes (460000)
encontram-se no sector TI (Forrester).
No entanto, algumas previsões positivas se perfilam também:
- Quatro em cada dez trabalhadores em TI, cujos postos de
trabalho serão deslocalizados além-fronteiras, serão reempregados
pelas próprias empresas (Gartner Group);
- A não ser que seja um canalizador ou talvez um jornalista, ou
alguém que determine um outro destes tipos de trabalho
geograficamente localizados, você pode estar em qualquer sítio
do mundo e fazer qualquer tipo de trabalho (Craig Barrett,
Intel);
- Apenas 1 a 5% dos 200 milhões de empregos no sector de
serviços no mundo são indissociáveis da sua localização
geográfica (Brendan Barber, Congresso Britânico da União dos
Sindicatos);
- Os custos sociais do desenvolvimento do offshoring excederão
os lucros obtidos pelas empresas (Dave Cooper, Laboratório
Nacional Lawrence Livermore, EEUU).
A discussão está ao rubro. Aguarda-se divulgação das consequências,
a fim de enriquecer com informações concretas os cruciais estudos que
se desejam. Como se vê, mesmo as previsões optimistas encerram
encapotados sacrifícios. Mas a história tem sido fértil na demonstração
de que nunca houve mudanças profundas que não deixassem marcas
penalizantes antes de revelarem os benefícios que continham.
Que deveremos esperar da Ásia, afinal? Um sopro ou uma verdadeira
tempestade?

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