segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SOFT SKILLS & Gestão de Conflitos

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
21 Fevereiro de 2011


Características duma situação de conflito

O conflito surge quando duas ou mais pessoas, ou grupos, com opiniões diferentes pretendem influenciar uma situação que afecta todos os intervenientes. Conflito e negociação são situações distintas. Como foi referido e analisado em Soft Skills, Factor Crítico em Negociação, negociação é um processo de gestão de relacionamentos em que as partes querem chegar a um acordo, ainda que não o declarem em público.

Não se deve inferir, contudo, que esta definição de conflito encerre maldade e muito menos intuitos de destruição dos opositores. Bem pelo contrário, quando os conflitos emergem, quem tem a responsabilidade de os gerir, deve fazê-lo condignamente procurando dele retirar resultados construtivos. Como é que isto se consegue? Com saber, conhecimento, perspicácia, respeito por todas as partes, e, acima de tudo, atitude positiva. Convém explicitar que por atitude se entende o conjunto conceitos, valores, e princípios, que suportam os comportamentos.

Perspectivas diversas, chamemos-lhes desacordos, podem abrir novos horizontes, clarificar os actuais, reforçar relações, e acrescer harmonia. O segredo reside no clima criado em torno da discussão e na gestão do processo de aproximação de interesses. Saliente-se que interesses e posições não são a mesma coisa. Interesse é o que se pretende ganhar, posição é o que não se quer perder. Interesse é algo realmente importante para o próprio, posição é a imagem que ele pretende projectar. Posições distintas, aparentemente antagónicas, encerram muitas das vezes interesses semelhantes, e portanto, conciliáveis. Tomemos o exemplo extremo dum conflito militar. Os beligerantes, se estão em conflito, defendem posições contrárias, mas não será que têm o interesse comum de acabar com a guerra? É neste domínio que os bons negociadores centram as atenções, pois sabem que só por esta via conseguirão a desejada conciliação.


Pode evitar-se um conflito?

A minha resposta é sim. Mas não se podem evitar todos os conflitos.

Pessoas diferentes reagem a situações idênticas de formas distintas. Em boa verdade, até a mesma pessoa em alturas diferentes interpreta factos iguais de maneiras diversas. Quem estiver envolvido num conflito deve ter esta realidade presente. Só o ajudará. E que dizer dos que têm a responsabilidade de mediar, arbitrar, ou resolver conflitos? Se não pensarem desta forma, aumentarão o grau de dificuldade das suas missões.

Então, e até agora, já podemos resumir: (1) Se os conflitos não se podem prever, aprendamos a conviver com eles; (2) Se dos conflitos se conseguem retirar benefícios, aprendamos a fazê-lo; (3) Se os conflitos se podem prever, aprendamos a detectá-los o mais cedo possível; (4) Se conflituar é próprio das relações humanas, aprendamos a negociar; (5) Se negociar implica ceder, então interiorizemos que ceder é distinto de perder.


Comportamentos em ambiente de conflito

No intuito de melhor entender as relações das pessoas face aos conflitos, Kenneth Thomas e Ralph Kilmann, dois consagrados autores na área de Change Management, construíram um interessante e simples modelo de tipificação de comportamentos humanos conflituantes. Chamaram-lhe TKI – Thomas Kilmann Instrument, que pode aqui ser consultado e experimentado. A ideia básica é que em situação de conflito duas componentes determinam a reacção dos intervenientes - a assertividade (o objectivo é satisfazer as próprias revindicações) e a cooperatividade (o indivíduo está predisposto a ir ao encontro das revindicações alheias, desde que possa satisfazer as suas). Daqui resultam os seguintes comportamentos-tipo:

• Fuga - Baixa assertividade e baixa cooperatividade: A pessoa evidencia querer evitar ou protelar o conflito. De facto, no momento pode ser esse o único significado, mas podemos estar na presença duma táctica de angariação de novos factos e argumentos, porventura mais relevantes, antes de “ir à luta”;
• Acomodação - Baixa assertividade e alta cooperatividade. A pessoa mostra querer manter a relação, minorando os seus próprios interesses. Possivelmente, se o processo continuar chegar-se-á a uma situação de “Eu perco / tu ganhas”;
• Competição – Elevada assertividade e baixa cooperatividade: A pessoa deseja impor o seu ponto de vista, sem se importar com opiniões alheias, nem com as consequências para os outros. Em geral, não é uma boa estratégia a utilizar em conflitos no interior duma equipa. A situação final será “Eu ganho / tu perdes”;
• Compromisso – Assertividade e cooperatividade médias, comedidas. O facilitador busca uma solução baseada em concessões das duas partes. Contudo, pela metodologia utilizada, se não forem acauteladas as relações, e se se colocar o acordo final como única prioridade, pode deixar ambas as partes divididas nas percepções de “Afinal quem ganhou? Eu não fui” ou pior ainda “afinal perdemos os dois”;
• Colaboração – Assertividade e cooperatividade elevadas. O facilitador procura uma solução através do envolvimento construtivo e empenhado de ambas as partes. É, de facto, a estratégia potencialmente mais ganhadora, a que pode criar as melhores soluções e a que pode garantir melhores relações futuras. No final a percepção mais provável será “Eu ganhei / Tu ganhaste”. Apresenta, contudo, um grande inconveniente, o tempo investido no processo.

A fundamentação teórica deste instrumento é muito semelhante à utilizada no modelo teórico de estratégia negocial de Dean Pruitt e Jeffrey Rubin, apresentada no best-seller “O Conflito Social”.


Então, que fazer para tirar partido dum conflito?

Insisto na minha falta de simpatia quando se trata de fornecer receitas simples para questões complexas. Nunca recomendei nenhuma dessas detestáveis peças de ficção que dão pelo nome de “literatura de auto-ajuda”. E não será agora que vou faltar ao meu compromisso. É preferível analisar as bases para construir soluções, e deixar que cada um decida face a situações concretas, do que tentar construir um guião pretensamente universal.

É fundamental entender o cenário em que o conflito ocorre. Para tal, diferenciemos: (1) conflitos pessoais; (2) conflitos intragrupais; (3) conflitos intergrupais.


1. Conflitos pessoais

Os conflitos pessoais resultam, em regra, de disputas individuais. Os ambientes criativos e inovadores são particularmente propícios a este tipo de ocorrências.

Quando as questões surgem, as soluções mais simples e habituais resumem-se à clássica solução ganha-perde, ou seja, a satisfação duma das partes é garantida pela insatisfação da outra, ou ainda melhor, o que um ganha é o que o outro perde. Digamos que, duma forma ou doutra, prevalece a força. O vitorioso sai reforçado; o perdedor insatisfeito, desmoralizado, inferiorizado, desmotivado e, sobretudo, com vontade de reunir forças (não produtivas) para possível desforra em altura oportuna. Contudo, ceder em questões menores pode justificar ganhos nas questões cruciais. Se for possível explorar estes aspectos, todos ficarão satisfeitos e, se forem criadas condições de confiança, ainda se poderão alcançar maiores ganhos na esfera relacional futura, propicia a novos entendimentos.

Simplificando, quando nos preparamos para gerir um conflito entre duas pessoas podemos adoptar entre duas tácticas extremas: (1.1) controlar as partes, reduzindo as interacções ou (1.2) estimular o confronto, aproximando a cooperação.

1.1 Táctica de controlo das partes
Evitar as interacções entre as partes é uma boa táctica, em especial quando o nível emocional é significativo, procurando que o tempo de reflexão individual contribua para diminuir o grau conflitual. O perigo inerente tem a ver com o protelamento por vezes exagerado do tempo face à urgência da solução. Caminho alternativo poderá passar pela cuidada preparação de sessões temáticas específicas, o estabelecimento de normas de discussão, e a limitação temporal das reuniões. A abordagem às partes, em separado, visando o acompanhamento e o aconselhamento pessoal é outra táctica aplicável, cumulativamente ou não. Este tipo de acção, importante para a diminuição dos níveis de tensão e a alteração atitudinal, não contribui, contudo, objectivamente para a resolução do problema.

1.2 Táctica da estimulação do confronto
O confronto, nestas condições, apelidado de construtivo, visa ampliar os horizontes em disputa e assim criar novas oportunidades de cooperação. Ao por em confronto as duas pessoas, coloca-se de forma deliberada em cima da mesa o jogo e entendimento de sentimentos. A discussão, centrada em factos e não em inferências, é mais objectiva, permitindo assim que sentimentos e emoções sejam canalizados para a solução final. Neste processo, baseado na confiança e aberto à criatividade, novos níveis de entendimento se tornam possíveis, permitindo cedências impensáveis noutras condições, pela possibilidade de exploração de acordos em áreas que nem existiam à partida.

Processo mais moroso, necessita de grande sentido de objectividade a fim de não prolongar o período de decisão final. Ao gestor que opte por este tipo de táctica, exigem-se significativas competências relacionais (Soft Skills), como: capacidade para ouvir, observar e entender; inteligência emocional, segurança e humildade e capacidade de liderança situacional.


2. Conflitos intragrupais

Eisenhardt et. al (1997: How Management Teams Can Have a Good Figh, HBR OnPoint 536X, Enhanced Edition) propuseram um guião muito útil, orientado para o caso particular de conflitos no interior de grupos em ambientes de incerteza. Nestas situações, e por clara pressão do exterior, podem surgir tentativas de ultrapassagem de problemas por formas menos tradicionais, relacionadas muitas vezes com a extrema vontade de cada membro intervir o melhor que pode para a solução final. Porque se trata de iniciativas individuais, não avaliadas em conjunto, podem surgir conflitos que tendam a tornar-se pessoais e destrutivos. O primeiro passo do facilitador deverá ser separar o pessoal do profissional, promovendo o interesse colectivo. A metodologia reside em seis pontos, como se segue:

2.1 Focalize-se em factos
Equipe-se com toda a informação que possa recolher, seleccione a relevante, e trabalhe-a com o desígnio de poder argumentar baseado em aspectos críticos, diminuindo ou eliminando os riscos de ser considerado menos preparado.

2.2 Multiplique alternativas
Apresentar uma só saída não faz sentido. Por definição, se só existir um caminho, ele não terá alternativas, tratar-se-á duma imposição. Nunca o faça. Prepare sempre três ou quatro hipóteses, mesmo que nem todas correspondam às suas opções pessoais. Mas não exagere, pois o objectivo é encontrar a melhor solução, não o prazer dialéctico. Tente que a discussão se polarize em torno das duas alternativas com mais probabilidade de sucesso.

2.3 Identifique interesses comuns
As maiores divergências ocorrem quando os intervenientes se centram na discussão de posições e não de interesses reais. Os melhores gestores de conflitos sabem que este princípio é fundamental e focalizam-se nele desde o início do processo. Esta é a melhor forma de fazer convergir as atenções das duas partes, concentrando-as nos pontos comuns e não nos divergentes, e levando-os sentir que caminham no sentido dos seus interesses.

2.4 Utilize humor
O humor alivia a tensão e facilita o bem-estar e o entendimento. Não exagere, pois não poderá esquecer que está perante uma situação conflituosa. Nomeadamente, não force o humor se, na verdade, não se considera dotado para o efeito.

2.5 Equilibre as estruturas de poder
Se você for reconhecido como líder do grupo é normal que, sem imposição, usufrua de posição privilegiada para facilitador na busca duma solução para o conflito. Mas não tente impor o seu estatuto, nem o relembrar sequer, e deve atender a que podem existir outras fontes de poder em presença, como sejam as que advêm das competências em determinadas áreas. Não as ignore, mas utilize-as procurando equilibrá-las. A questão pode até não ser, nem ter, componentes técnicas decisivas.

2.6 Busque consensos qualificados
O consenso está longe de constituir a melhor solução para um conflito. Muitas das vezes, pelas cedências submissas que pode encerrar, poderá estar só a adiar a questão, talvez até a agravá-la num futuro próximo. E no caso de soluções consensuais não reconhecidas como realmente suas pelos intervenientes, pode acontecer que a decisão final seja assumida pelo líder em nome do grupo. Se este for o carácter formal da solução a adoptar, faça questão de relevar a participação interventiva e colaborante das partes, para que sintam a decisão como deles.


3. Conflitos intergrupais

Uma das razões porque os indivíduos aderem a grupos encontra-se exactamente nas diferenças claras para os outros grupos e na oposição aos seus princípios, crenças e normas. Aderir a um grupo, significa um reforço de identidade pessoal através do poder do colectivo. Numa aproximação típica pode considerar-se que existem três formas elementares para abordar conflitos entre grupos: (3.1) a coexistência (pacífica); (3.2) o compromisso; (3.3) a resolução de problemas.

3.1 Coexistência pacífica
A tónica é colocada na identificação de pontos comuns e na minimização das divergências, relegando-as para plano secundário. Procura-se a convivência mais sã que for possível (entre etnias, povos, credos ou profissões), incentivando as trocas de pontos de vista entre as partes.

Sob o aspecto teórico, a ideia pode parecer defensável, mas sob o ponto de vista prático pode revelar-se impraticável, e só servir para protelar as questões. De facto, existem numerosos exemplos de tentativas de soluções deste tipo (a nível político e social, essencialmente) que falharam, pois, na realidade, acabaram por se revelar paliativos em vez de verdadeiras soluções.

3.2 Compromisso
As soluções de compromisso resultam de negociação entre as partes, em que o objectivo é que, através do conjunto de cedências consideradas aceitáveis por cada um dos intervenientes, se chegue a acordo em ambiente de sensação de satisfação de ambos, ou, no mínimo de evitar insatisfação. No fundo, nenhuma das partes perde, mas também se corre o risco de nenhuma delas se sentir ganhadora. O perigo maior pode residir no facto dos acordos conseguidos neste clima poderem renascer como desencontros, e, se tal acontecer, poderem gerar acrescidas crispações e intransigências. As verdadeiras questões raramente ficam sanadas.

3.3. Resolução de problemas
Quando existem problemas, o melhor é enfrentá-los e resolvê-los. A acomodação de interesses antagónicos, não é solução duradoura. À resolução dos problemas, nesta óptica, chama-se “conflito criativo”, e visa transformar conflitos em oportunidades, a busca da melhor e mais persistente solução. Assim se geram soluções de responsabilidade partilhada, com empenho comum nas suas concretizações: ambos, e em conjunto, identificam as questões, acordam objectivos, constroem hipóteses alternativas e seleccionam acções e formas de implementação sob controlo mútuo.


Concluindo

Conflitos são situações normais e frequentes, e não devem ser encarados com algo pernicioso. Da sua resolução a contento das partes surgem, em geral, grandes oportunidades de cooperação futura baseada na confiança mútua.
Se é gestor, aprenda a conviver com eles de forma natural, respeitadora, e eficaz. Gerir conflitos é uma actividade tão crucial para o gestor como tomar decisões. Adquira competências relacionais (Soft Skills) e treine-os, pois de cada vez que os aplicar melhorará a sua utilização.

Pessoalmente, acredito que um conflito sempre que possa ser bem gerido é uma bênção.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

CHINA-USA: “O (Oceano Pacífico) que nos une”

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
14 Fevereiro de 2011


Agora, que pousou suficiente poeira sobre a visita de Hu Jintao aos USA, acho que chegou a altura de analisar o que foi dito, e o que tal poderá significar. Não quis fazê-lo em cima do acontecimento, mas agora já chega de reflexão e é hora de comentário.


Que mensagem transmitiu Hu Jintao aos americanos?


“Senhoras e senhores, há trinta e dois anos, Deng Xiaoping, o grande arquitecto da reforma e da abertura da China, fez uma visita histórica aos Estados Unidos. Aqui ele disse que o Oceano Pacífico deixou de ser um obstáculo que nos separa. Pelo contrário, é um vínculo que nos une. A história provou a justeza dessa afirmação”.

Foi assim, com todo este calor metafórico, que o presidente Hu Jintao se referiu às relações entre os dois gigantes da economia mundial, durante um almoço de cortesia oferecido por organizações americanas a 20 de Janeiro em Washington. O discurso total foi publicado pela agência Xinhua.

Após relembrar como os dois países partilham interesses estratégicos – destacando a questão nuclear coreana e o Afeganistão – o presidente chinês tratou de recordar aos seus ilustres anfitriões como os tem ajudado. Por certo que os USA não concordarão com a afirmação, mas Hu Jintao referiu que na última década a qualidade dos produtos chineses de baixo custo permitiu aos americanos pouparem cerca de 600 mil milhões de USD, e que 70% das empresas norte-americanas na China continuaram a ser rentáveis no difícil período de 2008-2009, isto sem esquecer que actualmente o fluxo turístico entre os dois países ultrapassa 3 milhões de viagens por ano.

Aproveitando os progressos já conseguidos, o presidente chinês lançou o que considera serem os cinco alicerces do crescimento conjunto (Hu Jintao afirmou mesmo que se estava a referir a cooperação estratégica e não um qualquer jogo de soma nula):

(1) Os dois lados devem ver e tratar as relações bilaterais sob perspectiva global;
(2) Tanto a China com os USA devem avançar na reestruturação económica, protecção do ambiente, energia e inovação tecnológica, saúde, educação e outros programas sociais, aviação e exploração espacial;
(3) Os nossos países devem melhorar a coordenação global, enfrentar as mudanças climáticas, promover a segurança energética e dos recursos, a qualidade alimentar e a saúde pública, mantendo diálogo e intercâmbio nas questões de segurança regional;
(4) Precisamos reforçar iniciativas que garantam que as gerações mais novas se empenhem em levar por diante a amizade China-USA;
(5) Devemos tratar-nos com mútuo respeito e em igualdade, endereçando de forma adequada as questões sensíveis.

Releve-se como o orador prepara o caminho para o ponto quinto. Os quatro pilares anteriores são tratados de forma suave, natural, em paz, em continuidade, e sem ameaças. Contudo, a surpresa estava reservada para o último ponto – o tratamento respeitoso e igualitário. Hu Jintao, foi claro – em relação ao Tibete e Taiwan, e a todas as questões de integridade nacional chinesa, ou os USA optam por respeitar a sensibilidade de 1,300 milhões de chineses, ou as nossas relações irão sofrer problemas constantes ou mesmo tensão.

Retomando o discurso amistoso e cooperativo, Hu regressou aos números, e aos argumentos que mais atraem este tipo de assistência. Em jeito de balanço da primeira do século XXI, o presidente chinês relembrou que a China:

- Cresceu à média anual de 11%;
- Importou 687 mil milhões de USD;
- Justificou a criação / manutenção de 14 milhões de empregos no estrangeiro;
- Desempenhou papel relevante na resolução de importantes crises internacionais, em particular na recuperação económica global e na reformulação do sistema financeiro internacional.

Após a aplicação da técnica da sanduíche, ou mais propriamente do hamburger já que estava em terras do Tio Sam, colocando a delicada questão da soberania nacional meio disfarçada no discurso que todos queriam ouvir, Hu Jintao terminou com uma vasta lista de promessas e directivas, que deve ter deixado os ilustres homens de negócios de “olhos em bico”.

Destaco:

- A China é o maior país em desenvolvimento;
- O desenvolvimento, em particular o científico, é a base para a resolução dos nossos problemas;
- Estamos decididos em colocar as pessoas em primeiro lugar, promovendo políticas holísticas de bem-estar, equidade e justiça social;
- Já definimos as linhas mestras para o desenvolvimento sustentável nos próximos cinco anos;
- Continuaremos a aprofundar a abertura ao exterior, as reformas, a reestruturação económica, política, cultural, e social;
- Vamos desenvolver a democracia socialista e construir um país socialista sob o primado da lei;
- Defendemos soluções pacíficas para os diferendos internacionais;
- Não nos envolveremos na corrida armamentista, nem seremos ameaça para nenhum país;
- A China nunca prosseguirá políticas expansionistas.

Quaisquer que sejam as suas opções ideológicas, o leitor poderá imaginar o impacte tremendo que tais afirmações produzem junto de magnates dos negócios. De facto, que poderiam eles esperar mais?


Mas, que consistência terá, afinal, este discurso?


Hu Jintao é um político arguto. Provou-o repetidas vezes ao longo do seu mandato. O que disse aos homens de negócios americanos não foi, de todo, surpresa, principalmente no que diz respeito aos grandes números que apresentou. Tais mensagens haviam sido publicadas no People’s Daily em 2009.

O mesmo se pode dizer das referências ideológicas e das linhas mestras da política chinesa. Recorde-se, por exemplo, que numa visita a Londres, também em 2009, o presidente Jintao não hesitou em citar Adam Smith e a sua Teoria dos Sentimentos Morais – “Se os frutos do desenvolvimento não forem compartilhados por todos, então o desenvolvimento será moralmente condenável e tornar-se-á numa ameaça à instabilidade”, como relata The Economist de 19 de Março de 2009. Sempre oportuno, Hu Jintao.

Mas, vejamos por partes se os números apresentados não são mera argumentação política.

1. Sobre a alegada poupança de 600 mil milhões de USD de que os norte-americanos terão beneficiado graças aos produtos de baixo custo importados da China

No artigo “The Effect of Trade with Low-Income Countries on U.S. Industry”, publicado em Junho de 2008, Raphael Auer do Swiss National Bank e Andreas M. Fischer do Swiss National Bank e CEPR, explicam porque consideram que os valores em causa não estão longe da realidade. Resumidamente, o artigo diz o seguinte:

- O estudo incidiu em 325 empresas transformadoras norte-americanas de comida para animais domésticos;
- Os autores estimam que, sempre que as importações chinesas aumentarem a sua quota de mercado em 1 ponto percentual, os preços ao produtor americano quebrarão cerca de 2,5%;
- De 2001 a 2006, a China alegou ter passado duma quota de mercado de 3.7% para 8.6%. Nesse período as importações norte-americanas provenientes da China cresceram cerca de 28%, enquanto as importações totais dos USA subiram apenas 4%. Face a estes dados, os autores, concluem que a China terá ampliado a sua quota de mercado de fabricação para 10.6%;
- Tal significaria que a penetração da China nos mercados norte-americanos teria aumentado 6.9 pontos percentuais entre 2001 e 2010, ou seja, 0.69 pontos anuais.
- Se cada ponto a mais tivesse reduzido os preços em 2.5%, a expansão chinesa teria sido responsável pelo corte de 1.7% ao ano;
- Ora, como as vendas totais de produtos manufacturados atingiu 4,512 mil milhões de USD por ano na última década, os cálculos anteriores sugerem que essas transferências poderiam ter custado 4,590 mil milhões, se a China não tivesse interferido;
- Donde se pode extrair a implicação de 78 mil milhões por ano, ou seja, 780 mil milhões de USD ao longo da década.

Cálculos complicados que o público não fará, por certo, mas que não estão muito distantes da análise global feita por Hu Jintao.


2. A China, desde a adesão à OMC, terá sido responsável pela criação de mais de 14 milhões de empregos em todo o mundo


Provavelmente, a assistência terá reagido com misto de incapacidade de verificação e sentimento de propaganda. No entanto, os números coligidos por fontes como o FMI (Fundo Monetário Internacional) ou o CEIC (Centro de Estudos e Investigação Científica) variam, conforme os anos, entre 14 e 17 milhões. Alguns até poderiam ter presente os relatórios do FMI que estimam que o comércio USA-China terá criado 600 mil postos de trabalho nos USA.
Contudo, é bem provável que sigam mais atentamente os artigos de Paul Krugman do que os relatórios do FMI.

E qual é a opinião de Krugman sobre o tema? Arrasadora! O prémio Nobel economista, que se define no seu blog – “The Conscience of a Liberal” – no New York Times, afirmou em 31 de Dezembro de 2009, que um dos efeitos do mercantilismo chinês foi a destruição de 1.4 milhões de postos de trabalho nos USA.

Posições completamente divergentes, como se constata.

No entanto, nalguns países asiáticos observou-se realmente um acréscimo de postos de trabalho ao mesmo tempo que se verificava aumento de exportações para a China. Coincidência? Correlação? Pode argumentar-se que é bem provável que tal se tenha ficado a dever ao aumento de outsourcing chinês em busca de mão-de-obra cada vez mais barata. Especulações que só o tempo permitirá, ou não, confirmar.


Uma dúvida parece estar a emergir


Uma mensagem / proposta parece evidente: A China prepara-se para partilhar a recuperação mundial e a divisão de mercados com o seu rival mais directo.

Se com a ex-URSS os USA mantiveram uma longa Guerra Fria, será que tudo se conjuga para manterem agora uma Paz Quente com a China?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

SOFT SKILLS & A Organização Sustentável

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
11 Fevereiro de 2011

É comum as empresas bem organizadas disporem de Planos Sucessórios para todas as funções consideradas cruciais. Objectivo principal? Resposta pronta, e sem percalços, a eventuais fenómenos de erosão ou mesmo naturais abandonos por limite de idade, vulgo passagem a situações de reforma. Não é habitual, contudo, que estas práticas sejam do conhecimento da generalidade dos trabalhadores. Justificação mais habitual? Os gestores de topo e os DRH (Departamentos de Recursos Humanos) consideram que estas listas, embora com evidentes preocupações estruturantes, têm carácter conjuntural, devendo os elementos que as constituem estar sob permanente avaliação. Daí resulta que as entradas e saídas nestes “grupos de talentos” não tenham data anunciada. Se entrar num grupo deste tipo pode gerar expectativas que poderão não se confirmar, ser excluído será sempre interpretado como uma penalização ou, no mínimo um reforço negativo, para utilizar a tradicional terminologia de B. F. Skinner já abordada em ”Mudança da Gestão ou Gestão da Mudança?”. Qualquer destas consequências afecta sem dúvida a motivação individual, pelo que a justificação se apresenta como aceitável.

Os Planos Sucessórios são uma das componentes do Processo Integrado de Gestão por Competências (PIGC).

Vejamos a importância capital dos Soft Skills nalgumas vertentes do PIGC, e como tudo isto se complementa e gera sinergias quando o endereçamento é correcto.


Sobre a Cultura Organizacional


A Cultura Organizacional está para as organizações como o carácter para os indivíduos. Ambos identificam as entidades onde enraízam, e nem uma nem o outro se modificam com facilidade. Como o conceito de Cultura, seus benefícios e implicações negativas, varia conforme quem a cita e com a envolvente, é conveniente recordar aqui em que âmbito a situo.

Embora nos dias de hoje, em que poucos conceitos empresariais assumem perenidade, junto-me aos que acham que quando se cria uma empresa é para durar, e não com preocupações de horizontes temporais. Dito doutra forma, as empresas devem ser sustentáveis, não devem viver sob o espectro da extinção a todo o momento. Com isto quero relevar que os espaços físicos, os equipamentos, os mercados, os produtos, os clientes, os fornecedores, mudam e ainda bem que assim é, pois a esta volatilidade as organizações respondem com criatividade e inovação, desafios que as fazem renascer permanentemente. Mas, no que diz respeito à Cultura e à Liderança, há que lidar com grande sensibilidade – o caminho, que não assim tão simples, passa pela criação duma verdadeira Cultura Criativa e Inovadora, e uma genuína e eficaz Liderança Sustentável da Mudança. É crucial que os novos líderes disponham de adequadas competências relacionais (Soft Skills).


Gestão do Desempenho


Nunca é demais enfatizar que Gestão do Desempenho (GD) e Avaliação do Desempenho (AD) são construtos distintos. GD é o processo integrado que endereça as competências individuais face aos contextos operacionais actuais e previsíveis. AD é uma das práticas compreendidas pela GD, que visa comparar as contribuições individuais contra os objectivos acordados pelas partes, profissional e organização.

A AD confronta, assim, o acordado com o atingido. Embora uma das óbvias consequências seja a diferenciação das contribuições para os resultados finais, esta quantificação incide somente sobre o que o profissional realizou naquele determinado contexto. Jamais visa a catalogação da pessoa.

A AD, em si mesma e numa visão tradicional, é uma prática quantitativa, suportada essencialmente na eficiência de aplicação de Hard Skills, as chamadas competências técnicas.

Hoje em dia, no entanto, as empresas de sucesso tendem a introduzir nas avaliações componentes relacionais (Soft Skills). Actualmente, a AD procura afinar a avaliação quantitativa (O que se atingiu) com a avaliação qualitativa (Como foi atingido). Por que esta variante pode ser confundida com subjectividade, capaz de afectar a objectividade da aproximação quantitativa, torna-se necessário anunciar previamente aos intervenientes do que se trata, como se articulará com as habituais métricas aplicáveis, e que efeitos globais se pretende atingir.


Aprendizagem e Desenvolvimento


Aprendizagem e Desenvolvimento contínuos e sistémicos tornaram-se indispensáveis às organizações ganhadoras, como Aries de Geus e Peter Senge demonstraram e eu enquadrei em ”Do Serviço de Pessoal ao Departamento de Recursos Humanos”. A figura de ”Organização Aprendiz” (Learning Organization) é claramente uma metáfora, pois as organizações não têm capacidade para aprender, conseguem-no através das pessoas. Hoje, contudo, já é possível armazenar “saberes” e “conhecimentos” em ferramentas informáticas, mas o estado da arte da Inteligência Artificial ainda é muito rudimentar.

A Aprendizagem e Desenvolvimento pessoais extravasam, a montante e a jusante, os procedimentos de Avaliação do Desempenho. A montante porque pressupõem a existência de competências pessoais para as tarefas a desempenhar, e a jusante porque as carências detectadas no período de avaliação em causa, permitirão identificar as formas de as colmatar.

As competências a que me refiro são as estrategicamente identificadas pela organização, estando por isso em completa sintonia com os grandes desígnios globais.

O Desenvolvimento Individual configura âmbito mais abrangente, em especial à Gestão de Talentos. Por talentos entende-se indivíduos com elevado potencial, e não as ideias de heróis, génios, ou outros quaisquer estereótipos. Em princípio todos os empregados devem ser desafiados e estimulados a explorarem as suas potencialidades até ao limite das suas capacidades. Obviamente que tal não é possível de aplicar a todos os profissionais da empresa por questões de custo-benefício. Assim sendo, o caminho possível passa por escolhas criteriosas que não conflituem com a generalidade da população que não possa receber atenção equivalente.

O segredo na implementação destas práticas e na obtenção de resultados ambiciosos, passa por uma correcta gestão relacional, ou seja e de novo, exploração de Soft Skills.


Remunerações e outras formas de recompensa


Reconhecer prestações acima do esperado e penalizar o oposto é uma das atribuições mais importantes de quem tem responsabilidades sobre pessoas. Reconhecer pode ter múltiplos significados e assumir diversas formas, mas para quem recebe há uma que está sempre presente – recompensa. Chamemos-lhe retribuição, compensação, remuneração, tanto faz.

É por isso fundamental que se esclareça “o que se entende aqui” por aumento salarial, prémios pecuniários, progressões, e promoções.

Defendo que os aumentos salariais e os prémios se devem destinar exclusivamente a recompensar prestações que excedam o acordado. Consigo aceitar que em ambientes específicos, como profissões indiferenciadas, se recorra a aumentos automáticos, por exemplo, indexados à inflação ou aos número de anos na função, mas não consigo ver neles qualquer incentivo à satisfação ou motivação de quem trabalha. Quanto muito diminui os níveis de insatisfação. Por princípio quem cumpre com os objectivos acordados não justifica qualquer tratamento de excepção. É contra-senso.

Por tudo isto, as entrevistas de Avaliação do Desempenho e de Planeamento de Desenvolvimento Pessoal e Perspectivação de Carreira, devem ocorrer em alturas diferentes, pois têm objectivos distintos. É essencial que a população não tenha dúvidas sobre isto. E é natural que a primeira preceda a segunda, até por questões de lógica – uma endereça o passado, a outra o futuro.

O Planeamento de Carreira, eventualmente envolvendo progressões e promoções, exige grande perspicácia relacional. É por isso que a coloco sem qualquer dúvida na esfera dos Soft Skills - trata-se de aferir comportamentos e tentar prever atitudes.


Planeamento de Sucessões


Regressando ao ponto inicial – É responsabilidade de todos os líderes funcionais na organização planear substituições, normais ou acidentais, de todas as funções-chave. É uma questão de sobrevida dos órgãos fundamentais da organização que servem.

E porquê voltar agora atrás quando nos aproximamos do fim do artigo? Porque conceber e gerir um plano de sucessão depende das disciplinas que abordámos no entretanto.

A verdadeira base de dados de saberes e conhecimentos da organização é o seu ficheiro de pessoal. A responsabilidade de o manter permanentemente actualizado recai em todos os líderes funcionais devidamente enquadrados pelos especialistas do Departamento de Recursos Humanos. Um adequado suporte informático facilitará a exploração eficaz desta base de dados, através de ferramentas de pesquisa-perfuração (drill down) das diversas informações nele depositadas. Os interfaces aplicacionais com os utilizadores têm de ser simpáticos e simples em abono da produtividade.

Mais uma vez, as soluções ideais podem colidir com os recursos financeiros disponíveis. O modelo custo-benefício ditará o que deve e pode ser feito. É uma questão de prioridades, de estratégia, de bom senso, de Soft Skills.
Arrisquemos, então, uma tentativa de guião, se bem que em questões como esta tentar um “fato de medida única” não seja a táctica mais aconselhada.

Ao planear sucessões:

1. Identifique as competências cruciais, as necessárias, e as dispensáveis;
2. Identifique quem são os responsáveis pelo programa;
3. Integre os responsáveis por novas contratações;
4. Não caia na tentação de considerar que só vale a pena preocupar-se com as chefias;
5. Assegure-se de que dispõe duma base dados de competências fidedigna;
6. Arranque só com os programas que tenham financiamento garantido.

A propósito - Já pensou na sua própria sucessão?