Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
27 Novembro de 2010
Mudança da Gestão ou Gestão da Mudança?
Na semana passada recebi duas publicações que me despertaram particular atenção – uma anunciava um Mestrado em Gestão de Recursos Humanos, onde constava uma disciplina de Gestão da Mudança; a outra referia um workshop sobre Change Management, que se propõe “capacitar os líderes de hoje para a urgente necessidade de alteração dos padrões tradicionais da Gestão”.
Pensei para comigo – estarei perante cambiantes de tradução da mesma coisa, ou trata-se de duas coisas distintas? Estes candidatos a fornecedores referem-se à Mudança da Gestão ou à Gestão da Mudança? Ou será que as duas coisas são apenas uma?
E, de repente, recordei os vários cursos e workshops em que participei nos últimos vinte e tal anos sobre Change Management (em multinacional americana estas coisas não se traduzem), e como nós, participantes com responsabilidades diferentes na gestão da companhia, reagíamos às mensagens que os animadores nos pretendiam incutir.
Nenhum de nós tinha a mínima dúvida acerca do papel que nos competia enquanto condutores de homens – optimizar a gestão das nossas equipas a fim de ultrapassarmos os objectivos que havíamos assumido, numa envolvente em estonteante transformação.
O que alguns pareciam não entender é que para tal, existem vários caminhos.
Procurando sintetizar:
1. Enfoque em áreas emergentes, com libertação de recursos que estavam afectos a actividades menos interessantes;
2. Optimização da disponibilidade da oferta, quer pela melhoria processual, quer pelo incentivo à inovação;
3. Modificação cultural que conduza a nova mentalidade de todas as pessoas, ou seja, não por meras melhorias comportamentais, mas sim através de transformação atitudinal.
As duas primeiras alternativas são de carácter incremental e evolutivo, ao passo que a terceira é assumidamente fracturante e revolucionária, implicando forte envolvimento de todos, independentemente das responsabilidades que a estrutura lhes conferisse.
Recordo-me que recorrentemente discordava quando via o tema Mudança Cultural circunscrito ao âmbito do Desenvolvimento Organizacional. Na minha opinião quando falamos de Mudança Cultural devemos colocá-la em sede de Transformação Organizacional.
No fundo, trata-se da diferença entre evolução e revolução. Uma enorme diferença.
O papel da Cultura Organizacional
Quando se perspectiva uma mudança, coloca-se de imediato a questão: Quem irá estar no comando? Difícil será imaginar qualquer mudança desprovida de liderança.
Em termos teóricos, movemo-nos nos domínios da Psicologia, da Sociologia, ou da Gestão de Recursos Humanos. Mas serão estes os profissionais mais indicados para conduzir o processo? Ou será melhor opção recorrer a “quem percebe da poda”, ou seja, alguém que esteja bem por dentro do que se pretende alcançar, donde se parte, e que meios serão necessários para percorrer o percurso, que, saliente-se, ainda terá de ser descoberto?
Muitas experiências foram realizadas, inúmeros estudos foram por elas enriquecidos, mas, é bom que se reconheça, escassos foram os benefícios recolhidos. De facto, a envolvente, em ritmo acelerado de mudança, pouco permitiu testar, e a escassez de recursos financeiros alocados a estas iniciativas acabaram por pressionar tanto os projectos, que conduziu à queima de etapas essenciais. E não tenhamos ilusões, por maior que seja o empenho das pessoas, e a paixão que coloquem na actividade que lhes está delegada, existe um contrato de trabalho que rege as relações dos indivíduos com as empresas, o que significa que existem compensações e penalizações inerentes ao cumprimento desse acordo. É a realidade a sobrepor-se ao idealismo.
Para que a mudança cultural, uma viragem geral nas atitudes, possa ter êxito, há que acautelar condições básicas, e considerar pressupostos críticos:
1. Todas as mudanças acarretam perigos – o controlo situacional anterior fluidifica. A sensação de risco é individual e naturalmente íntima;
2. Todas as pessoas reagem à mudança, a não ser que a interpretem como aportando algo melhor;
3. As pessoas aderem com mais facilidade às alterações quando se apercebem que elas são consistentes e integradoras. Por exemplo, se uma modificação de horários de trabalho não for acompanhada de alterações no regime de tempos de descanso e de políticas remuneratórias, arrisca-se a contribuir para a descrença da proposta;
4. Qualquer mudança deve inspirar confiança e segurança nos intervenientes. As pessoas precisam de sentir que as alterações previstas são consentâneas com a preparação profissional que lhes foi, ou irá ser, ministrada previamente;
5. Em ambiente laboral, a insatisfação e a ausência de satisfação não são boas companheiras da motivação.
Em relação ao anterior ponto 5. Deve realçar-se que como Herzberg ensinou, a satisfação não é o extremo linear oposto à insatisfação. A ausência de satisfação, que não necessariamente insatisfação, é também perigosa, com a desvantagem de ser mais difícil de detectar.
A prática da teoria
Kurt Lewin disse um dia mais ou menos o seguinte: “Não há nada de mais prático do que uma boa teoria”. O leitor encontrará maior detalhe desta interessante discussão em “Falso dilema: o que é mais importante, a teoria ou a prática?”.
Gosto particularmente desta ideia. Ela ridiculariza o tipo de supervisores que fazem gala em apresentar-se como autodidactas e que abusam da incompreensível muleta: “Vá lá, vamos ao que interessa, deixem-se de teorias”, o que é equivalente à caricatura do general que aconselha os seus soldados a disparar primeiro e só perguntar depois. Definem-se como “decido sempre muito depressa”, esquecendo-se de acrescentar “mas demasiadas vezes mal”.
Porque trago esta questão à colação? Porque a minha experiência me mostrou que as pessoas aderem mais facilmente a novas ideias quando são capazes de perspectivar as devidas recompensas, acreditam que estão dotadas de capacidades e competências para enfrentar os desafios, e conhecem as métricas internas e externas pelas quais vão ser avaliadas. Este é, no fundo, o princípio em que se baseia a Teoria da Expectativa de Vroom. Este esquema mental reforça-se sempre que as expectativas se confirmam, e retrai-se nos casos contrários. Esta foi a razão para posteriormente Porter e Lawler o terem designado como modelo retro-alimentado.
Reforços positivos, negativos, e punições
Os estudiosos do Comportamento Organizacional não têm dúvidas sobre a correlação positiva que se verifica entre o empenhamento dos profissionais nos desafios que lhe são colocados e a transparência que a organização coloca no terreno, quer se trate de recompensas ou reconhecimento, ou diga respeito ao desenvolvimento individual – formação ou treino, por exemplo.
Aqui também um pouco de teoria ajuda muito na relação dos líderes com as suas equipas. Aconselha-se particularmente uma visita, ainda que seja breve, a B. F. Skinner e seus estudos sobre Condicionamento Operante.
Que nos diz, em linhas gerais, B. F. Skinner?
1. Os comportamentos que forem positivamente reforçados tenderão a repetir-se;
2. Os reforços intermitentes são particularmente eficazes;
3. As informações devem ser doseadas, ou seja, apresentadas em pequenas quantidades; este método ajuda a moldar as atitudes dos alvos;
4. Os reforços negativos (não atribuição de reforços positivos) são preferíveis à punição.
Grandes lições estas, a justificarem mais cuidada reflexão.
Impacte negativo da Dissonância Cognitiva
A identificação dos objectivos e comportamentos individuais com a organização, fortalece a satisfação pessoal e o sentido de missão. Caso contrário, os indivíduos correm o risco que caminhar para estados de Dissonância Cognitiva, como Leo Festinger a definiu em 1957.
Em resumo: os indivíduos tendem a adoptar estados motivacionais que os conduzam no sentido da redução da Dissonância Cognitiva, quer seja pela alteração de crenças, atitudes, ou comportamentos identificados como consistentes. Ou, duma forma ainda mais simples, pelo alinhamento percebido do seu papel no grupo e/ou organização.
Não hesito mesmo em convidar o leitor a cruzar a Teoria de Necessidades de Maslow e a Teoria ERG de Alderfer, com a Dissonância Cognitiva de Festinger e a Teoria das 3 Necessidades de McLelland. Estou quase certo que mergulhará naturalmente na importância dos Soft Skills nas organizações actuais, já por diversas vezes discutidos neste blog.
Estando tão bem estudadas, porque falham então as teorias?
Antes de exortar as pessoas a aderirem a uma mudança, qualquer que ela seja, há que:
1. Preparar uma comunicação consistente e convincente sobre o que se pretende obter, acautelando críticas implícitas ou explícitas, que possam conduzir a reparos à actuação de quem quer que seja;
2. Enfatizar os benefícios da mudança e evidenciar os custos da manutenção da actual situação;
3. Planear formações individuais que assegurem as competências necessárias em cada fase;
4. Fasear o projecto, transmitindo a necessária segurança aos intervenientes, e a concessão de tempo para cada adaptação ou novidade;
5. Anunciar como o projecto irá ser acompanhado, e medido, a fim de que as inevitáveis correcções sejam desde inicio encaradas com naturalidade;
6. Sempre que a mudança afectar horários de trabalho, mudança de localização, ou outras normas, direitos, obrigações, ou benefícios, o seu impacte deve ser apresentado o mais cedo possível.
E, antes de tudo o que foi exposto
Se é “antes de tudo”, porquê só agora abordado? Porque esta é a mensagem crucial, e sabendo-se que as últimas ideias persistem mais, ficou reservada para o fim.
Nunca se deve tentar uma mudança cultural sem se terem esgotado todas as outras alternativas menos perturbadoras para a concretização dos objectivos materiais.
A mais das vezes, bastam acções operacionais para reverter situações problemáticas. A Cultura Organizacional é muito sensível, e arrasta consigo profundas alterações que podem colocar a organização, e a massa laboral, em instabilidade, ainda que temporalmente circunscrita, capaz de consumir demasiados recursos que possam colocar em risco os negócios imediatos. Uma empresa não é um gabinete de estudos. Aqui as experiências podem custar caro. Muito caro mesmo, incluindo a própria sobrevivência.
Além disso, uma mudança cultural ultrapassa em regra mais do que um exercício, desenvolvendo-se gradual e seguramente. Deve estar-se, portanto, seguro que a reorientação cultural é a opção correcta.
Contudo, quando a organização decidir que a única forma de alcançar um plano superior de desempenho é a alteração atitudinal e comportamental das pessoas, então será preciso um compromisso inabalável de todos com os itens referidos no parágrafo anterior, garantindo que não se caia nas situações nele ilustradas.
A que se referiam afinal os anunciantes a que aludi no início?
Mesmo após esta reflexão não consegui concluir. Mas não tem importância. O que aqui ficou escrito irá ser-me fundamental na abordagem aos próximos temas a que me proponho – Motivação, Coaching e Mentoring.
Mais uma vez quero dar-lhe os parabéns pela forma sucinta e expositiva como aborda questões tão interessantes como a importancia da "atitude" no mercado do trabalho.Gosto particularmente da forma com os escreve e descreve. Bem haja Vitor Trigo. Continuarei a ser uma leitora atenta.
ResponderEliminarHelena de Castro e Brito Esteves Grilo
Obrigado Helena, palavras motivadoras as suas.
ResponderEliminarAchei seu Blog pelo Google, em consultas para meus estudos no curso de Pós Graduação em Psicologia Organizacional.
ResponderEliminarGostaria de Parabenizá-lo pela forma lúcida e objetiva pela qual enxerga essa questão de comportamento organizacional.
Infelizmente percebi que vc não escreve desde 2011 ...
Caso tenha alguns outros artigos publicados sobre comportamento organizacional, ficaria feliz em lê-los.
Grande abraço.
Alexandre
Feliz por ter sido útil. De facto, não publico desde Dez 2011. Tenho-me dedicado a desenvolver palestras para intervenções na Academia. Temas sempre relacionados com Comportamento Organizacional, Empregabilidade, Gestão de Carreiras, Trabalho em Grupo, Negociação e Comunicação.
EliminarPenso voltar a este blogue a partir de Setembro. Se nos encontrarmos outra vez será um prazer.
Obrigado pela sua mensagem, VMT