sábado, 29 de janeiro de 2011

CHINA – De Deng Xiaoping a Hu Jintao, O "Grande Salto"

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
29 Janeiro de 2011


A China do “Grande Salto” começou em 1978

Pequim, 13 de Dezembro de 1978, reunião do plenário eleito no XI Congresso do Partido Comunista Chinês de 1977. Eram 169 dirigentes efectivos e 112 suplentes do PCC, todos formados segundo os ensinamentos do fundador da Nova China, emancipada após a vitória de Mao Zedong, e das históricas palavras que proferiu na praça Tiananmen no dia 01 de Outubro de 1949: “O povo chinês levantou a cabeça”.

De 1949 a 1977, a China conheceu profundas movimentações políticas e económicas, de que se destacam o falhado plano de 1959 visando a industrialização do país, as obscuras e sangrentas iniciativas dos Guardas Vermelhos e “sua” Revolução Cultural, terminando no que ficou conhecido como a tentativa de golpe de estado do “Bando dos Quatro”, em que pontificava a viúva do Grande Timoneiro Mao, que havia falecido a 09 de Setembro de 1976, quando já se encontrava muito debilitado mas, apesar disso, com as rédeas do poder nas mãos.

Naquele dia de Dezembro de 1978, a tensão era grande – tratava-se de decidir entre o projecto de continuidade de Hua Guofeng e a mudança proposta por Deng Xiaoping, apontado pelos conservadores como “o homem que iria destruir o socialismo”. Quando Deng falou aos congressistas em “libertar a mente, pôr o cérebro a funcionar, procurar a verdade, e reforçar a solidariedade”, todos perceberam que a China se iria libertar do atavismo imposto pelo “Bando dos Quatro” liderado por Lin Biao, que a meritocracia venceria a burocracia, que a descentralização iria começar, ainda que muito controlada pelo poder, e que a abertura ao progresso e ao desenvolvimento iriam ser primordiais, mesmo percebendo que alguns dogmas sagrados teriam de ser questionados e ultrapassados.

Uma nova China acabara de despontar. Fortemente nacionalista, é certo, ainda hoje o é, mas finalmente aberta ao exterior. É atribuída a Deng Xiaoping esta elucidativa frase: “Quando se abrem as janelas no Verão, juntamente como ar fresco entra sempre alguma mosca”. Desta forma simples, Deng preparava o seu povo para os percalços que iriam inevitavelmente surgir.


E que gigantesco foi o “Grande Salto”

Este artigo não visa descrever o circuito político percorrido pela China desde 1978, mas antes relevar algumas das mais significativas mudanças que o país China conheceu nos últimos trinta anos.

- Em 1978, a China era uma economia completamente fechada. Em 2010, tornou-se na segunda economia mundial, à frente da ex-super-potência regional Japão, como aqui referi;

- Em 1978, toda a produção industrial chinesa era estatal. Em 2010, cerca de metade é privada, em parte assegurada por empresas estrangeiras ou capitais estrangeiros;

- Em 1978, o sistema bancário era fechado e obsoleto. Em 2010, é moderno, adaptado às necessidades de investimento, e ao controlo inflacionário que o enorme desenvolvimento poderia provocar. O volume de depósitos de que dispõe é hoje cerca de 900 vezes o que era há trinta anos;

- Em 1978, o PIB per capita era 40 vezes inferior ao actual nas zonas urbanas e 30 vezes nas rurais. Veja aqui como a China está a descolar dos níveis de pobreza de outras zonas do globo. Para melhor referência, neste artigo encontrará os PIB e PIB per capita em diversos países;

- Em 1978, perto de 80% da população chinesa vivia no campo. Em 2010, a China tem 117 cidades com mais de 1 milhão de habitantes, sendo que em 13 delas habitam mais de 4 milhões;

- Em 1978 não existiam centrais nucleares. Em 2010 há 11 e outras tantas estão em construção. Para além disso, a China já ocupa lugar de relevo nas áreas de novas tecnologias e energias limpas;

- Em 1978, existiam menos de 1.5 milhões de veículos em circulação (excluindo motociclos). Hoje, esse número excede 40 milhões;

- Em 1978, a China dispunha de pouco mais de 160 mil licenciados. Actualmente licenciam-se mais de 4 milhões por ano.


Capitalismo ou Socialismo? Esta não é a questão

Os números são, de facto, impressionantes. Para aquém e para além deles, muito fervilha neste imenso país que parece devotado ao crescimento imparável.

Deng Xiaoping, que irá ficar para a história como o pai da mudança e o arquitecto do desenvolvimento, disse um dia que a diferença entre capitalismo e socialismo não se resumia a contrapor a economia de mercado à economia planificada, mas antes na exploração do homem pelo homem (a tradicional bandeira marxista) contra a libertação do homem. Poderia assim dizer-se que se o capitalismo é opressão por excelência, a China iria promover a emancipação do homem na base dos seus direitos naturais. Grande evolução se verificou na China desde 1978, sem dúvida. Mas o leitor ajuizará sobre o que ainda hoje são os direitos humanos neste país.

Actualmente poucos duvidam que a China é um país capitalista sob regime comunista. Alguns ousarão mesmo dizer que aqui se encontra um novo estádio do capitalismo, a salvação do capitalismo, e outras figuras retóricas. Pessoalmente, prefiro classificar o que se está a construir na China como super-capitalismo. Dito doutra forma, se o capitalismo é opressor, o que aqui se está a testar é uma fase superior de opressão. Porquê? Porque aqui a autoridade não se preocupa em mostrar as flexibilidades, mesmo que não reais e genuínas, que os países ocidentais não dispensam para sua promoção.


As cinco gerações de políticos chineses

Desde 1978, exerceram o poder três gerações de políticos –

Deng Xiaoping, que ousou definir o “Grande Salto em Frente” teorizado pelo VIII Congresso do PCC, e que rompeu definitivamente com o culto da personalidade de Mao Zedong “O Grande Timoneiro”, grande responsável pelo isolamento do ap´si ao mundo;

Jian Zemin, de certa forma um outsider, por não ter sido preparado pelo núcleo central do PCC, que foi capaz de conter a espiral inflacionista que a deriva capitalista iniciada com Deng estava a gerar, e que introduziu a Teoria das Três Representações - O Partido é a Vanguarda Cultural, detém os Interesses Fundamentais do povo, e corporiza as Forças Produtivas mais Avançadas;

Hu Jintao, um ex-dirigente da Escola Central do Partido, não deixou cair a Teoria das Três Representações. É um tecnocrata, um diplomata, um moderado. Não hesitou em citar Adam Smith, praticar jogging, jogar bridge, misturando prazer com instrumentalismo. Corre mundo, e leva os interesses comerciais chineses a toda a parte – é o paradigma do dirigente da globalização, um actor global. Mostra a China como um país respeitador dos interesses dos países parceiros, evidenciando a distinção para a tradicional ingerência característica dos países ex-colonialistas. Internamente, introduziu dois novos conceitos – a “Visão Científica do Desenvolvimento”, onde pontificam a sustentabilidade, o equilíbrio social, e a compatibilidade entre ambiente e bem-estar económico; e a “Construção da Sociedade Socialista Harmoniosa”, em que compatibiliza as teses marxistas com as teorias confucianas.

Os anos de 2012, eleição do novo Secretário-Geral do PCC, e de 2013, eleição do novo Presidente da RPC, conduzirão ao poder a Quinta Geração de dirigentes pós-revolução. Os seus nomes são conhecidos Xi Jinping, douturado em ciências sociais, e Li Keqiang, licenciado em direito. Deles se espera muita coisa, a começar pela substituição duma gestão tecnocrata (Hu Jintao e Wen Jiabao) pelo primado das leis. Hu Jintao passar-lhes-á intacto, e reforçado pelo XVII Congresso do PCC, um importante legado teórico, vínculo contínuo do PCC, conhecido por “Quatro Princípios Cardinais” – (1) O Marxismo-Leninismo; (2) A Ditadura do Proletariado; (3) Os Pensamentos de Mao Zedong; (4) A Liderança do Partido Comunista. Que irão fazer com eles, Xi e Li?


Até às eleições, é preciso atravessar 2011

Este mês, o director do escritório da McKinsey em Xangai, publicou na sua habitual coluna o que considera serem as seis principais notícias com que a China iria surpreender o mundo (a expressão surpreender é dele). O prestígio da organização que serve e a sua própria experiência pessoal mereceram-me a seguinte reflexão:

1. Aumento dos preços dos produtos alimentares
A questão não é nova. Já começou a impactar a inflação e a merecer a atenção das autoridades, tendo sido já alvo de tratamento neste blog, por diversas vezes. A novidade poderá residir no efeito das medidas tomadas, que poderão não ter sido suficientes. Esperam-se medidas mais estruturantes, ao longo de toda a cadeia de produção e distribuição, o que poderá vir a provocar alguma contestação social, algo não desejável em vésperas de mudança de dirigentes políticos. Se vierem a ocorrer manifestações populares, especula-se sobre o tipo de intervenção que as autoridades poderão adoptar (ver aqui como alguns teorizam em redor duma possível greve geral na China).

2. Falência dos apostadores em especulação imobiliária
Em Dezembro, quando abordei a evolução dos preços das habitações, referi o facto dos aumentos verificados estarem a caminho do insustentável. Embora o governo tenha tomado medidas junto da banca, pode existir já uma perigosa bolha imobiliária, cuja gestão tem de ser cuidadosamente acautelada. A ocorrência de falências dos investidores nesta área pode tornar-se inevitável, e não consta que as autoridades estarão dispostas a apoiá-los.

3. Reivindicações salariais
Em 2010 ocorreram aumentos salariais generalizados nas zonas urbanas. Também os salários mínimos foram actualizados (note-se que na China o salário mínimo é estabelecido por regiões). No mesmo período também se verificaram incrementos significativos na produtividade das empresas. Contudo, o custo de vida continua a aumentar. Este cenário, conjugado com a absoluta necessidade de aumentar a consumo interno, a fim de diminuir a dependência das exportações, irá penalizar o custo de vida, e, possivelmente justificando reivindicações salariais, ou seja, novo foco de turbulência social, que será, por certo, contido. Como?

4. Diminuição do crescimento económico
Em 2011 o PIB chinês continuará a crescer, mas menos do que nos anos anteriores, e provavelmente menos do que as previsões oficiais. A lenta recuperação mundial e a diminuição dos incentivos ao consumo de importantes mercados, como o uso de energias tradicionais e a aquisição de meios de transporte individuais, assim o fazem prever.

5. Intensificação da guerra das moedas
O yuan, na opinião dos governos estrangeiros, continua artificialmente desvalorizado em relação a outras moedas. Mas, este é um dos pilares da globalização chinesa – facilitar as exportações, limitar apoios às importações. A China continua a recusar corrigir a fundo esta relação. Fá-lo pontualmente e só quando isso lhe é indispensável. Actualmente, com as gigantescas divisas de que dispõe, e face à crise internacional designada com de “dívidas soberanas”, a China encontra-se em posição negocial de crescente força. Podem mesmo vir a verificar-se acrescidas exigências ao investimento estrangeiro no país, como sejam a imposição de parcerias e partilha de know-how.

6. Nova onda de privatizações
O caminho traçado está definido – o estado deverá diminuir a sua participação nas empresas. Sem hesitações, mas com segurança como preconizava Deng Xiaoping. O capitalismo chinês ganha terreno.


Good Bye Mr. Hu.
Welcome Mr. Li


A lista de previsões do senhor Gordon Orr não me pareceu especialmente interessante, apesar da sua reconhecida competência. Francamente, esperava mais. Mesmo assim, aproveitei-a para alguns comentários e uma certa ordenação de ideias, visto que a sua revista é lida por tantas pessoas.
Pessoalmente, penso que 2011 irá ser um ano de contenção em termos de grandes mudanças. Hu Jintao está em fim de mandato, e a sua preocupação parece ser a passagem de testemunho em boas condições. Aliás na linha da famosa resposta que deu, em 2006, ao jornalista que na Casa Branca lhe perguntou: “Presidente, quando é que a China se tornará numa democracia com eleições livres?”

O sagaz e diplomata presidente Hu, respondeu assim, segundo The Swamp: “Não sei o que o senhor entende por democracia. Posso dizer-lhe que nós, na China, sempre acreditámos que sem democracia não há modernização. Desde os anos setenta, quando arrancámos com a abertura ao exterior, lançámos as reformas económicas e, de forma adequada, a reestruturação política. No futuro, atentos às condições nacionais e à vontade do povo, prosseguiremos com a reestruturação política, alargaremos a participação dos cidadãos, ou seja, os indivíduos encontrar-se-ão em posição de exercerem melhor os seus direitos democráticos”.

Assim pensa e fala o líder da Quarta Geração chinesa da pós-revolução.

Esperemos para ver como pensa, fala, e age o líder da Quinta Geração.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

CHINA - Em Força na Inovação

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
21 Janeiro de 2011


Em Setembro de 2010 convidei os leitores a debruçarem-se sobre a mudança estratégica chinesa e os receios que esse conjunto de iniciativas estava a provocar nos países ditos desenvolvidos. Nesse artigo dediquei mesmo um capítulo ao tema “Da produção em massa à qualidade e à especialização”. No mês seguinte, escrevi sobre a absoluta necessidade que a China sente de não estar tão vulnerável às exportações, centrando atenções no que designei por inevitabilidade de incrementar o consumo interno. Mas o desafio mais profundo que se coloca a esta importante economia na próxima década, chamar-se-á inovação. Se a fase de cópia de produtos estrangeiros deu os seus frutos no passado, captando capitais que permitiram a gigantesca massificação da produção, e de seguida, a orientação para bens de qualidade, discutido em ”Leve que é garantido, é Made in China”, hoje é o vanguardismo da inovação que concentra as atenções dos estrategas chineses.

A cultura ocidental habituou-se a definir “Inovar” como introdução de novidades em; renovação; invenção; criação. São estes os significados que encontramos no dicionário online Priberam. Para a mesma fonte, “Criatividade” quer dizer dar existência a; dar o ser a; gerar; produzir; originar; educar; inventar; fomentar; estabelecer; interpretar; nascer; produzir-se; crescer; passar à juventude. Até parece que a “Criatividade” é mais fácil de explicar do que a “Inovação”.

Proponho que fiquemos, no contexto em que estamos, pela seguinte precisão: “Inovar” significa criar algo de diferente e que não seja mero melhoramento do que já existe. Conveniente será recordar as sábias palavras de Peter Drucker quando afirmava que a inovação só faz sentido quando precedida de experiência. Ou seja, só interpretando correctamente as ofertas e necessidades actuais, se pode criar algo que preencha as lacunas detectadas. Quão importante era o conhecimento para Drucker.

Evolução do investimento em R&D

O investimento em R&D não garante qualquer sucesso, é certo. O parágrafo anterior é elucidativo da bondade desta afirmação. É a excelência do Know-how que conduz ao sucesso, e não a quantidade de dinheiro que se possa injectar nos programas de R&D. Mas também é verdade que as carências financeiras em R&D tornam a caminhada para a inovação numa missão impossível. O esforço financeiro chinês neste terreno tem sido assinalável – de 1.25% do PIB em 2004, passou para 1.5% em 2008 (e como subiu o PIB chinês de 2004 a 2008). Mesmo assim, não deverá ter atingido 2% em 2010, como alguns analistas arriscaram prever, baseados no plano quinquenal que se encerrou no ano passado. Para maior detalhe na evolução do investimento chinês em R&D, consulte por exemplo como evoluiu no sector químico, uma das mais importantes apostas chinesas.

Não é, porém, somente nos valores envolvidos que a aposta chinesa em R&D merece tanta atenção. É também na implementação duma agressiva política de descentralização – de actividade fortemente centralizada, aliás consentânea com o regime político vigente, chegou-se hoje a cerca de 60% da investigação ser processada em grandes e médias empresas privadas. Eis alguns indicadores que confirmam esta aposta - o investimento estrangeiro neste domínio, já era, em Novembro de 2009, responsável por 7% do total, e as empresas multinacionais a operar na China, dispunham nesta data de cerca de 1500 centros de R&D autónomos. Face a esta evidência, alguns comentadores alertaram, em 2009, para o facto das multinacionais estarem a deslocalizar R&D para a China, e, num outro trabalho, de 2011, outros analistas terem chamado a atenção para que, em vários domínios da investigação, se bem que os USA ainda ocupem o primeiro lugar, a China já conquistou a segunda posição mundial. Não será de admirar que em 2010, de que ainda não se conhecem números finais, a China venha a ultrapassar os USA em patentes registadas, mas não tardará muito para que tal venha a acontecer.

A experiência mostrou às autoridades chinesas que a inovação não se decreta nem se impõe. A China não quer voltar a cometer os mesmos erros. O caso da tentativa de desenvolvimento autónomo de tecnologia TD-SCDMA, é sintomático de como as autoridades chinesas aprenderam que a inovação não se impõe de cima para baixo. Esta iniciativa só atingiu 10% dos objectivos traçados – um gigantesco e inesquecível “flop”.

O exemplo indiano mostrou-lhes que as apostas não podem orientar-se exclusivamente para a inovação operacional – a construção dum modelo criativo consistente é crucial. Por outras palavras, trata-se de conceber e colocar no terreno uma cultura de inovação. Este artigo, publicado na Business Week, e assinado pelo CEO da Infosys, intitulado “Obstáculos à Inovação na China e na Índia”, explica bem as dificuldades que têm de ser vencidas para alcançar o sucesso nesta área.

O mercado de veículos movidos a energia eléctrica é um bom exemplo das preocupações das autoridades económicas chinesas no que respeita a inovação, não só porque o mundo está ávido desta tecnologia, como a China precisa de reestruturar a frota de carros oficiais e a rede nacional de táxis. A procura será muito significativa, como se calculará, e os chineses não querem entregar esta oportunidade aos estrangeiros.

Algumas fontes calculam que a China vá investir em R&D nesta indústria cerca de 8 mil milhões USD, com base nas perspectivas de vendas para 2020. É uma forte aposta, de facto, e um óptimo exemplo da objectividade chinesa.

Encargos R&D em 2020, China vs USA (previsão)

Não nos podemos alhear de que estamos a falar de enormes mercados e economias gigantescas. A título comparativo, repare-se na grande disparidade de investimentos em R&D quando se compara os USA com a China.

Por exemplo, um estudo de Janeiro de 2010, referia para os dois países os seguintes valores de investimento em R&D, previstos para 2020: China – 86 / 281 / 714; USA – 446 / 554 / 684. Os valores estão em milhares de milhões USD, sendo o primeiro calculado com base em estimativa moderada de evolução das economias, o segundo média, e o terceiro favorável.

Que nos dizem estes cálculos? Que a diferença entre os dois países ainda é muito grande; que não é impossível a China ultrapassar os USA no final da próxima década, mas que não será muito fácil que tal aconteça – na China teria de se verificar um incremento anual médio de cerca de 24% durante 10 anos, o que será pouco provável. Para consulta do modelo aplicado vá aqui.

Que se passa com o grande consumo?

Aqui as notícias não parecem tão risonhas. O sector electrónico continua dependente dos produtos desenvolvidos no Japão e na Coreia do Sul, se bem com melhorias pontuais. De novo, nada, ou quase. Um dos obstáculos à evolução neste sector poderá ser a total ausência de estudos de mercado – as empresas produzem o que acham que devem produzir. Ninguém se preocupa em saber o que os consumidores querem. Aqui encontrará uma análise do que se passa, ou melhor, do que não se passa.

Nos serviços o panorama é semelhante – muito pouca inovação. Na banca e nos seguros, por exemplo, os produtos disponíveis são tradicionais, por vezes mesmo ultrapassados. É certo que as autoridades receiam a introdução de produtos inadequados nos mercados. O exemplo dos tóxicos que afectou toda a economia mundial está bem fresco. Contudo, os negócios implicam risco, e estagnar nestas áreas pode ser muito arriscado. Consulte aqui, aqui, e aqui, o que neste espaço já foi escrito sobre políticas anti-inflaccionistas na China.

Assim sendo…

Decisões políticas, precisam-se.

A Índia dispõe duma aposta fortíssima na área dos carros eléctricos de baixo custo – o Tata. O modelo Nano, o carro mais barato do mundo, pode vir a tornar-se um revés para as empresas de automóveis populares na China.

Nas energias recicláveis, a China precisa de se libertar do know-how ocidental, nomeadamente alemão, e explorar os técnicos nacionais que têm vindo a ser formados em quantidades apreciáveis todos os anos.

A quinta geração de dirigentes chineses pós-revolução [nota 1] irá tomar as rédeas da nação a partir de 2012-2013 [nota 2]. Contudo, sabendo-se da capacidade planificadora dos chineses, não é preciso ficar à espera dos novos líderes para tomar a iniciativa de apoiar a inovação.

Massa cinzenta, não falta.

A China prepara-se para novo passo em frente. Só terá a ganhar com isso. E eu quero acreditar que o mundo também.

E os leitores, o que pensam sobre isto?

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NOTAS:

[nota 1] As cinco gerações a que me refiro, são personificadas por: Mao Zedong, Deng Xiaoping, Jian Zemin, Hu Jintao e Wen Jiabao, Xi Jinping e Li Keqiang.

[nota 2] Em 2012 ocorrerá a eleição do novo secretário-geral do PCC, e em 2013 terá lugar a eleição do novo primeiro-ministro. Esta geração será a dos homens de leis - Xi é engenheiro químico, com um doutoramento em ciências sociais; Li é licenciado em direito. Em termos de formação académica, as diferenças para os seus antecessores são notórias – Hu é engenheiro com passado militar; Wen é geólogo.

domingo, 16 de janeiro de 2011

SOFT SKILLS - Do Serviço de Pessoal ao Departamento de Recursos Humanos

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
16 Janeiro de 2011


Há dias D.R. (nome fictício) referia-me: “Não entendo porque razão se passou a denominar por Departamento de Recursos Humanos o que, afinal, sempre foi e continua a ser o Serviço de Pessoal”. Sem qualquer hesitação D.R. qualificou esta alteração como manifestação de pedantismo pretensamente modernista. Nem mais. Este meu amigo nunca foi homem de pedir licença para dizer o que sente.

Para mim, a opinião de D.R. é muito importante por três razões: (1) D.R. foi durante mais de uma década “Chefe do Serviço de Pessoal”; (2) D.R. estava em pleno exercício dessa função quando eu fui admitido como empregado, e, portanto, fixou-se de imediato, como uma referência importante para um debutante como eu; (3) D.R. é hoje meu amigo, e é dono de opiniões que muito prezo.

Na minha opinião, o comportamento visível de D.R. era habitualmente mais interveniente do que foi o dos vários sucessores que lhe conheci, que entretanto adoptaram a nova terminologia de Departamento (em lugar de Secção), Director (e não Chefe), e Recursos Humanos (em vez de Pessoal). Ou seja, aparentemente ser Director do Departamento de Recursos Humanos é muito mais mediático, mundano, e importante, do que ser Chefe da Secção de Pessoal. Jamais me apercebi que as directivas de todos eles, e conheci vários, tivessem sido substantivamente diferentes, para além de naturais adaptações conjunturais. Mas que o título é mais pomposo, lá isso é. Pelo menos nas reuniões em que o estatuto social conta.

Pessoalmente, defendo que o que passarei designar, daqui em diante e por comodidade, visto ser a expressão mais comum, por Departamento de Recursos Humanos (D.R.H.), deveria ser chamado a adquirir novas competências a fim de poder alargar áreas de intervenção.

Neste artigo procurarei abordar uma das que considero mais importantes – o Coaching dos profissionais com responsabilidades de direcção de pessoas, ou que uma vez reconhecidos como talentos, se acredite que possam vir a assumir posições de liderança. Deixarei o Coaching Operacional, o que normalmente é conduzido por profissionais mais experientes no desenvolvimento de tarefas operacionais, para outra oportunidade. Pessoalmente, até prefiro chamar-lhe Treino ou Formação do que correr o risco de se confundam os conceitos, embora reconhecendo que poucas pessoas me acompanhavam nesta visão.

Hoje todos os dirigentes proclamam que as pessoas são o património mais valioso de que uma organização pode dispor. Há quem prefira chamar Recursos Humanos (RH) a este património, outros optem por Capital Humano (CH), outros ainda recorrem à expressão Activos Humanos (AH). E a criatividade não se esgota aqui.

A primeira opção (RH) não é a minha preferida, embora seja a mais corrente. Em princípio, a recurso associo a ideia de limitação predeterminada – todos os recursos são finitos, não é verdade? Ora, quando nos referimos a pessoas, há que reconhecer que, conjunturalmente, a quantidade de informação que cada um dispõe é realmente limitada, como proclamava Herbert Simon, mas eu prefiro acreditar que a capacidade de evolução individual não conhece limites que possam ser determinados por outrem. Dito doutra forma, como já aqui referi, a mais nobre função dum líder, é levar aqueles que desempenham funções nas suas equipas a superarem o que pensam ser os seus próprios limites, através da criação de espaços de liberdade que possam fomentar a inovação, a criatividade, e a assunção de novas responsabilidades (o empowerment militante, ou, o “empreendedor praticante”, como aqui referi. Para que não se confunda esta ideia com qualquer forma de fundamentalismo, abro uma excepção para quando em ambiente de projecto se quantificam tempo, dinheiro, equipamentos, e pessoas na mesma folha de cálculo. Mas, aqui, estamos no campo estritamente racional, onde (quase) tudo, para o responsável pelo projecto, se resume ao cumprimento de metas quantitativas previamente estabelecidas.

A última (AH), considero-a inadequada. Activos e passivos são epítetos que qualificam entidades idênticas em sentidos opostos. Em contexto financeiro fará todo o sentido: uns são desejáveis, os outros não. Os passivos evitam-se, combatem-se, eliminam-se se possível. Tratamentos que não se aplicam quando estamos a lidar com pessoas. Quando alguém fica aquém do esperado, a decisão imediata não deve ser o despedimento, nem a ostracização do profissional em causa, mas sim a procura de áreas mais apropriadas às suas competências.

Capital Humano (CH) é a minha expressão preferida. Não indicia qualquer tipo de limitação ao desenvolvimento. É um valor que, se bem que possa ser intangível, é inequivocamente indelével, afirmativo, diferenciador.

O papel crucial dos Departamentos de Recursos Humanos

Nos Departamentos de Recursos Humanos (DRH) podem e devem, se a organização o comportar, existir especialistas de diversas áreas. Há, contudo, uma especialidade que não pode faltar – gestores de RH. Não me refiro a técnicos de RH, aqueles que dominam todas as regras burocráticas ligadas à administração de pessoas, nomeadamente no que respeita aos preceitos legais e às áreas de recrutamento e selecção, ao cumprimento das regras de justiça e equidade, quer seja em termos de carreira ou retribuição.

Não, não é nada disso que me preocupa, mas sim o facto de que hoje se torna indispensável que os profissionais de RH se assumam como agentes de mudança dentro das suas organizações, como sintomaticamente preconiza Winston Connor, um ex-Vice President de RH, hoje líder da sua própria empresa de Coaching.

É neste domínio que se vencem as batalhas: Um agente de mudança é necessariamente um hábil negociador, excelente e flexível intérprete situacional, e exímio dominador de Soft Skills.

Pelo exposto se infere, quanto considero crucial a actividade do DRH no sucesso organizacional.

Coaching e Mentoring são programas diferentes

As práticas sistemáticas de Mentoring e Coaching, o investimento em formação, e os apoios à concretização de metas de desenvolvimento individual, melhoram a produtividade, aumentam a retenção e a satisfação no trabalho. Mentoring e Coaching são disciplinas bem distintas. Se, na minha opinião, cabem aos DRH importantes actividades de Coaching, já não penso o mesmo acerca do Mentoring.

Mentoring é uma parceria entre um funcionário experiente, as mais das vezes um quadro superior, e um ou vários menos experientes, focalizada no desenvolvimento de carreira destes últimos. Não me parece adequado endereçá-la ao DRH.

Coaching focaliza o desenvolvimento de competências, o aprofundando da aprendizagem, o incremento do desempenho, e a melhoria da qualidade de vida no trabalho.

Nada impede, assim, que o Coaching possa ocorrer como integrado num processo, mais abrangente, de Mentoring.

O Coaching visando o desenvolvimento de competências comportamentais (Soft Skills) assume características distintas do desenvolvimento de competências técnicas (Hard Skills), pelo que para aqueles se exigem técnicos especializados, enquanto que para estes os colegas mais experientes são, em regra, a solução mais aconselhada, até por questões financeiras.

Neste artigo debruço-me exclusivamente sobre Coaching de Soft Skills, em particular no apoio e desenvolvimento de competências de liderança.

Clarificando o conceito de Coaching

Coach significa treinar. O Coach é um treinador. Mas praticar Coaching é mais do que treinar o praticante (Coachee) na eficiente utilização dos recursos (tempo, equipamento, dinheiro) que a organização disponibiliza para o cumprimento de funções e de metas.

É importante precisar uma ideia – Na actividade de Coaching, o Coach não fornece respostas, introduz um processo capaz de ajudar o Coachee a descobrir as respostas.

Há muito me habituei a utilizar o método GROW. Trata-se dum modelo muito simples e eficaz, que consiste em conduzir o Coachee a identificar e revelar, ele próprio, ao Coach qual é o objectivo (Goal) que lhe causa preocupação, qual a envolvente (Reality) que lhe dificulta a concretização, de que alternativas (Options) julga ele dispor, e o que irá fazer (Will) para as pôr em marcha. Este modelo, de autoria de Sir John Whitmore, pode aqui ser experimentado.
Basicamente, o Coach apoia o Coachee num processo mental em que este identifica e escalona os seus próprios objectivos (G), contextualiza-os (R), encara e valoriza as alternativas de que dispõe (O), para finalmente ele próprio se comprometer com as acções (W) que o levarão a ultrapassar os obstáculos que o inibiam. Quase que parece um daqueles malfadados processos de auto-ajuda que actualmente enchem as prateleiras das livrarias e que, em regra, não passam de oportunismo pouco escrupuloso. Convido o leitor a procurar familiarizar-se com as bases da metodologia. Julgo que a informação disponível na net, atrás citada, será suficiente.

Desafio o leitor a utilizar a técnica aprendida. É bem provável que fique fã como eu.

Competências-chave que definem um Coach

Do futebol à música, da ginástica à natação, do ténis ao hóquei, encontramos pessoas que se tornaram famosas pelas capacidades de motivação e inspiração dos atletas, e suas ascensões às vitórias. Habituámo-nos, inclusive, a vê-los a conduzir seminários sobre liderança nas empresas. Conhecemo-los pelo nome. São assíduos nas páginas das revistas de negócios.

Que têm eles de comum? São mestres em:

• Gestão de expectativas
• Flexibilidade situacional
• Concentração nos objectivos
• Paixão pelo trabalho, e, muito importante
• Perguntam mais do que afirmam

A boa notícia é que não é necessário praticar desportos, ver desportos, ou ser teórico do desporto, para ser Coach em ambiente de negócios. Não é necessário possuir dotes de Coach para ser um bom profissional, mas é, contudo, indispensável tê-los para ser um bom líder.

O Coach não se perde em informações técnicas, deleitando-se com considerações teóricas, ou dissertando sobre “como as coisas devem ser feitas”. Os Coaches tendem a ficar de fora de detalhes, concentrando-se em tarefas superiores, como visão, estratégia e planeamento. As suas disciplinas favoritas incluem comunicação, negociação, resolução de problemas, liderança, cooperação, e planeamento.

Assim sendo, para ser Coach não basta dispor de experiência funcional (Hard Skills), é preciso possuir competências relacionais (Soft Skills), e estas só excepcionalmente se encontram nas unidades operacionais. Por isso todos os DRH devem ter especialistas nesta área. No mínimo para, se não puderem assegurar eles mesmos estes propósitos, poderem perceber a importância destas disciplinas, e serem capazes de seleccionar no exterior quem poderá levar a cabo estas tarefas.

Não é Coachee quem quer, nem quem nós queremos

Para poder praticar Coaching, o Coach precisa de autorização do Coachee, e é crucial que uma vez obtida esta permissão, o Coach defina muito claramente os limites e regras mútuas a respeitar na relação. A confiança é factor crítico de sucesso. O Coach é apoiante, líder, professor, amigo, cúmplice, confidente. Aqui não pode haver dúvidas.

Ou seja, não é Coach quem quer, tem de o merecer.

O Coach é um líder muito especial – ele move-se numa sensível relação de liderança 1-2-1 (one-to-one, um-para-um) muito particular. Assim tudo o que eu mesmo afirmei em ”SOFT SKILLS & Liderança” ganha particular pertinência neste contexto. A gestão do relacionamento é indispensável, e deve ser adequada a cada situação. Receitas de sucesso, não existem. Inteligência Emocional, exige-se (aqui em pdf ou aqui em livro).

O profissional de RH como Coach? Sim, claro!

Obviamente, que nos DRH têm de existir especialistas de gestão salarial, relações com sindicatos, conhecedores da legislação de trabalho, experientes recrutadores e integradores de pessoas, conhecedores das tributações aplicáveis, e outros gestores de programas de suporte relacionados com as interfaces humanas. Todas estas actividades são típicas duma função de staff como tradicionalmente têm sido os Serviços de Pessoal. Recordo que não é este o âmbito deste artigo – aqui quero relevar a componente operacional dos DRH, como pessoalmente os concebo.

Os especialistas em RH têm de ser exímios na utilização de Soft Skills.

Eles terão de estar aptos a praticar Coaching sobre qualquer colaborador da organização, incluindo o CEO. Uma organização moderna e flexível, como afirma Aries de Geus, é aquela que estando sempre a aprender, consegue aprender mais depressa”. Esta é uma imagem mais profunda e sintética do que as mensagens que Peter Senge gravou nas tábuas quando publicou o best-seller ”A Quinta Disciplina”, também aqui tratado em formato pdf. Aprecio, em especial, esta afirmação de Geus: “Na maioria dos casos, aprender significa esquecer o que antes dera resultados”.

Obrigado D.R.

Não posso terminar sem endereçar um especial agradecimento ao meu amigo D.R. Foi a conversa com ele que despoletou este artigo.
E é bem provável que D.R. venha a fazer alguns reparos ao que aqui digo. Se assim for, terei de voltar ao tema. Com redobrado prazer.