sábado, 20 de novembro de 2010

CHINA – Irá a inflação condicionar o crescimento económico?

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
20 Novembro de 2010


Qualquer que seja o assunto que se relacione com a China continua a surpreender-nos pela magnitude, e pela volatilidade das informações, que evoluem a ritmos incríveis.

Quando alguns de nós começámos a debruçar-nos, no início dos anos 1990, sobre uma nova realidade do mundo dos negócios que apelidámos genericamente de “mudança” (quem não se recorda dos intermináveis seminários sobre “gestão da mudança”), estávamos longe de imaginar o que significa “mudança” na China nos dias de hoje.

Temos vindo aqui a abordar alguns dos desafios actuais do crescimento económico chinês, desde uma inicial atenção aos custos de produção, passando pela evidente mudança de estratégia e pela nova orientação para a qualidade, até termos chegado ao que designámos por absoluta necessidade de dinamização “forçada” do consumo, e à forma como os estrangeiros encaram este “boom”.

Eis-nos perante uma nova realidade, aliás previsível - o espectro da inflação.

De facto, a inflação ainda não é uma ameaça concreta, mas os preços estão a aumentar, o que basta para começar a preocupar os líderes chineses. Até Outubro os preços ao consumidor subiram 4.4%, o valor mais elevado nos últimos dois anos, verificando-se o impacte maior no sector alimentar. Os vegetais, por exemplo, encontram-se hoje mais caros cerca de 30% do que se encontravam há um ano.



Procurando explicações

As devastadoras enchentes do mês passado podem explicar os aumentos de preços pela escassez de fornecimentos. Igualmente a quebra das colheitas, a nível internacional, podem ter contribuído negativamente para a situação actual. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO, o custo das importações de alimentos no mundo pode ultrapassar este ano 1 trilião US$ , apenas 5 biliões menos do que o recorde de 2008.

Contudo, também a nível macroeconómico, existem algumas preocupações. Por exemplo, a banca chinesa parece poder vir a violar a quota de 7.5 triliões de yuans (cerca de 1.1. trilião US$), embora se venha a verificar pressão das autoridades em sentido contrário. Não espanta ninguém que mais dinheiro em circulação tenderá a favorecer aumento dos preços.



Que estão as autoridades a fazer para conter esta tendência?

O governo procura recorrer a medidas pouco habituais, mas que considera de eficácia imediata, como por exemplo: indexando a actualização dos subsídios de desemprego, pensões, e salários mínimos (na China os salários mínimos são estabelecidos por região), aos valores da inflação; redução das tarifas eléctricas, do gás, e dos transportes ferroviários para os fabricantes de fertilizantes; abastecimento suplementar de açúcar aos mercados.

Uma outra questão nesta área diz respeito ao aproveitamento que os comerciantes possam vir a fazer - se puderem vender mais caro, não facilitarão, por certo. E ainda há que prestar atenção a possíveis açambarcamentos, embora esta discussão ainda não se faça na praça pública.

Caso estas medidas não atinjam os resultados pretendidos, o governo poderá vir a intervir na distribuição de bens alimentares essenciais, como o arroz, a carne de porco, massas, e óleos, à semelhança do que fez em 2008.

Pelo menos numa coisa Lenine e Keynes concordam – nos efeitos da inflação. Lenine considerava-a como uma eficaz arma capaz de corroer o capitalismo. Keynes achava-a perniciosa para o capitalismo, porque desacreditava os empresários, e, consequentemente, o sistema. As autoridades chinesas não serão nem leninistas nem keynesianas, mas querem tirar partido do capitalismo, à sua maneira.



Como irão reagir os investidores estrangeiros?

Os números da inflação de 2010, e em particular os de Outubro, não vão ao encontro do que os investidores gostam de ouvir. O anúncio de que as autoridades estão a tomar medidas pouco habituais também não é um indicador animador. Várias fontes referem já que alguns investidores estarão a vender acções e commodities na expectativa dum significativo abrandamento do crescimento na China.

Conhecendo-se como os investidores internacionais são sensíveis a todos os indícios, é provável que estejam a exorbitar. Na realidade, a China está longe duma corrida galopante e generalizada dos preços, e mesmo que o crescimento venha a sentir alguma quebra, o mais certo é fixar-se à roda dos 7-8% anuais, na próxima década. Um valor ainda muito atractivo.

Onde se poderá vir a sentir maior alteração, poderá ser no sector da construção e venda de habitações. O acesso ao crédito nos últimos anos provocou uma corrida às hipotecas, e, por arraste, à construção de novas casas. Se se vierem a verificar restrições de monta nos créditos concedidos, poderá vir a revelar-se uma bolha no sector. As autoridades estarão atentas, por certo, ao que aconteceu nos USA, e estabelecerão medidas para que não aconteça o mesmo.

As mudanças na China processam-se a um ritmo tal que, no início do ano, o mais tardar, tudo o que aqui ficou dito, terá de ser revisitado.

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