sábado, 4 de setembro de 2010

Todo o Empreendedor É Apaixonado

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
Novembro de 2008

Os dicionários Inglês-Português traduzem habitualmente Entrepreneur por Empresário. Esta redutora visão de tão importante capacidade individual, configura a mesma miopia dos que consideram que ser Empreendedor é sinónimo de "aquele que é capaz de erigir o seu próprio negócioInsiro-me no grupo dos que pensam que ser empreendedor na construção duma carreira profissional por conta de outrem, constitui importante factor diferenciador e inequívoca vantagem competitiva.
Procurarei explicar porquê.
Ser empreendedor está na moda. A corrente que defende que ser empreendedor se mede pela capacidade de criar um negócio próprio parece ser tão dominante que poucos consideram que o emprendedorismo também possa estar associado a actividades por conta de outrem.
Eis algumas das principais razões porque considero que o espírito empreendedor é igualmente essencial a todos os que ambicionam construir uma carreira profissional excelente.

A paixão pelo negócio

O gestor excelente evidencia comportamentos diferenciadores:
 Identifica com realismo o seu negócio, aceita-o como ele é, e trata-o com respeito, gerando capital de confiança pessoal e para a organização.
 Motiva-se por visão inspiradora e comunica-a de forma convincente. A sua atitude é consistentemente positiva, encarando os obstáculos como desafios e os desvios como oportunidades de aprendizagem. É enérgico e transmite
entusiasmo contagiante.
 Adora vencer. Quando perde, reflecte sobre os erros cometidos e implementa medidas correctivas. Não se contenta em atingir as expectativas dos clientes, tenta superá-las.
 É professor, coach e mentor, conforme as circunstâncias. Gere pelo exemplo. Ele é o primeiro cumpridor do que advoga.
 Comunica de forma clara, com base nos valores e princípios da organização.
 Respeita os clientes como parceiros de negócio, orientando-se na perspectiva “ganho-ganhas”.

A paixão pelas pessoas

Para o gestor excelente os colaboradores são pessoas e não recursos:
 Alinha metas e expectativas individuais com os objectivos da organização. Distribui tarefas de acordo com as competências. Ínsita ao desenvolvimento pessoal e profissional.
 Define prioridades. Facilita a comunicação ascendente. Promove a discussão positiva de objectivos.
 Mantém clima e moral elevados.
 Celebra os êxitos individuais e grupais. Discute os desaires com
exigência e naturalidade.
 Cria e mantém espírito de equipa e orgulho pela participação no grupo. Transmite a ideia de que são os êxitos colectivos, e não as acções isoladas, que engrandecem o grupo.
 Investiga periodicamente o clima de satisfação, incentivando a proposta de sugestões.
 Instila sentimento, mantendo o diálogo aberto sobre “o que precisamos de ter” contra a ideia de “o que gostaríamos de ter”.
 Promove o “pensamento lateral” em complemento do “pensamento vertical” [1].
 Apoia os colaboradores na busca de novas oportunidades de carreira.

Estas listas de atributos, essenciais para quem queira aspirar a uma carreira de sucesso, mesmo não sendo exaustivas, perfilam os amantes da excelência. Insisto em considerar que não são exclusivas dos que se aventuram na criação duma empresa. Talvez nesta frase se encontre o epicentro da questão – a aventura – pois parece consensual que a dose mínima necessária de aventureirismo para liderar o projecto de criação de empresa própria seja mais elevada do que para desenvolvimento de carreira por conta de outrem.

A paixão pela aventura

Se, por outro lado, nos centrarmos nalguns comportamentos típicos da maioria dos criadores de empresas, depressa encontraremos vários domínios problemáticos. Será que as suas atitudes, inerentes à autonomia de que dispõem e à auto-estima que revelam, lhes permitirá superar a propensão para o erro? Vejamos algumas das suas características mais comuns:
 Tendem a ignorar as próprias debilidades, sobrevalorizando o que consideram ser os seus pontos fortes;
 Tendem a minimizar a preocupação com os outros;
 Acreditam no instinto e menosprezam a investigação;
 Subvalorizam a comunicação ascendente;
 Privilegiam o curto prazo;
 Não têm tempo para ouvir, mas adoram ouvir-se;
 Negligenciam os aspectos emocionais em favor dos racionais;
 Tendem para a valorização de imagem própria, parecendo esquecer amiúde a objectividade;
 Menosprezam a concorrência;
 Não planeiam, e detestam análises e explicações teóricas;

Esta curta listagem já contém defeitos que cheguem para justificar a
preocupação que referi. Se alguns deles podem subsistir protegidos pelo poder inerente à condição de proprietário da empresa, dificilmente conseguirão sobreviver numa carreira por conta de outrem.

A paixão por si próprio

Consideremos, agora, o impacte dos estilos mais comuns de actuação dos empreendedores. Para cada um, apresento dois comportamentos típicos no relacionamento com os clientes [2].

Estilo PASSIVO:
“Aguardo, então, que me contacte quando tiver decidido”
“Assim que puder enviar-lhe-ei documentação adicional sobre o assunto de que falámos”
Estilo AGRESSIVO:
“Se não decidir já, tenho de rever compromissos anteriores”
“Parece que estamos perante uma mútua perda de tempo”
Estilo ASSERTIVO:
“Quando pensa poder tomar uma decisão?”
“Que entraves o impedem de decidir?”

Creio que o leitor conhecerá indivíduos capazes de ilustrar os estereótipos referidos. De facto, assentam bem aos chamados empreendedores, quer por contra própria ou quer por conta de outrem.
Mas a questão mais relevante é que a maioria dos ditos empreendedores que conheço, são autodidactas (e desdenham qualquer tipo de formação), ao passo que quem trabalha por conta de outrem é alvo de educação formal de desenvolvimento pessoal e profissional. Por exemplo, na minha experiência como líder de profissionais de vendas, sempre considerei os estilos Passivo e
Agressivo como inadmissíveis, e o estilo Assertivo como o mais eficaz para atingir resultados e para criar relacionamento futuro.
Tenho muitas dúvidas que a Academia, somente suportada nos seus recursos internos – professores de carreira sem experiência empresarial – seja capaz de gerar as fornadas de empreendedores que os programas educacionais afirmam pretender produzir.

A síndrome do “EU IDEAL” [3]

Para finalizar, refiro-me a três síndromes muito característicos dos
empreendedores:

Síndrome do “SUPER-HERÓI”

Muitas vezes os empreendedores falham os objectivos, caindo de seguida em frustração. Contudo, estes desaires podem não ter a ver com o estabelecimento ou aceitação de metas irrealistas.
Grande parte das causas deriva da definição irrealista de expectativas que resultam de sobrevalorizados padrões de autoestima e auto-confiança.

Síndrome do “SUPER-VISIONÁRIO”

Nem sempre o que se julga ser uma boa ideia o é de facto. Mesmo quando o é, pode não implicar bons resultados concretos. Mas o empreendedor tem dificuldade em conviver com esta realidade.
Quando o que considera ser uma boa ideia não resulta, ele opta por atribuir responsabilidades a quem a implementou.

Síndrome do “NÃO-TRABALHADOR”

Ocorre quando alguém que trabalhou por conta de outrem e passou a empresário, se dá conta de que, afinal, tem agora mais trabalho do que tinha antes. Esta situação é muito frequente e revela que as razões da tomada de decisão se centraram mais no objecto do que nos valores – a nova ocupação não foi talhada respeitando valores e princípios de vida, mas tão só na expectativa de concretização de superiores metas materiais.

Ao jeito de conclusão:

 Pode, e deve, ser-se empreendedor tanto trabalhando por conta de outrem como em actividade própria.
 Não se deve tentar ser empresário se essa opção interferir com os valores e princípios próprios. No fundo, a verdadeira independência reside na liberdade de desenhar o nosso próprio projecto.
 Se ao tentar ser empreendedor falhar, não se recrimine. A questão pode não estar exclusivamente em si – pode derivar da forma como implementou a ideia.
 O trabalho é uma forte componente da vida. Interfere, inclusive, com o estatuto pessoal.

A paixão pelo trabalho é fundamental na busca do sucesso. Mas, atenção, a vida não se confina ao ambiente laboral. Não podemos permitir que a paixão se transforme numa doença profissional.

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NOTAS:

[1] Pensamento Vertical (directo e racional) e Pensamento Lateral (inovador e criativo) são conceitos introduzidos na linguagem dos negócios por Edward de Bono (2005): O Pensamento Lateral, Pergaminho.
[2] Entendido em sentido lato, clientes são todos os destinatários da nossa actividade, ou seja, os intervenientes seguintes na cadeia de valor
[3] Para melhor entendimento do Eu Ideal e do Eu Real ver Daniel Goleman, Richard Boyatzis, Annie Mckee (2003): Os Novos Líderes, Gradiva (2ª edição)

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