quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Os USA e a Crise Económica Mundial

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
01 Setembro de 2010

Os USA Estão em Declínio?

Apesar do despertar dos designados emergentes, o sistema capitalista em que vivemos continua a depender da locomotiva USA. Daí que, face à crise financeira e económica sem precedentes que estamos a viver desde Setembro de 2008, se coloque a questão crucial: Como irão os EUA ultrapassar este desafio?
A questão seguinte, e inevitável, é que implicações as opções dos USA acarretarão para o resto do mundo, pois do que se trata não é de resolver o problema americano, mas sim, de através da retoma do desenvolvimento, procurar colocar o mundo na senda dos benefícios daí resultantes – a dita sociedade do bem-estar de que tantos falam e muitos mais não conseguem encontrar uma definição capaz.
Entenda-se, neste contexto, portanto sem iniciar a busca de outro qualquer tipo de alternativas, que o desenvolvimento capitalista, tal como nos habituámos a vê-lo, é sinónimo de justiça, progresso, e bem-estar. E é preciso não esquecer que, nas últimas décadas, os EUA foram responsáveis por cerca de um terço do crescimento económico mundial.
Poderá perguntar-se se o mundo está condenado a viver no sistema capitalista tal como o conhecemos, mas deixaremos essa legítima e pertinente discussão para outra ocasião. Por agora centremo-nos nas hipóteses de saída da crise no actual contexto. Não questionando o sistema, portanto.
A crise é tão profunda que limita o raciocínio dos decisores. Não parece haver tempo para desenhar qualquer estratégia – é urgente actuar.
Esta atitude pode, por si só, esconder novas ameaças. Não há lugar para a estratégia? Até quando, e com que consequências, conseguiremos navegar à vista? E, na verdade, os EUA não evidenciam possuir qualquer estratégia económica. E estão em plena viragem política, parecendo correr atrás dos acontecimentos.
A prática da gestão ensinou-nos que as crises não se enfrentam com medidas pontuais, antes com planos estratégicos, portanto concertados e com visão de longo prazo. Trata-se de identificar o que se deve e pode fazer, e também o que não se deve nem pode fazer.

De que estávamos à espera?

De repente, o mundo pareceu esquecer os ex-inimigos orientais, mesmo que por vezes os intitulasse de “tigres de papel” [1], elegendo-os como parceiros estratégicos, e fazendo deslocar para a China e para a Índia, meios de produção excepcionais e conhecimentos até aí considerados críticos, por vezes confidenciais e no âmbito exclusivo da “segurança nacional”.
Os políticos auto-elogiaram as suas decisões, enquanto os trabalhadores e população em geral temiam pela estabilidade dos empregos, segurança das reformas, e decrescente acesso aos mais elementares cuidados de saúde. Ou seja, as populações viam finalmente a outra (ou será que é a única?) face da tão elogiada globalização.
Os USA continuaram, contudo, a ser a terra das oportunidades e do empreendedorismo. Em nenhum outro lugar do mundo se encara a mudança de emprego como nos USA, fruto das vantagens competitivas que os domínios tecnológico e científico, a par duma enraizada capacidade de inovação, permitem.
Mas o mundo está a mudar perante a complacência dos ditos países desenvolvidos. Enquanto os países emergentes apostavam na formação, na pesquisa e no desenvolvimento, nas práticas comerciais globais, na adesão às mais influentes instituições mundiais, o mundo ocidental continuava a acreditar num dinamismo sem paralelo, nos dotes de resiliência e… nas virtudes do sistema, que não se cansava de evidenciar fissuras que ninguém, no ocidente, parecia querer ver.
Na realidade, não se pode dizer que as outras nações ultrapassaram os USA, mas antes que estes descuraram as suas fraquezas, tornando-se cada vez mais virados para os resultados de curto prazo e para o individualismo. Sinais alarmantes não faltam – PanAm, ainda na década de 1980, ATT, Enrom, Accenture, a par das crises que quase destruíram a IBM, a GM, e outros colossos mundiais.
As corporações ocidentais descuraram o reinvestimento em ciência e tecnologia, privilegiaram o valor bolsista em relação à sustentabilidade, e o sistema, mesmo alertado para as ameaças evidentes, optou por não agir.
Quem trabalha ou trabalhou em multinacionais por certo que se apercebeu que os financeiros assumiram o controlo das empresas relegando as demais funções para papéis de execução controlada. As consequências estão à vista.

A retórica do mercado livre

Aparentes falhas na legislação anti-trust parecem estar a dificultar a concorrência, através de fusões e aquisições sem precedentes, hipocritamente em nome da liberdade de actuação do mercado. A insuficiente taxa de reinvestimento em ciência e tecnologia, resultante destas concentrações está a matar uma das maiores forças da América – o empreendedorismo. Que fazem os políticos federais? Praticamente nada. Observam, debatem, e pouco mais. A Europa parece seguir o exemplo.
A maioria das pessoas, em particular os americanos, julgam que os USA dominam em quase todos os indicadores de mercado, mas esta suposição não corresponde à realidade e parece tender para piorar [2].
Ironicamente, os USA estão a encaminhar-se para o que tanto têm criticado, nomeadamente na incapacidade para captação de fluxos de capital, no recurso a barreiras comerciais acrescidas, elevando os níveis de taxação, ou exagerando na protecção através de subsídios estatais.
Outros indicadores se apresentam como preocupantes. Por exemplo, os USA ocupavam em 30 Dezembro de 2008, o 12º lugar na classificação do ensino superior entre os 25 e os 34 anos [3]. Sintomático, não é?
Muitas esperanças foram depositadas em Obama, mas a complexidade das tarefas que ele terá de enfrentar não permite pensar em resultados de curto-prazo. Não se trata de soluções reformadoras e incrementais. É de fractura, de revolução, que estamos a falar. E sabe-se como a América detesta esta expressão.
Os americanos vão ser desafiados a demonstrar paciência e sapiência. Há que contar, contudo, com a constante pressão dos Republicanos.
Mas continuarão a dispor de preciosas vantagens – o seu poderio económico, o domínio tecnológico que ainda detêm, e, sobretudo, a sua incrível supremacia militar, continuarão a conferir-lhes enorme ascendente sobre os potenciais concorrentes.


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NOTAS:

[1] http://www.janelanaweb.com/vento/chinabrink.html
[2] http://www.weforum.org/pdf/GCR09/GCR20092010fullreport.pdf, pág. 321
[3] http://www.businessweek.com/magazine/content/08_45/b4107038217112.htm

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