domingo, 12 de setembro de 2010

SOFT SKILLS e AVALIAÇÃO, Revisitando Pareto

Por Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
12 Setembro de 2010


Lidar com pessoas exige competências específicas, cuja aprendizagem não se pode confinar aos ensinamentos técnicos recolhidos na escola do modelo tradicional. Já o afirmei neste espaço de reflexão, pelo que não cabe aqui nova explanação sobre o tema. [1] [2]
Sou igualmente fervoroso adepto da sistematização de processos que libertem tempo para actividades criativas e inovadoras, em oposição ao escrupuloso cumprimento de regras desconexas, quase sempre excessivamente burocráticas.
Este artigo focaliza-se na conciliação de algo bem racional, a regra de Pareto, com práticas relacionais, portanto comportamentais. A primeira incluo-a no domínio técnico-racional (Hard Skills), e as segundas no espaço qualitativo-emocional (Soft Skills).

Lei de Pareto? A que propósito?

Chamemos-lhe Lei, Regra, ou Princípio de Pareto. Marketers e gestores de vendas conhecem-na bem. Ela traduz a ideia de que 80% das consequências tem origem em 20% das causas.
Por exemplo, “dita” que 80% das receitas provêem de 20% do portefólio dos produtos vendáveis, ou que 80% dos encargos se devem a 20% das fontes de consumo de recursos. Há quem afirme que não se pode generalizar desta forma. Proponho-lhe por isso que proceda à análise de umas quantas áreas de actividade que conheça bem, em busca desta confirmação e que retire as suas próprias conclusões.
Experimente a confirmar se 80% das reclamações dos seus clientes se situam, ou não, em 20% dos produtos que lhes fornece. Ou se, 80% do volume dos seus negócios estão, ou não, sob a responsabilidade de 20% dos seus empregados. Ou se, os seus “melhores colaboradores” correspondem, ou não, a 20% do total dos seus empregados. Podia estender a ideia a outras áreas, mas creio que basta para introduzir a matéria.
A tentação é evidente: Será de esperar que os resultados da aplicação dos programas de avaliação de desempenho se distribuam de acordo com a Lei de Pareto?
Creio que a maioria dos empresários afirmará que a fatia mais importante dos seus negócios está sob a responsabilidade duma pequena parte dos seus colaboradores, Mas que parte corresponde a quê? A vinte por cento?

O activo mais importante das empresas

Quando se questiona um gestor acerca do que considera ser o factor crítico de diferenciação da sua empresa, capaz de constituir vantagem competitiva sustentável, é habitual recolher-se a seguinte resposta – os meus recursos humanos.
É bonito, é motivador, emite uma imagem bem positiva, é muitas vezes verdade, mas arrisca-se, por repetição, a soar como surdina (buzzword).
Pessoalmente, prefiro responder que são as pessoas e também os clientes [3]. Esta resposta ainda me impele mais à busca da correlação 80/20 quando da distribuição das classificações de desempenho dos colaboradores duma empresa.
Precise-se aqui esta afirmação, a fim de evitar equívocos – o que estou a dizer é que após a aplicação dos critérios e métricas apropriados não ficaria admirado se a regra 80/20 se verificasse. Irei até um pouco mais longe – se a distribuição 80/20 não for evidente, não se sentiria tentado a forçá-la, tão pouco duvidaria dos procedimentos empregues, mas não hesitaria em aproveitar os resultados para proceder ao estudo sobre a adequabilidade dos métodos e métricas à situação em causa.
Exagero? Não, simplesmente uma consequência de muitos anos de prática em Processos de Gestão de Desempenho e Procedimentos de Avaliação de Desempenho.

Talentos e Empecilhos

A captação, desenvolvimento, e retenção de talentos é uma preocupação permanente das empresas de sucesso. No entanto, os decisores cometem amiúde o erro crasso de esperar que os talentos sejam indivíduos com comportamentos absolutamente normais, a que acrescentam desempenhos excepcionais. Da minha experiência retiro a opinião contrária – em regra, os talentos são indivíduos que interiorizam atitudes superiores, baseadas em valores e princípios consistentes, e são elas que os conduzem aos comportamentos e resultados excepcionais que exteriorizam e atingem. Assim sendo, estabelecer aprioristicamente onde se situa a fronteira entre um talento e um criador de problemas pode não ser tarefa fácil, e o erro ocorre por efeito perverso que as primeiras impressões encerram.
O talento é normalmente um desalinhado, em geral um passo à frente dos outros. É entre eles que se encontram os futuros profissionais de excelência e os futuros líderes.
Esta dupla saída é essencial. Conheci demasiados casos de excelentes profissionais que, por via da “promoção” a chefe, resultaram em líderes inadaptados, confundidos, ineficazes. Um duplo prejuízo, portanto. Como se dizia nos corredores – “Perdeu-se um óptimo profissional, ganhou-se um mau manager”.
A identificação precoce das competências atitudinais das pessoas é crucial. Esta análise não exclui a pesquisa de competências técnicas, indispensáveis ao desempenho da função actual, mas é-lhe complementar na prospecção de resultados a atingir e futura carreira profissional, por ser bom preditor dos comportamentos futuros.

Ser justo implica reconhecer e avaliar as diferenças

É fundamental identificar quem são os talentos, os profissionais regulares, e os criadores de problemas (trouble makers). O leitor terá reparado na diferente semântica – atrás empecilhos, agora criadores de problemas. Foi intencional. O empecilho, ou mesmo o profissional que cumpre fora das condições previstas, ou não cumpre de todo, acaba por ser uma fonte de problemas, Ele pode nem se aperceber, mas acaba por se tornar num problema para si próprio e para a organização, e, por inerência, para os companheiros também.
Quando identificados, os talentos devem ser apoiados, desenvolvidos, e aliciados a não partirem, e os empecilhos devem ser chamados à razão na hora, testados noutras funções, ou deixar que abandonem em busca de ambientes diferentes.
É por isso que, sem posições dogmáticas, percebo tão bem os modelos de distribuição de avaliações que prevêem que os resultados finais globais não excedam 20 % nas franjas extremas das classificações totais. Por outras palavras, em circunstâncias normais, 80% das pessoas devem “cumprir” com os objectivos assumidos, e da forma que se espera.
Impõem-se três esclarecimentos:

1. Os objectivos foram estabelecidos segundo o princípio DREAM [4];
2. A curva de resultados de avaliação de desempenho será uma curva de Gauss, regular, ou seja, a média coincide com a mediana;
3. Que, como consequência de 2, os resultados excelentes e bons deverão rondar 10% da população total. Idênticos valores se deverão espera para os que não “cumpriram” com as expectativas.

Gestão de pessoas e gestão do próprio tempo

Por vezes diz-se que se gasta tempo com uns e se investe tempo com outros. O tempo empregue com os empecilhos cabe bem na primeira categoria. Tempo utilizado no apoio a talentos insere-se no conceito de investimento.
Uns e outros têm de perceber que o número de horas disponíveis para o expediente é fixo. Há por isso que o gerir bem, e a Lei de Pareto volta a ajudar.
Não arrisco aconselhar um horário fixo, mas ouso dizer que se todos os intervenientes perceberem qual é o critério de distribuição de tempos, todos terão a ganhar.
Sempre me dei bem com o seguinte esquema, obviamente flexível:

- Procurei que as tarefas atribuídas às pessoas que a mim se reportavam não ultrapassassem 80% do tempo de expediente, convidando-os a utilizarem os restantes 20% em actividades de estudo e desenvolvimento pessoal;
- Tentei disponibilizar para mim 20% do tempo de expediente, reservando-os para afazeres individuais, como formação e desenvolvimento, e atenção às questões dos elementos do grupo.

O leitor reparou como Pareto pareceu sempre intrometer-se nesta conversa?
Foi nessa certeza que iniciei este artigo.

_________________________________________


NOTAS:

[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/soft-skills-o-desafio-ganhar_3887.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/soft-skills-uma-tentativa-de-roteiro.html
[3] Jack Wech costuma dizer que “Não são as empresas que criam e mantêm postos de trabalho, são os clientes”.
[4] DREAM, é um acrónimo que significa que os objectivos devem ser: Datados, Realizáveis, Específicos, Ambiciosos, e Mensuráveis.

Sem comentários:

Enviar um comentário