quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

CHINA – Medidas contra a ameaça de inflação (2) - Na Casa e na Alimentação

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
22 Dezembro de 2010

Na China tudo tem enormes dimensões e acontece muito depressa. A 20 de Novembro, e com base nos indicadores que foram dados a conhecer pelas autoridades chinesas no mês anterior, questionei-me sobre os reais impactes que a inflação desregrada poderia trazer a este gigante durante tanto tempo adormecido. Terminei o artigo dizendo que o início de 2011 nos iria trazer importantes novidades neste domínio. Mal poderia imaginar que um dia após, teria de voltar ao tema face às medidas que o poder acabara de anunciar para tentar controlar a subida generalizada dos preços que ameaçavam desestabilizar a nação.

E aqui estou de novo, ainda antes do fecho de 2010, reflectindo sobre tão importante questão. Os dados mais recentes sobre o aumento das despesas domésticas confirmam as preocupações com o agravamento da situação.


As despesas fixas de Liu Qi

A versão em Inglês do diário Sina publicou há quase um ano – 21 de Janeiro de 2010 – um interessante artigo sobre o aumento de preços na China, recorrendo ao exemplo de Liu Qi, uma jovem de 29 anos empregada há oito numa empresa de publicidade em Pequim.

Naquela quinta-feira, Liu Qi gastara 80 yuans (11.7 US$, 9 €) no supermercado – metade em comida, metade em necessidades diárias. Esta jovem que dispunha de 6500 yuans mensais, supostamente já deduzidos de impostos, afirmou gastar mensalmente 1200 yuans em comida, 1300 em alojamento e despesas associadas, 1000 a jantar fora e diversões com amigos, 500 em roupa, e 200 em comunicações de telemóvel, sobrando-lhe assim 2300 yuans, o equivalente a 260 €. A sua principal preocupação consistia em como juntar dinheiro para comprar uma casa.


O preço das casas na China

Na Segunda Circular de Pequim, em 2009, o preço de venda das casas em segunda mão aumentara 43% e os alugueres 5% em média, segundo o artigo citado. Esta não será a regra no imenso e muito diversificado território chinês, mas é um exemplo real.

Desde Fevereiro de 2009 que os protestos populares por causa desta cavalgada de preços vinham preocupando as autoridades, que implementaram novas regras para o sistema bancário, quer pela via fiscal quer pelos empréstimos concedidos a este tipo de negócio. Os resultados não se fizeram esperar, e o efeito directo sobre a inflação já foi praticamente insignificante em Novembro. O aumento do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) deverá fixar-se entre 3 e 4% em 2010, ano sobre ano.

Contudo, as despesas de habitação incluem outras rubricas para além do aluguer ou da amortização, como a água, a electricidade, e os custos de manutenção. O National Bureau of Statistics (NBS) calcula assim a evolução do peso das despesas com a habitação no cabaz IPC – 9.7% em 2000, 13.2% em 2006, estimando 13.6% para 2010 (a rubrica custos de aquisição de habitação não faz parte do cabaz IPC).

Apesar da tradicional falta de informações oficiais na China, os analistas não oficiais calculam que as pessoas como Liu Qi gastem com a habitação cerca de 20% dos seus rendimentos, longe dos 13.6% referidos pelo NBS.


A evolução dos preços no mercado

Segundo o Xiong Peng, analista sénior do Bank of Communications (BOC), os preços dos alimentos subiram 5.3% em Dezembro de 2009, o que justificou um agravamento de 1.74% no IPC. Os alugueres da casa ao subirem 1.5% foram responsáveis pelo crescimento de 0.21% do IPC.

O governo tem, portanto, pela frente duas frentes de batalha prioritárias para travar a inflação – Imobiliário e Alimentação.

Ao impor o reforço das reservas bancárias para 18%, o governo pensa que as concessões de crédito passarão a ser mais rigorosas. Dito doutra forma, dificultarão as acções especulativas nos domínios imobiliário e commodities, apesar de se saber que este tipo de medidas não é do agrado dos investidores, podendo mesmo vir a originar alguma desaceleração no crescimento económico .

Consideram os economistas que foi o excesso de liquidez, associado a deficientes políticas monetárias nos últimos oito anos, que fomentaram a especulação e trouxeram a inflação para níveis indesejáveis. O aumento dos custos de produção e a política de juros negativos, encarregaram-se do resto.


Os receios dos investidores

Os investidores não gostam de medidas disciplinadoras. Temem-nas, e é isso que está a acontecer.

Quem investe antecipa-se, não espera para reagir. E, de facto, a maioria dos analistas prevê que as taxas de crescimento da ordem dos 12% não voltarão a verificar-se, embora se pense que poderão rondar 7 a 8% durante a próxima década, um valor ainda muito elevado, atendendo a que, quanto mais uma economia cresce, mais difícil será manter as taxas de crescimento.

Mas todos estão cientes que forçar o aumento das reservas financeiras dos bancos, subir os juros, e controlar alguns preços cruciais não é suficiente, nem estruturante.


A bolha imobiliária está escondida?

Há uns meses, correu a notícia, entretanto desmentida pelas empresas de energia, que poderiam existir 64.5 milhões de habitações não ocupadas . O fundamento de tal estimativa baseava-se no não consumo de electricidade nessas casas por seis meses consecutivos. A ser verdade, isto significaria duas coisas – oferta de habitação não correspondida para cerca de 200 milhões de pessoas (um número, de facto, impressionante), e, ou os preços estariam propositadamente inflacionados, ou desadequados face às reais capacidades dos potenciais compradores.

Será que os actuais proprietários estão a apostar no aumento da inflação, esperando por melhor altura para venderem os apartamentos? Mas, esta opção tende a provocar, ela mesma, uma espiral inflacionista. Se não venderem pelo preço que pretendem, poderão vir a alugá-los por rendas mais elevadas, influenciando assim negativamente o IPC.

Contudo, e comparando com situação semelhante noutros países – USA, Islândia, Irlanda, UK, Espanha, etc. - onde ocorreram bolhas imobiliárias com as nefastas consequências que se conhecem, os analistas apreçam-se a estabelecer a diferença: na China não existe o perigo de bolha imobiliária em preços, mas pode haver em quantidade.

A história tem mostrado, que quando estas bolhas crescem juntas, os efeitos podem ser devastadores. O exemplo do Sudoeste Asiático na década de 1990 e de Taiwan nos finais de 1980, ainda estão bem presentes. Bem como os efeitos da bolha de preços americana que desencadeou a actual crise económica global, que ainda parece longe de estar superada.

Uma crise chinesa neste domínio, nos tempos mais próximos, poderia ter consequências avassaladoras a nível global.


A habitação na China é, de facto, um caso diferente

Tem-se construído imenso na China nos últimos anos. Calcula-se (sempre a mesma carência de informações fidedignas), que se tenham construído perto de 60 milhões de apartamentos privados nos últimos 10 anos. Actualmente, crê-se que estejam em construção mais cerca de 20 milhões de habitações particulares, e que as administrações locais e governamentais estejam a construir outros 20 a 30 milhões.

Nos últimos anos, cerca de 1000 milhões de metros quadrados habitáveis foram reconstruídos, faltando ainda proceder de igual forma sobre os 9000 milhões que continuam em condições insustentáveis para vida digna.

Não são só as autoridades políticas que estão envolvidas neste gigantesco processo, mas também as empresas que constroem para os seus trabalhadores habitarem, como no passado. Apesar disso, calcula-se que cerca de 200 milhões de trabalhadores migrantes, deslocados do interior para as periferias dos grandes aglomerados industrias e urbanos, continuem a viver em dormitórios subterrâneos, geralmente uma só divisão sem janelas. Um expediente a que muitos jovens recorrem em início de carreira.


As novas habitações chinesas

Calcula-se que, em 2009, a venda de casas novas na China, tenha representado mais de 14% do PIB – uma cifra impressionante. Surpreendente, também, é a dimensão média per capita dos novos apartamentos na maioria das cidades - entre 28 a 30 metros quadrados. Este valor situa-se entre as posições 148 e 153 da lista de 355 cidades mundiais, superando por exemplo, Las Palmas, Nápoles, Varsóvia, São Peterburgo, Zagreb, Belgrado, Gdansk, ou Budapeste.

Mesmo que o valor estimativo de 64.5 milhões de apartamentos desocupados, esteja errado, e que só metade deles se encontre nessa situação, isso equivale a cerca de 20% de todos os domicílios urbanos. Num mercado em tão rápida mutação, e com tantos cidadãos a deslocarem-se para outras localizações, esta taxa não se pode considerar anormal.

A questão muda de figura, se esta oferta estiver, de facto, distante da procura efectiva, e desadequada para o cidadão comum.

Os governos locais, altamente endividados por força dos investimentos que fizeram para atrair capitais, precisam das receitas provenientes das trocas imobiliárias. Especula-se, pois não se conhecem dados oficiais, que os governos locais e regionais tenham, em média, receitas correspondentes a 20% das dívidas acumuladas. Se as receitas do imobiliário não entrarem, só há uma alternativa – reduzir despesas. E sabe-se como os políticos são avessos a este caminho.


A renovação política

Dentro de menos de dois anos, a China irá para eleições. Os actuais dirigentes políticos darão lugar a uma nova classe de quadros, cada vez mais distantes dos valores que conduziram Mao e o Partido Comunista ao poder em 1 de Outubro de 1949. Possuem cada vez mais mentalidade capitalista.

Pelo que ficou exposto, conclui-se que se exigem medidas estruturantes. Os dirigentes chineses, que já deram imensas provas de serem exímios planeadores, sabem que adiar soluções pode custar muito caro, incluindo contestação social ao regime, se a economia interromper o ritmo de crescimento das duas últimas décadas.

Mas todos sabemos, também, como os políticos são avessos a tomar medidas impopulares antes de eleições.

Alguns perigos se vislumbram no horizonte, portanto. E não só para a China.

O que lá vier a acontecer interessará ao mundo inteiro.

3 comentários:

  1. Vitor, o teu texto é bastante interessante e informativo. Merece-me apenas um reparo.
    A tua referência às eleições parece-me inadequada num país em que os dirigentes são decididos no interior do Partido Comunista e não através de voto popular no modelo ocidental.
    Assim sendo, pese embora o défice democrático, as tentações populistas em período eleitoral não têm o perfil a que estamos habituados no ocidente.

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  2. Obrigado pelo reparo, Fernando.
    Aqui fica o esclarecimento:
    Talvez não tenha sido claro o que pretendi dizer. Segundo as informações que possuo, existem "forças populares" e "forças militares" dentro do PC Chinês, sendo estas últimas as que estão mais próximas dos tradicionais ideais comunistas. Existe, portanto, a possibilidade latente de fraccionismo, principalmente, se vierem a ocorrer problemas com a economia, e se acontecerem constestações sociais violentas.
    Foi isso que não quis deixar passar em branco, sem contudo entrar em especulações sobre os meandros do PC Chinês.
    O que escrevo sobre a China são comentários baseados em informações que procuro cruzar o mais possível para evitar visões parciais.
    O meu interesse pela China não tem a ver com o fascínio pela grandeza das suas realizações, tão pouco com qualquer tipo de admiração pelo regime político Chinês. Fujo, aliás, de tecer comentários qualitativos sobre o "comunismo chinês".
    O que me interessa sobremaneira é imaginar como o que por lá se faz nos irá afecta a todos.

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  3. Obrigado Virgílio Vargas pelo alerta de não funcionamento dos links.
    Não sei, de facto, dizer o que se passou, mas após umas horitas de recuperação, já está tudo OK.
    Os leitores já podem, agora, confirmar as fontes onde fui procurarar a informação.
    Aqui ficam as devidas desculpas.

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