domingo, 31 de outubro de 2010

CHINA – o Monopólio de “Terras Raras”

Por: Vitor M. Trigo
vítor.trigo@gmail.com
31 Outubro de 2010


Antecedentes distantes e próximos

Os diferendos entre a China e o Japão são memoriais, mas ultrapassados estão os tempos em que o poderio militar japonês desbaratava as indefesas populações chinesas.
No rescaldo da Primeira Grande Guerra (IWW), o Japão sentiu-se prejudicado pelo Tratado de Versailles de 1919, que não lhe reconheceu as pretensões de “igualdade racial” (negado por britânicos e americanos) nem as “reivindicações territoriais” (contestadas pelos chineses), que almejavam por se considerarem como potência vencedora aliada. [1] Estas foram, aliás, apontadas como causas para o deflagrar da IIWW em 1939.
O diferendo entre China e Japão, embora só episodicamente armado, manteve-se latente durante o século XX, ganhando recentemente novos contornos com a ascensão da China ao segundo lugar das economias mundiais [2].
Os campos de batalha são múltiplos e a guerra politico-comercial está longe do fim. Um caso recente ocorreu com a colisão dum pesqueiro chinês, não com um mas com dois navios da armada japonesa (sintomático, não?), que foi explorado pelas duas potências para o que parecia ser o limite do razoável, mais parecendo retornar às disputas do início do século XX. Mas não, tudo tinha a sua lógica, e em causa estavam a disputa dos dois estados pelas matérias-primas, em zona marítima muito rica e por explorar, controladas pelo Japão e reclamadas pela China. [3]
Entre as medidas de retaliação que os chineses tomaram releva a interrupção de exportação de “Terras Raras”, abundantes na China, que são cruciais para a indústria de alta tecnologia japonesa.

O que são “Terras Raras”

Denomina-se por “Terras Raras” (Rare Earth Minerals) um conjunto de 17 minerais, da família dos lantanídeos, que são cruciais para a produção de praticamente todos os produtos de alta tecnologia, como computadores, painéis solares, turbinas eólicas, automóveis híbridos, e mísseis teleguiados.
Nos finais dos anos 1940, a maior parte da extracção de “Terras Raras” ocorria na índia e no Brasil. A partir da década de 1950, com a descoberta de importantes reservas na África do Sul, a produção descentralizou-se. Porém, tudo se alterou com a produção chinesa em larga escala, tornando todas as outras explorações inviáveis sob o ponto de vista económico. Hoje a China representa cerca de 95% dos depósitos de “Terras Raras” mundiais. [4]
A designação “Terras Raras” é comercial e não tem suporte científico sustentável, dado que existem na Terra em quantidades superiores à prata por exemplo. Quatro destes elementos mais comuns (Ítrio, Lantânio, Cério e Neodímio) estão disponíveis em maior volume do que, por exemplo, o chumbo. Contudo, o facto de não se encontrarem separados na natureza ajuda a justificar o nome porque são conhecidos.

Restrições à exportação de “Terras Raras”

A China é membro de pleno direito da OMC – Organização Mundial de Comércio – desde Dezembro de 2001. Ao aderir a esta organização, a China passou a ter de respeitar as suas regras tendentes ao comércio livre. Restrições à exportação não podem ser aceites e não o estão a ser. De facto, segundo as regras, a iniciativa chinesa de restringir exportações consubstancia uma violação grave do instituído. As nações comercialmente mais importantes começam a ficar impacientes. [5]

Que alternativas?

Os USA já decidiram reabrir as suas reservas, entretanto abandonadas por serem demasiadamente onerosas face aos preços praticados pelos chineses. Exemplo desta orientação é o projecto de reactivação dos depósitos californianos de Mountain Pass, praticamente parados desde 2005, conforme referido em Relatórios da Popular Science, Março de 2010 [6].
Os japoneses, limitados pela geografia e pressionados pelo peso da sua economia high-tech, procuram desesperadamente outras fontes. Exemplo disso é o interesse que, segundo a Reuters, a Toyota está a mostrar por um território junto ao Lago Thor, no Canadá, onde este fabricante de híbridos, em especial o modelo Prius, do qual espera vender em 2010 180,000 veículos só nos USA. [7]
Naturalmente, também a UE se manifesta preocupada com estas restrições e exclusiva dependência, e em particular a Alemanha. Segundo o New York Times de 22 Outubro de 2010, a Alemanha prepara-se mesmo para colocar a questão na próxima reunião do G20. Este país acusa a China de pressionar para maiores investimentos na China a quem quiser ter acesso a “Terras Raras”. No mesmo artigo, o jornal dá entretanto conta de recentes transferências de “Terras Raras” para os USA e UE. O embargo ao Japão parece, contudo, continuar. [8]

Outros cenários, outras estórias mal contadas

Vale a pena consultar um interessante artigo publicado pela IBM, patrocinadora da iniciativa SmartPlanet, intitulado “Afghanistan: the ‘Saudi Arabia’ of lithium?” [9]. Dele cito, sem comentar:
• Geólogos norte-americanos descobriram enormes depósitos minerais (possivelmente 1 trilião de US$) em todo o Afeganistão, segundo o New York Times
• Quanto ao lítio, um metal importante usado em baterias de carro e computador híbrido (…) tem uma estimativa de 5,4 milhões de toneladas
No mesmo sítio, SmartPlanet da IBM, pode ler-se sob o título “The US is sitting on a rare earth stockpile” [10]:
• De acordo com um novo relatório dos USA Geological Survey, os USA estão sentados sobre grandes reservas inexploradas (de “Terras Raras”) que poderiam servir como protecção contra uma escassez iminente
• A China indicou que pode parar a exportação de “Terras Raras” nos próximos 5 a 10 anos, por causa da procura interna
• Segundo estimativas do USGS, os USA detêm reservas de minério de terras raras que podem chegar a 13 milhões de toneladas (em 2009, em todo o mundo produziram-se 124 mil toneladas)
A política, e a sua componente militar, têm realmente muito para explicar acerca das questões económicas, mas raramente estão dispostas a fazê-lo.

Ao jeito duma típica conclusão norte-americana

Alexis Madrigal é editor sénior da TheAtlantic.com. e escreveu em 23 Setembro de 2010 sobre a questão China e “Terras Raras”, entre várias coisas interessantes, o seguinte [11]:
• Preocupados com o monopólio da China em elementos raros? Reiniciem a produção americana (título do artigo)
• Até a indústria de defesa americana depende de elementos “Terras Raras” chineses, de acordo com um relatório do Government Accountability Office de 2010
• “Eu acho que os políticos e as mentes financeiras americanas parecem ignorar completamente o que é fabricação ou exploração mineira. Eles só pensam que o dinheiro resolve todos os problemas”, citando Jack Lifton um reconhecido consultor de indústria extractivas
• “Nós realmente nos USA somos tolos. Desactivámos uma indústria que é estratégica e crítica, em nome do baixo custo. Agora estamos surpreendidos (…) Eu não estou surpreendido, nem ninguém o está na China”, novamente citando Jack Lifton

Ils sont fous, ces Romans… diria Asterix.  

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NOTAS:

[1] http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Paris_Peace_Conference,_1919
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-segunda-economia-mundial.html
[3] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-japao-o-equilibrio-instavel_27.html
[4] http://www.worldlingo.com/ma/enwiki/pt/Rare_earth_element
[5] http://www.voanews.com/english/news/asia/Lack-of-Rare-Earth-Could-Cause-Major-Problems-103898893.html
[6] http://www.popsci.com/technology/article/2010-03/shortage-rare-earth-minerals-may-cripple-us-high-tech-scientists-warn-congress
[7] http://www.allcarselectric.com/blog/1034759_al-gore-versus-the-rare-earth-metals
[8] http://www.nytimes.com/2010/10/22/business/energy-environment/22iht-rare.html
[9] http://www.smartplanet.com/business/blog/intelligent-energy/afghanistan-the-saudi-arabia-of-lithium/1549/
[10] http://www.smartplanet.com/business/blog/smart-takes/us-sitting-on-rare-earth-stockpile-says-usgs-report-hedge-against-looming-tech-shortage/4873/?tag=content;col1
[11] http://www.theatlantic.com/technology/archive/2010/09/worried-about-chinas-monopoly-on-rare-elements-restart-american-production/63444/

4 comentários:

  1. Vitor, fazes uma revisão da matéria plena de utilidade. Este tema andou escondido até há bem pouco tempo.
    A primeira conclusão que se pode tirar é que os chineses planeiam a longo prazo e com grande sentido estratégico.
    Também se pode concluir que, ao contrário do que vulgarmente se pensa, aqueles que detêm o poder económico global (EUA) nem sempre tomam as decisões que de um ponto de vista egoísta seriam recomendáveis.
    O jogo é demasiado complexo e, por vezes, os concorrentes têm vantagens insuperáveis (centralização e visão das decisões e capacidade para executar com custos imbatíveis).

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  2. Mais uma coisinha.
    A tua descrição dos diferendos entre a China e o Japão é muito benévola (para o Japão).
    O massacre de Nanquim é ainda hoje algo muito sentido pelos chineses, como tive oportunidade de constatar nas minhas relações pessoais.
    Eis que diz a Wikipédia sobre o assunto:

    O Massacre de Nanquim (Nanjing, em chinês), comumente conhecido como o Estupro de Nanquim, foi um crime de guerra genocida cometido pelo exército imperial japonês em Nanquim, então a capital da República da China, após a cidade ter sucumbido ao ataque japonês no dia 13 de dezembro de 1937.

    De acordo com o Tribunal militar internacional para o Extremo Oriente, "estimativas feitas em uma data posterior indicam que o número total de civis e prisioneiros de guerra assassinados em Nanquim e em suas proximidades durante as primeiras seis semanas de ocupação japonesa foi de mais de 200.000.

    Sabe-se que as estimativas não são exageradas pelo fato de que diversas sociedades que prestavam serviços como enterros e outras organizações contaram mais de 155.000 corpos. A maioria deles, relatou-se, estavam com as mãos amarradas atrás de suas costas. Estes números não levam em conta os corpos que foram destruídos pelos incêndios, jogados no Rio Yang-Tsé, ou eliminados de outra maneira pelos japoneses. (fim de citação)

    Que eu saiba a China nunca invadiu militarmente o território japonês.

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  3. Sim, sim, Fernando, como tenho dito várias vezes as diversas estratégias chinesas são surpreendentes. E como o conceito diz - as estratégias só fazem sentido a prazo.
    Como dizias no teu post, e eu resolvi não repetir, esta questão das "Terras Raras" nasceu com Deng Xiao Ping, e pode agora ver-se como é crucial para a China e para o mundo.
    Obrigado pelo teu comentário.

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  4. Tens toda a razão, Fernando.

    Embora eu tente não tomar partido nestas análises, é quase impossível consegui-lo.

    A História mostra, sem dúvida nenhuma, inúmeros ataques do Japão à China, quase sempre vitoriosos. Sem qualquer intenção racista, as culturas militares orientais são implacáveis, sangrentas, demolidoras. A história destes ataques é, de facto, uma autentica barbárie. Eu não me refiro a ela porque não acho que acrescente valor ao que pretendo abordar nestes artigos.

    Quanto à China nunca ter invadido o Japão, encontro entre outras razões:
    - Nunca precisou nem de território nem de matérias-primas (que o Japão não tem);
    - As forças armadas chinesas sempre foram mal apetrechadas, mal diridas e atomizadas.

    Já não estou tão seguro que, no futuro, tal não possa vir a acontecer. A China não poderá aceitar eternamente que o Japaõa e os USA controlem os mares de que precisa para se tornar, de facto, uma super-potência.

    Estou a preparar, com muito cuidado, um artigo sobre este tema específico. Será, claro, uma previsão de tendências político-economico-militares que, infelizmente já não irei, por certo, ter oportunidade de confirmar. Mas, para explicar o que penso, e face à complexidade das relações, terei de incluir o futuro da Europa, da Rússia, dos USA e da América do Sul. Já compilei muitas coisas, algumas polémicas reconheço, mas que penso fazerem sentido.

    Ficarei, depois, à espera dos teus comentários.

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