quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

CHINA – Medidas contra a ameaça de inflação (2) - Na Casa e na Alimentação

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
22 Dezembro de 2010

Na China tudo tem enormes dimensões e acontece muito depressa. A 20 de Novembro, e com base nos indicadores que foram dados a conhecer pelas autoridades chinesas no mês anterior, questionei-me sobre os reais impactes que a inflação desregrada poderia trazer a este gigante durante tanto tempo adormecido. Terminei o artigo dizendo que o início de 2011 nos iria trazer importantes novidades neste domínio. Mal poderia imaginar que um dia após, teria de voltar ao tema face às medidas que o poder acabara de anunciar para tentar controlar a subida generalizada dos preços que ameaçavam desestabilizar a nação.

E aqui estou de novo, ainda antes do fecho de 2010, reflectindo sobre tão importante questão. Os dados mais recentes sobre o aumento das despesas domésticas confirmam as preocupações com o agravamento da situação.


As despesas fixas de Liu Qi

A versão em Inglês do diário Sina publicou há quase um ano – 21 de Janeiro de 2010 – um interessante artigo sobre o aumento de preços na China, recorrendo ao exemplo de Liu Qi, uma jovem de 29 anos empregada há oito numa empresa de publicidade em Pequim.

Naquela quinta-feira, Liu Qi gastara 80 yuans (11.7 US$, 9 €) no supermercado – metade em comida, metade em necessidades diárias. Esta jovem que dispunha de 6500 yuans mensais, supostamente já deduzidos de impostos, afirmou gastar mensalmente 1200 yuans em comida, 1300 em alojamento e despesas associadas, 1000 a jantar fora e diversões com amigos, 500 em roupa, e 200 em comunicações de telemóvel, sobrando-lhe assim 2300 yuans, o equivalente a 260 €. A sua principal preocupação consistia em como juntar dinheiro para comprar uma casa.


O preço das casas na China

Na Segunda Circular de Pequim, em 2009, o preço de venda das casas em segunda mão aumentara 43% e os alugueres 5% em média, segundo o artigo citado. Esta não será a regra no imenso e muito diversificado território chinês, mas é um exemplo real.

Desde Fevereiro de 2009 que os protestos populares por causa desta cavalgada de preços vinham preocupando as autoridades, que implementaram novas regras para o sistema bancário, quer pela via fiscal quer pelos empréstimos concedidos a este tipo de negócio. Os resultados não se fizeram esperar, e o efeito directo sobre a inflação já foi praticamente insignificante em Novembro. O aumento do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) deverá fixar-se entre 3 e 4% em 2010, ano sobre ano.

Contudo, as despesas de habitação incluem outras rubricas para além do aluguer ou da amortização, como a água, a electricidade, e os custos de manutenção. O National Bureau of Statistics (NBS) calcula assim a evolução do peso das despesas com a habitação no cabaz IPC – 9.7% em 2000, 13.2% em 2006, estimando 13.6% para 2010 (a rubrica custos de aquisição de habitação não faz parte do cabaz IPC).

Apesar da tradicional falta de informações oficiais na China, os analistas não oficiais calculam que as pessoas como Liu Qi gastem com a habitação cerca de 20% dos seus rendimentos, longe dos 13.6% referidos pelo NBS.


A evolução dos preços no mercado

Segundo o Xiong Peng, analista sénior do Bank of Communications (BOC), os preços dos alimentos subiram 5.3% em Dezembro de 2009, o que justificou um agravamento de 1.74% no IPC. Os alugueres da casa ao subirem 1.5% foram responsáveis pelo crescimento de 0.21% do IPC.

O governo tem, portanto, pela frente duas frentes de batalha prioritárias para travar a inflação – Imobiliário e Alimentação.

Ao impor o reforço das reservas bancárias para 18%, o governo pensa que as concessões de crédito passarão a ser mais rigorosas. Dito doutra forma, dificultarão as acções especulativas nos domínios imobiliário e commodities, apesar de se saber que este tipo de medidas não é do agrado dos investidores, podendo mesmo vir a originar alguma desaceleração no crescimento económico .

Consideram os economistas que foi o excesso de liquidez, associado a deficientes políticas monetárias nos últimos oito anos, que fomentaram a especulação e trouxeram a inflação para níveis indesejáveis. O aumento dos custos de produção e a política de juros negativos, encarregaram-se do resto.


Os receios dos investidores

Os investidores não gostam de medidas disciplinadoras. Temem-nas, e é isso que está a acontecer.

Quem investe antecipa-se, não espera para reagir. E, de facto, a maioria dos analistas prevê que as taxas de crescimento da ordem dos 12% não voltarão a verificar-se, embora se pense que poderão rondar 7 a 8% durante a próxima década, um valor ainda muito elevado, atendendo a que, quanto mais uma economia cresce, mais difícil será manter as taxas de crescimento.

Mas todos estão cientes que forçar o aumento das reservas financeiras dos bancos, subir os juros, e controlar alguns preços cruciais não é suficiente, nem estruturante.


A bolha imobiliária está escondida?

Há uns meses, correu a notícia, entretanto desmentida pelas empresas de energia, que poderiam existir 64.5 milhões de habitações não ocupadas . O fundamento de tal estimativa baseava-se no não consumo de electricidade nessas casas por seis meses consecutivos. A ser verdade, isto significaria duas coisas – oferta de habitação não correspondida para cerca de 200 milhões de pessoas (um número, de facto, impressionante), e, ou os preços estariam propositadamente inflacionados, ou desadequados face às reais capacidades dos potenciais compradores.

Será que os actuais proprietários estão a apostar no aumento da inflação, esperando por melhor altura para venderem os apartamentos? Mas, esta opção tende a provocar, ela mesma, uma espiral inflacionista. Se não venderem pelo preço que pretendem, poderão vir a alugá-los por rendas mais elevadas, influenciando assim negativamente o IPC.

Contudo, e comparando com situação semelhante noutros países – USA, Islândia, Irlanda, UK, Espanha, etc. - onde ocorreram bolhas imobiliárias com as nefastas consequências que se conhecem, os analistas apreçam-se a estabelecer a diferença: na China não existe o perigo de bolha imobiliária em preços, mas pode haver em quantidade.

A história tem mostrado, que quando estas bolhas crescem juntas, os efeitos podem ser devastadores. O exemplo do Sudoeste Asiático na década de 1990 e de Taiwan nos finais de 1980, ainda estão bem presentes. Bem como os efeitos da bolha de preços americana que desencadeou a actual crise económica global, que ainda parece longe de estar superada.

Uma crise chinesa neste domínio, nos tempos mais próximos, poderia ter consequências avassaladoras a nível global.


A habitação na China é, de facto, um caso diferente

Tem-se construído imenso na China nos últimos anos. Calcula-se (sempre a mesma carência de informações fidedignas), que se tenham construído perto de 60 milhões de apartamentos privados nos últimos 10 anos. Actualmente, crê-se que estejam em construção mais cerca de 20 milhões de habitações particulares, e que as administrações locais e governamentais estejam a construir outros 20 a 30 milhões.

Nos últimos anos, cerca de 1000 milhões de metros quadrados habitáveis foram reconstruídos, faltando ainda proceder de igual forma sobre os 9000 milhões que continuam em condições insustentáveis para vida digna.

Não são só as autoridades políticas que estão envolvidas neste gigantesco processo, mas também as empresas que constroem para os seus trabalhadores habitarem, como no passado. Apesar disso, calcula-se que cerca de 200 milhões de trabalhadores migrantes, deslocados do interior para as periferias dos grandes aglomerados industrias e urbanos, continuem a viver em dormitórios subterrâneos, geralmente uma só divisão sem janelas. Um expediente a que muitos jovens recorrem em início de carreira.


As novas habitações chinesas

Calcula-se que, em 2009, a venda de casas novas na China, tenha representado mais de 14% do PIB – uma cifra impressionante. Surpreendente, também, é a dimensão média per capita dos novos apartamentos na maioria das cidades - entre 28 a 30 metros quadrados. Este valor situa-se entre as posições 148 e 153 da lista de 355 cidades mundiais, superando por exemplo, Las Palmas, Nápoles, Varsóvia, São Peterburgo, Zagreb, Belgrado, Gdansk, ou Budapeste.

Mesmo que o valor estimativo de 64.5 milhões de apartamentos desocupados, esteja errado, e que só metade deles se encontre nessa situação, isso equivale a cerca de 20% de todos os domicílios urbanos. Num mercado em tão rápida mutação, e com tantos cidadãos a deslocarem-se para outras localizações, esta taxa não se pode considerar anormal.

A questão muda de figura, se esta oferta estiver, de facto, distante da procura efectiva, e desadequada para o cidadão comum.

Os governos locais, altamente endividados por força dos investimentos que fizeram para atrair capitais, precisam das receitas provenientes das trocas imobiliárias. Especula-se, pois não se conhecem dados oficiais, que os governos locais e regionais tenham, em média, receitas correspondentes a 20% das dívidas acumuladas. Se as receitas do imobiliário não entrarem, só há uma alternativa – reduzir despesas. E sabe-se como os políticos são avessos a este caminho.


A renovação política

Dentro de menos de dois anos, a China irá para eleições. Os actuais dirigentes políticos darão lugar a uma nova classe de quadros, cada vez mais distantes dos valores que conduziram Mao e o Partido Comunista ao poder em 1 de Outubro de 1949. Possuem cada vez mais mentalidade capitalista.

Pelo que ficou exposto, conclui-se que se exigem medidas estruturantes. Os dirigentes chineses, que já deram imensas provas de serem exímios planeadores, sabem que adiar soluções pode custar muito caro, incluindo contestação social ao regime, se a economia interromper o ritmo de crescimento das duas últimas décadas.

Mas todos sabemos, também, como os políticos são avessos a tomar medidas impopulares antes de eleições.

Alguns perigos se vislumbram no horizonte, portanto. E não só para a China.

O que lá vier a acontecer interessará ao mundo inteiro.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Crise é dos periféricos? Do Euro? Ou do Projecto EU? (2 de 2)

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
05 Dezembro de 2010

(continuação do mesmo título, em 1 de 2)

Em Maio deste ano, quando a EU anunciou a criação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), já havia decorrido mais de ano e meio sobre o início da crise. Os políticos europeus, que se haviam escandalosamente atrasado na tomada das medidas que lhes competiam, apressaram-se então a informar que a reserva que estavam a anunciar era de carácter psicológico, pois não previam que houvesse necessidade desta vir a ser de facto utilizada.

Mas não foi isso que aconteceu. Em 21 de Novembro passado, a Irlanda cedeu às pressões dos companheiros europeus, nomeadamente da Alemanha, e acabou por pedir ajuda de emergência no valor de 85 mil milhões €, iniciativa que, de forma insistente, vinha negando como possível.

A EU, com esta nova medida, do mesmo estilo da que utilizara no caso grego, parecia dar mostras de desconhecer outra reacção às debilidades dos países em dificuldade, senão a injecção de dinheiro que pudesse protelar a questão, e acalmar os “mercados”.


A eventualidade de um periférico vir a abandonar o Euro

A EU parece não dispor de nenhuma solução sustentável para o caso de algum país periférico decidir abandonar o Euro, ou a isso for forçado. Um acontecimento deste tipo originaria, por certo, uma corrida imediata dos investidores aos sistema bancário desse país, provocando o seu inevitável colapso financeiro, que, por sua vez, lançaria inevitáveis e imprevisíveis ondas de choque por toda a zona euro. O mundo que ainda não esqueceu o que aconteceu com o Lehman Brothers em 2008, teme a repetição.

Preocupada, a EU anunciou uma alternativa, esperando evitar o contágio dos fenómenos Grécia e Irlanda a outros países em dificuldade, procurando serenar os “mercados”, e, dessa forma, provocar a descida nas taxas de juro dos países em crise mais evidente. Assim nasceu o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM), cuja data efectiva de disponibilidade está prevista para 2013.


O que é o ESM

O ESM é um pacote de opções, anunciadas como flexíveis, a que os países em crise pelo excesso de dívida podem recorrer. A grande novidade do ESM é que, em situação de emergência, os países excessivamente endividados, podem ver parte dos seus débitos anulados, sendo esse custo compartilhado pelos credores – privados, bancos e fundos de investimento. Esta foi uma importante batalha ganha, há uma semana atrás, embora com dificuldade, pela chanceler Angela Merkel, em Conselho de Ministros das Finanças.

Destacando, de forma resumida, o que de novo aporta a filosofia ESM:

Se a crise for de carência de liquidez no curto prazo, a solução preferencial deverá continuar a ser o resgate via BCE/FMI. Neste caso, os credores deverão, após negociação, aceitar protelamentos nos pagamentos. O país em crise de liquidez seria assim aliviado da pressão imediata, ganhando tempo para recuperar.

No caso da crise ser estrutural, ou seja quando o país mostrar incapacidade para cumprir as suas obrigações, então deverá ser convocada uma assembleia de credores que terá competência para, através de maioria qualificada, aprovar o reescalonamento da dívida, admitindo-se a possibilidade de dispensa de pagamento de juros, à semelhança do que em Wall Street se designa por “corte de cabelo” (”Haircut”).

Apesar deste anúncio ter sido muito elogiado pela Alemanha, os “mercados” continuaram intranquilos, pois o acordo só se aplicará a títulos emitidos a partir de Junho de 2013. Mesmo que as taxas de juro venham a recuar, será praticamente impossível que regressem a valores anteriores à crise. Solução para o futuro não resolve a crise actual, parece ser a ideia dos “mercados”.


Portanto, e até 2013…

Se algum país deixar de ser capaz de pagar as suas dívidas, a solução que resta à EU é continuar a apoiar esse país. Se assim não acontecer, só haverá um caminho - solicitar uma renegociação.

Ora, sabe-se como os bancos evitam reescalonar dívidas. Mostraram-no em 1989 no Japão, em 2008 na sequência do Setembro Negro, nos USA (ver ”From Economic Crisis to Debt Crisis?”), e tudo indica que não venham a alterar esta posição.

De facto, se os bancos renunciassem a parte das dívidas, isso equivaleria à desvalorização dos títulos do país em causa, o que afectaria os capitais próprios desses bancos credores, situação que eles alegam não estar em condições de suportar.

Apesar disto, alguns analistas conseguem ver mérito nestas novas disposições, reconhecendo-lhe vantagens evidentes no longo prazo, ao nível da disciplina orçamental. Mas, as soluções no curto prazo, à custa de ”Haircut” nos bancos TBTF não parecem, como vimos, estar à vista.


Vários cenários se colocam:

1. Portugal, pressionado por diferentes influenciadores, é obrigado a solicitar ajuda de emergência do FEED.

Um desses influenciadores, a agência de rating S&P alertou, esta semana, que tinha colocado o país sob vigilância negativa, e que podia vir a baixar as cotações da República e da banca até Março de 2011. Outro indício destas pressões ocorrerá na sessão de amanhã dos Ministros das Finanças em Bruxelas, cuja agenda contempla a análise das saídas possíveis para Portugal evitar o contágio da Grécia e da Irlanda (”Eurogrupo discute amanhã situação de Portugal”).

Na realidade, Portugal, pela sua dimensão, não preocupa tanto a EU como a Espanha, o maior dos PIGS. Por vezes até parece que a EU preferia que Portugal caísse rapidamente nas mãos do FEEF, pois tal permitiria passar a mensagem de que a crise ficaria estancada com este episódio, preservando a Espanha (12% da economia europeia), e o grupo duro. Recorde-se que, dos 750 mil milhões do FEEF, apenas 85 mil milhões (que poderão alcançar 100 mil milhões) foram resgatados, dado que os 110 mil milhões da Grécia constituem pacote à parte.

A EU conseguiria, desta forma, com apoio reforçado do BCE, continuando a comprar dívidas soberanas, segurar a crise até 2013, data da entrada em vigor do ESM.

2. A Espanha não resistindo às pressões externas solicita ajuda ao FEEF.

Portugal cairia por arrasto, a EU não consegue responder, pois o que resta dos 750 mil milhões será manifestamente insuficiente, e os PIGS não teriam alternativa senão abandonarem o Euro. Neste caso, estes países tornar-se-iam vítimas de enormes fugas de capitais como reacção às duríssimas políticas fiscais que teriam de adoptar, que resultariam em significativa perda de produtividade de toda esta zona. Em 2013, provavelmente, nenhum dos PIGS iria cumprir o limite deficitário de 3% do PIB, o que resultaria em acrescidas dificuldades de acesso a financiamentos externos, e, claro, novo ciclo de políticas fiscais ainda mais violentas. Origens e efeitos confundir-se-iam numa espiral difícil de estancar.

Que aconteceria, de imediato? Reavaliação dos acordos de adesão ao euro e à livre circulação de capitais, o que aprofundaria ainda mais a crise. Note-se que voltar às moedas nacionais, obrigaria à reavaliação das dívidas em euros, convertendo-as em moedas nacionais entretanto desvalorizadas. Os próprios bancos nacionais correriam sérios riscos de insolvência. E se os governos decidissem apoiar os bancos, provavelmente iriam incorrer em incapacidade de pagamentos das suas próprias dívidas. Um cenário muito preocupante.

Há, contudo, analistas que recordam como a ”Argentina na década de 1990” e a ”Inglaterra ao abandonar o ERM em 1992” conseguiram superar situações muito difíceis, considerando que a solução de abandono dos PIGS (quantos e quais?) do euro poderá não ser tão catastrófica quanto possa parecer. Mas não nos devemos esquecer, acima de tudo, que a maioria dos economistas comenta melhor do que prevê ou recomenda.

A saída dos PIGS do Euro, apesar das consequências atrás enunciadas, pode ter um lado positivo, embora que débil – a desvalorização da moeda e o abaixamento dos salários, contribuiria para o aumento da competitividade exportadora da zona, incluindo para os outros países da EU. E a crise social? Quem a iria resolver?

Se tal se viesse a revelar como forma de ultrapassar a crise, como iria reagir a Itália? Ficava no Euro, ou abandonava-o? E se a Itália partisse, como iria a França sentir-se entre os países fracos e o núcleo duro? Então, se a França viesse a sair do Euro, a Zona Euro não teria hipóteses de sobrevivência, e definharia. Com ela, porventura, morreria o próprio projecto EU.


3. E se fosse a Alemanha a decidir unilateralmente voltar ao Marco?

Não é de todo impossível. O grande projecto alemão de reunificação da Alemanha, na opinião dos políticos alemães da época, dependia do sucesso do lançamento do Euro. Ora, a Alemanha já está reunificada, tendo pago, financeira e politicamente, um elevado preço por isso, não sendo dado adquirido que os actuais dirigentes políticos pensem sobre o Euro o que os seus antecessores pensavam. Aliás, os jornais, já deram conta duma acesa discussão entre Angela Merkel e George Papandreou sobre a possibilidade da Alemanha vir a abandonar o Euro (27 de Outubro de 2010).

Os políticos alemães actuais, governo e oposições, parecem acreditar que a Alemanha seria mais forte se estivesse fora do Euro. Esta crença pode ser determinante na opção que o país vier a tomar. Certo é que os contribuintes alemães não querem continuar a pagar pelo que consideram ser desvarios dos europeus não-alemães. A decisão recente, desta semana, do BCE continuar a comprar doses maciças de dívidas soberanas pode, também, vir a tornar-se factor desequilibrador na dúvida alemã. Alguns políticos alemães argumentam que o apoio comunitário aos países em crise na zona euro não resistiria ao parecer do Tribunal Constitucional, por não ter sido ratificado por nenhum Estado Membro. A ser assim, estaríamos perante grave violação dos tratados europeus em vigor.

O reverso, para a Alemanha, seria que a revalorização do Marco iria prejudicar as exportações, e os produtos importados ao tornarem-se mais baratos, poderiam conduzir a uma indesejável e perigosa situação de deflação. Nos outros países, provavelmente, assistir-se-ia a aumentos significativos da inflação.

4. Misterioso continua o impacte da intervenção da China no contexto europeu, quer comprando dívidas soberanas, inclusive da França, quer participando em parcerias estratégicas em empresas de ponta e na banca, quer intervindo directamente com as suas próprias empresas. Em artigo separado, comentarei o que penso sobre isto.

5. Há ainda a considerar as alterações geopolíticas que se estão a desenhar no espaço europeu alargado, incluindo as parcerias com a Rússia e ex-países da URSS. A NATO deverá vir a desempenhar papel relevante nestas redefinições, que deverão modificar a importância relativa dos diversos países europeus. Para a Polónia e para a Turquia poderão estar reservados papéis de primeiro plano, obviamente substituindo os tradicionais senhores da situação. Assunto a endereçar em próxima reflexão.


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Perante cenários tão complexos e diversificados que pode pensar o “simples cidadão”?

Que, por certo, todos corremos grandes riscos, e que a desejada solução para a crise ainda está distante.

A Crise é dos periféricos? Do Euro? Ou do Projecto EU? (1 de 2)

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
03 Dezembro de 2010

Salvaguardadas as óbvias implicações temporais, reservo para a política imagem e respeito muito próximas de Aristóteles, o que me leva bastas vezes a ficar furioso com o comportamento da classe política. Foi essa a razão que me colocou frente a este gélido ecrã LED a debater a crise económica que se abateu sobre nós “simples cidadãos” (figura pouco simpática com que os nossos políticos gostam sobranceiramente de nos brindar).

Não sou economista, pelo que as reflexões e preocupações que me assolam não são mais do que o que me ocorre, enquanto cidadão, não "simples" mas de pleno direito, quando sou bombardeado com informações incompletas, grosseiras, quem sabe intencionalmente produzidas, com a ideia de nos ocultar o péssimo trabalho que os líderes mundiais vêm produzindo.


Da Física para a Economia

A Física ensinou-nos que a Quantidade de Movimento é uma grandeza vectorial que corresponde ao produto da massa total pela velocidade que anima o sistema. Dito de forma diferente, Momento Linear, outra designação para Quantidade de Movimento, quantifica o esforço necessário para travar completamente um corpo em movimento.

Foi uma força deste tipo que se abateu sobre a Grécia em Maio, a Irlanda em Novembro, e sabe-se lá quem a seguir nesta Europa em visível declínio.


Primeiro, a Grécia

Quando em Maio a Grécia foi obrigada a aceitar a “solidariedade europeia” no valor de 110 mil milhões € para evitar a insolvência, os responsáveis políticos europeus anunciaram a criação dum fundo de 750 mil milhões €, que mais não era do que uma garantia aos investidores internacionais de que a EU estava pronta a responder a crises semelhantes, caso viessem a ocorrer.

Na altura, foi referido que esta reserva, designada Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), funcionaria mais como instrumento psicológico para apaziguamento dos mercados do que uma necessidade real de utilização.

O que é verdade é que os investidores internacionais, também designados por “mercados”, mostraram ter acolhido a mensagem, parecendo acreditar que o FEED seria suficiente para estancar os problemas das pequenas economias periféricas, preservando o núcleo duro da EU.


Depois, a Irlanda

Repito que não sou economista. Contudo, em Agosto, eu próprio, com as públicas informações de que dispunha, já olhava para o caso irlandês com muitas reticências, como referi em ”Irlanda – Ilusões e Desencantos”.

Infelizmente, o meu crítico juízo, só tardou três meses a revelar-se justificado – em 21 de Novembro, após inúmeros desmentidos, a Irlanda caiu nas malhas da “solidariedade europeia”, tendo sido obrigada a resgatar 85 mil milhões € à EU/FMI. Era isso que os “mercados” exigiam.

No entanto, algo de muito significativo e preocupante ocorreu desta vez. De acordo com The Economist de 25 de Novembro, apesar das bond yields irlandesas terem regredido (7.93%), em Espanha (4.75%) e na Grécia (11.75%) aumentaram. Pior ainda, em 28 de Novembro, a AdvisorOne publicava um artigo em que referia os valores para diverso países, donde se destacavam: Irlanda 9.37%, Portugal 7.17%, Espanha 5.21%, Grécia 11.79% (USA 2.87%, Alemanha 2.74%). Esta lista permite avaliar sobre a volatilidade dos mercados e da incerteza sobre os países devedores.


Racional ou Emocional?

Do que conheço sobre Adam Smith, que recorde-se era professor de Filosofia Moral em Glasgow, arrisco pensar que ele classificaria como especuladores, o que hoje se designa por “mercados”.

No que respeita às suas típicas investidas, enquadro-as no capítulo de Guerra de Guerrilha”, segundo os conselhos de Vo Nguyen Giap no clássico Manual de Estratégia Subversiva - têm de se focalizar nos pontos fracos do inimigo, ser chocantes, demolidoras, e inspirar insegurança e medo. A guerra tradicional, eminentemente racional, não se aplica aqui. Os países mais fracos tremem de pavor, mas o objectivo final é o Euro, ou melhor, a EU. Acho eu.

Contudo, os “mercados” também não estão tranquilos – os níveis de incerteza e as declarações políticas dos países mais poderosos, em particular da Alemanha, ao pretender imputar-lhes responsabilidades partilhadas nas falências das economias mais débeis que ajudaram a afundar não lhes agrada.


A alegada especificidade irlandesa

A Irlanda falhou pelo desmoronar da banca, diz-se, sendo portanto distinta da Grécia que deixou descontrolar todo o aparelho económico. Verdade ou não, o negócio com a EU+FMI não elimina as dívidas do país, refinancia-as. E como hoje os capitais se deslocalizam mais do que nunca, ninguém pode assegurar que eles não procurem outras geografias mais atraentes. O perigo é real e as agências de rating, cuja actuação isenta suscita fundadas dúvidas, antecipam-no – a S&P já tratou de baixar a dívida irlandesa de AA- para A, colocando-a sob observação, e advertindo que novas actualizações poderiam ocorrer em breve sobre as actuais classificações: Espanha AA, Portugal A-, Grécia BB+ (Alemanha e USA continuam AAA).

O facto do défice irlandês se centrar essencialmente na banca, recorda o episódio do resgate do Bear Steams nos USA, que originou tal celeuma na opinião pública, que levou as autoridades a deixar cair o ícone Lehman Brothers. Não são boas recordações, na realidade. E os eleitores alemães começam a ficar preocupados e a pressionar os políticos.


Aprovar orçamentos não chega

Por vezes os políticos parecem não entender as regras do jogo, ser demasiadamente inocentes, ou menos inteligentes do que julgam ser. Aprestam-se a fazer aprovar orçamentos, aparentemente elaborados a correr e de concretização duvidosa, esperando que os “mercados” reajam positivamente, isto é, facilitando empréstimos e cobrando menos juros.

Na Irlanda, Brian Cowen, precisa de aprovar o orçamento no início de Dezembro. Entretanto, perdeu o apoio dos Verdes o que coloca o seu governo à mercê da coligação Fine Gael/Trabalhistas. Estes, se ganharem as eleições como se espera, terão de cumprir um orçamento que não é deles. E é preciso baixar o défice de cerca de 32% para 3% até 2014. Natural, portanto, o cepticismo dos “mercados”.

Em Portugal, a situação também não é tranquilizadora. Se bem que a banca portuguesa pareça estar bastante mais robusta que a irlandesa, a dívida acumulada é enorme, o défice está em 9% e precisa de baixar para 3% até 2013, o desemprego a rondar os 11%, e o país a não revelar evidentes capacidades para crescer. A OCDE prevê mesmo um recuo de cerca de 1% do PIB em 2011, embora não seja essa a previsão do governo português (+0.2%). A S&P, em notícia de 01 de Dezembro, acaba de colocar o rating de Portugal sob vigilância negativa e ameaça baixa-lo por antevisão de intervenção do FMI, ao mesmo tempo que prevê que a economia nacional desça 2% em 2011. Acrescem as eleições presidenciais, cujo resultado pode provocar eleições legislativas antecipadas para o primeiro semestre de 2011.

Em Espanha, apesar das notícias de aparente cumprimento das duras medidas de austeridade anunciadas por Zapatero, o desemprego é uma enorme preocupação, ao situar-se acima dos 20%. A economia espanhola é maior do que as da Grécia, Irlanda, e Portugal juntas. Um problema muito sério para os 750 mil milhões do FEEF, ao qual já há que descontar o que já está comprometido com a Irlanda, se a Espanha vier a precisar de auxílio. Os grandes bancos espanhóis parecem ter estrutura suficiente para evitarem problemas, apesar da sua exposição a Portugal. Mas mesmo assim, já consumiram mais de 14 mil milhões € este ano em reestruturações, falando-se que ainda serão necessários mais 32 mil milhões, afectos ao sector imobiliário.


O senhor que se segue…

Recuperando a ideia da Quantidade de Movimento, que iniciou este artigo, a coisa poderá não ficar por aqui. Os spreads sobre os títulos ibéricos em relação aos títulos da dívida alemã nunca foram tão elevados. As promessas e as medidas dos governos português e espanhol não parecem ser suficientes para travarem esta pressão. O dia em que ninguém emprestará mais dinheiro, ou só estará disposto a fazê-lo a juros incomportáveis, pode estar próximo. Quem será compelido a pedir apoio à EU/FMI primeiro?

Todas as razões apontam para Portugal. É o país mais fácil de ajudar, pois exige menos fundos, permitirá passar a imagem de que a questão se confina a pequenos países periféricos, evitará expor a Espanha que, saliente-se, representa 12% da economia europeia. Se a Espanha fraquejar, é toda a zona euro que ficará exposta, pois, pelo menos, a Itália não escapará ao flagelo. E que dizer da Bélgica, com todos os problemas que a assolam?
Nesta perspectiva, o FEEF será manifestamente insuficiente.

Terá a EU capacidade real de alargar substancialmente este fundo? De onde sairá o dinheiro? Da Alemanha? Ou da China, de que tão pouco se fala neste contexto? E, se assim for, qual o preço real a pagar?


Os Tratados Europeus

As dívidas soberanas, que são dividas assumidas ou garantidas por entidades soberanas ou pelos seus bancos centrais, diferenciam-se das outras operações de crédito, por:

• Não existem entidades supranacionais com autoridade para obrigar ao cumprimento dos acordos internacionais;
• Em caso de inadimplência, os credores, têm acesso muito limitado aos activos dos devedores;
• As negociações entre credor e devedor, em caso de litígio, e porque não arbitradas por nenhum tribunal, podem tornar-se intermináveis.

Foi, porventura atendendo a estas características, que a Alemanha tentou co-responsabilizar os investidores na compra de dívida de países que venham a recorrer ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. No passado Domingo, os ministros das finanças dos 16 membros do Euro Grupo, acordaram na criação dum mecanismo de estabilidade a longo prazo (ESM) cuja operacionalidade está prevista para 2013, quando o FEEF terminar a sua intervenção.

Outra alternativa possível seria a alteração profunda do Tratado Europeu. Tarefa complexa e morosa, que dificilmente estará disponível em tempo útil.

(continua, com o mesmo título, em 2 de 2)