sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Os Custos de Produção na China

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
18 Agosto de 2010


Sinopse

A produção chinesa está a atingir o que muitos previram – os problemas típicos das sociedades capitalistas. A carência de mão-de-obra, adequada claro, a agitação laboral crescente, a inevitável actualização do valor do zuian, os efeitos inflacionistas, o aumento do custo de vida, na habitação por exemplo, cada um de per se, arrastam problemas com que a tradicional sociedade comunista lida com dificuldade. Todos juntos, e não só estas as alterações que a China está a conhecer, potenciam-se de forma explosiva. Os debutantes grandes empresários chineses, ou o capital estrangeiro que em seu nome actua, estão a reagir de forma clássica – procurando mão-de-obra mais barata, quer ela se encontre no atrasado interior do país ou em países ainda menos desenvolvidos.

E eis que a China começa (de súbito?)
a debater-se com os custos de produção

Não é de agora que os media internacionais se debruçam sobre esta questão da competitividade e do desenvolvimento da China. Desde que o país abriu as fronteiras comerciais e aderiu á OMC, que importantes centros de estudos passaram a dedicar particular atenção á deslocalização para a China de significativa capacidade da produção mundial.
Também não é de hoje a preocupação de descobrir onde e por quem são construídos os componentes principais, amiúde essenciais, das maravilhas electrónicas que deliciam os consumidores de todo o mundo. Se o leitor já teve oportunidade de abrir, por exemplo, um notebook ou um smartphone, mesmo rotulado como proveniente dum dos mais considerados fornecedores, verificou que alguns componentes cruciais, são montados na China, embora que eventualmente tenham sido produzidos na China, Taiwan, México, Coreia, ou Portugal, mesmo que a concepção e design possa ser Americana, Alemã, ou mesmo CE, sem qualquer maior detalhe. Não necessita ser um brilhante investigador, ou detective, para chegar a esta constatação.
Há pouco mais de uma década que esta situação se verifica e todos parecem contentes – as empresas ocidentais descobrirão a galinha de ovos de oiro – reduzir custos, manter ou diminuir preços, aumentar lucros – os consumidores viram o mercado invadido de novidades a preços impensavelmente acessíveis, os chineses que vêem a sua economia a crescer (sustentavelmente? a dois dígitos anuais.
Mas eis que (de súbito?) estes conglomerados transnacionais despertam para o efeito do aumento de custo laboral chinês. Será que valerá a pena continuar a suportar os inevitáveis custos de transporte de e para a China quando a principal diferenciação positiva - o baixíssimo custo da produção na China – ameaça inverter a vantagem competitiva?
A tendência para actualização salarial, devida ás crescentes reivindicações do movimento operário, a valorização da moeda chinesa para valores mais realistas e menos oportunistas em termos de equiparação cambial, e o aumento do custo de vida, nomeadamente no que se refere aos encargos com habitação e mobilidade, estão a limitar a competitividade das exportações chinesas. Duas principais alternativas se colocam – o país começar a produzir em regiões menos desenvolvidas do interior, ou deslocalizar a produção para outros países onde o custo de mão-de-obra seja mais atractivo.
Ainda no mês passado, os media relataram a decisão da FoxConn Technology, fabricante sob contrato para a Apple, e onde se verificaram lamentáveis e insólitos (serão) casos de insatisfação laboral a ponto de conduzirem trabalhadores ao suicídio, a decisão de mudança de instalações fabris, e com elas centenas de operários, para a paupérrima província de Henan. Em causa está a competitividade de variadas empresas da cadeia de valor Apple, e não só a manutenção de custos baixos deste império comercial.
Esta situação não é específica da Apple [1], visto que outras importantes corporações, como a Samsung, a HP, ou a Dell, por exemplo, já comprimiram tanto os seus custos operacionais que novas exigências neste campo se revelam de difícil implementação. E, no fundo, o valor real da incorporação chinesa no preço do produto final, embora variando com a indústria em causa, raramente ultrapassa 10% do custo total [2].
Que não se pense que a questão está circunscrita às novas tecnologias. Não, ela estende-se a todas as áreas de produção, desde os têxteis aos brinquedos, ou dos automóveis aos comboios de alta velocidade. As sociedades capitalistas adoram descobrir Ovos de Colombo (a China dos custos de produção incrivelmente baixos), mas entram em pânico assim que os primeiros ovos se desequilibram.
Deixem-me referir um exemplo: Há poucos meses comprei, via net, um compatível iPhone. A referência do fornecedor e do modelo não revela quase nada sobre o produto. Aparentemente faz tudo o que os “verdadeiros” iPhone da Apple fazem, e mais do que preciso num telemóvel. Vem acompanhado dum “manual” quase que ilegível, o que, convenhamos, constitui um aliciante – tive de descobrir com explorar todas as funções, experimentando. Mas deu para perceber várias coisas – o design é norte-americano, a fabricação alemã (Infineon), tem componentes das mais variadas origens, e é tão bonito como o correspondente Apple. Ah, um pormenor: custou cerca de dez vezes menos. Quase que inacreditável! [3]
Referi atrás uma empresa de alta tecnologia, a Foxconn. Analisemos o que ela é, na realidade. Esta empresa, que dispões de cerca de 800,000 só na China, tem sede em Taiwan sob a designação Hon Hai Group. É um dos maiores fornecedores da Apple, da HP, e da Dell. O seu modelo de negócio pouco tem a ver com uma empresa HighTech, mais se parecendo com um retalhista – margens reduzidas, volumes astronómicos. Segredo? Eficiência na compra de matérias-primas e componentes, baixo custo de mão-de-obra, cadeia de montagem de alto rendimento, distribuição just-in-time.
A receita parece simples. No entanto, os riscos são elevados e a concorrência tenaz. Trata-se dum negócio global de $ 250b, onde todos querem entrar, mas onde só alguns, muito poucos, conseguem sobreviver. E é disto que se trata, sobreviver. Aqui não existe espaço para “zonas de conforto”, nem estratégias de defesa. O lema é acordado e pronto para novo combate a toda a hora. Bom ainda por cima, em alguns susectores o crescimento do negócio tem sido de 50% de crescimento anual, e não se detectam nuvens no horizonte.
Há, contudo, novos caminhos a explorar para além da deslocalização atrás referida, quer interna quer externa. Chama-se produtividade e especialização. Qualquer notebook requer alguns milhares de procedimentos de assemblagem para estar pronto para entrega ao cliente final. Ora, uma redução de 10% nestes procedimentos significaria uma poupança de algumas centenas de operações. Por muito baixos que sejam os custos laborais a poupança global seria sempre muito significativa, pois estamos a falar de volumes enormes. (Taylor e Ford, se fossem vivos há muito teriam olhado para esta questão).
Sendo tão óbvia a solução, porque não está já no terreno? Eis algumas explicações:

1. A sociedade chinesa é tradicionalista, revelando pouca apetência para alterações de modelos de produção e de comercialização. É mais fácil aplicar velhas receitas, como procura de custos laborais mais baixos (que ainda existem no interior e nalguns países do terceiro mundo) do que introduzir factores de clivagem na relativa estabilidade do mercado de trabalho;
2. As autoridades chinesas estão atentas ao controlo da situação social no país, que é imenso. É necessário descentralizar a produção industrial para as zonas mais pobres e interiores do país, sob pena de se acentuarem os desníveis de qualidade de vida entre as costas leste e sul e o interior oeste. É urgente travar qualquer risco de fragmentação do país; [4]
3. A deslocalização da produção para o interior pobre e atrasado só pode ser acompanhado de métodos tradicionais, mesmo obsoletos, [5] pois é tão impossível atrair para ali conhecimentos elevados como lá os encontrar; [6]
4. A China não ainda dispõe ainda, apesar dos esforços de formação e desenvolvimento que tem feito, do conhecimento especializado que a pretendida melhoria qualitativa da produção carece, mesmo para responder à galopante procura de técnicos superiores e gestores;
5. A deslocalização da produção para países terceiros [7] convém ás autoridades políticas chinesas que nela vêem uma forma de influência externa do país.
6. A recuperação da China, em termos de pobreza, é muto significativa quando comparada com outras regiões. Repare-se no quadro seguinte que prevê, em milhões, a evolução do número de pessoas com rendimentos inferiores a $ 1 diário, em 1990, 2001, e 2015 [8]:

China_______________375___________212____________16
Índia/Paquistão________462___________431___________216
África Sub-Sahara______227___________313___________340






Notas:

[1] Nem sequer a Apple pode servir de referência para outras empresas que não operam como ela com margens superiores a 50%.
[2] Claro que este valor se aplica aos produtos assemblados ou completados na China (apesar do rótulo Made in China) e não aos realmente fabricados na China.
[3] Segundo a EconomyWatch, um iPhone que custa cerca de $ 600 nos USA, custa cerca de $ 188, ao redor do mundo, até chegar às mão do consumidor americano.
[4] Recentes lutas laborais provocaram aumentos de 20 a 30% dos salários nalgumas indústrias.
[5] Ainda é habitual encontrar na China horários de trabalho intensivo de 10 a 12 horas por dia, seis a sete dias por semana.
[6] A Foxconn calcula que nas regiões interiores os custos de mão-de-obra sejam cerca de 20 a 30% mais baixos do que no litoral.
[7] É frequente os dirigentes chineses se referirem a este tipo de iniciativa com “terciarizar”.
[8] Friedman, T. L. (2007): O Mundo É Plano, Lisboa – Actual Editora (8ª edição)

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