Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
27 Setembro de 2010
Tentar acompanhar o espectacular desenvolvimento económico da China, e equacionar prospectivamente o poderá acontecer nas próximas décadas, exige que se abordem várias perspectivas que estão em jogo – militar, política, económica, e social.
Este artigo pretende ser uma contribuição para o entendimento das estruturas que alicerçam as dinâmicas conjunturas que se vão desenhando.
O poder económico e a capacidade militar
As questões económicas não podem ser dissociadas do poder militar.
Várias vezes tenho insistido nesta opinião. Em geral, os economistas contestam esta relação causa-efeito, pelo que sinto necessidade de esclarecer que me refiro a uma correlação positiva, e não a qualquer nexo causal. Até pode ser que possa existir força económica sem correspondente poder militar. Mas, em regra, não é tão forte e duradoura como quando as duas vertentes cooperam.
No campo político esta conjugação de esforços é inquestionável, pois ninguém parece duvidar que os países pautam as relações internacionais na óptica do equilíbrio, quer por procura de protecção, quer por receio do poder militar alheio.
Vem este raciocínio a propósito da presença militar constante dos USA na costa oeste do Pacífico, nomeadamente através de forças aeronavais estacionadas ou em patrulha dos mares.
Aparte a aventura militar no Vietname, a zona tem vivido em paz, se não considerarmos pequenos conflitos bem localizados, e o latente confronto entre as duas Coreias. E esta paz, ou se se preferir não-guerra, ajudou muito o milagre chinês, pelo astronómico afluxo de capitais que permitiu, e pela não corrida insustentável aos armamentos, que, recorde-se, foi fundamental no colapso da ex-URSS.
Ganhar uma guerra não é fundamental
A propósito da guerra do Vietname, e de outras em que os USA se têm envolvido desde o início da segunda metade do século XX, é bom que se observe que a estratégia americana tem sido invariável – o mais importante não é ganhar a guerra, mas sim evitar que outro país o consiga, pois nesse caso, por força das armas, poderia vir a tornar-se numa potência regional. Guerras do Golfo ou do Afeganistão, são bons exemplos desta estratégia. Os USA não ganharam estas guerras nem vão ganhar as que ainda decorrem, mas vão manter a presença militar em nome do o controlo da paz.
De facto, é hoje difícil argumentar contra a relação entre a presença militar americana e a limitação, a níveis aceitáveis, dos conflitos militares na zona. Trata-se da mesma lógica que serviu para colocar a NATO em territórios da ex-URSS. Muito, muito longe mesmo das costas do Atlântico, como facilmente se reconhecerá.
Contudo, esta medalha tem reverso. Por diversas razões a actual proliferação de pequenos conflitos regionais, também se pode explicar pelo jogo permanente das mesmas forças, ou seus clones, numa diversidade de tabuleiros, em lugar dum único palco. Os diferendos China-Japão enquadram-se neste raciocínio.
A luta, real e armada, entre os dois países faz parte das suas Histórias. O Japão organizado e uno, carente de matérias-primas, mas competente industrialmente, levava a melhor sobre uma China desorganizada e dividida, prenhe de matérias-primas, mas incapaz de as transformar e vender ao exterior.
A China e o Japão parecem ter esquecido, por agora, o recurso às armas na resolução dos problemas que os afectam e em que intervêm como actores de primeiro plano. Revisitemos o passado recente das duas nações.
De 1950 a 2010
Após a Segunda Grande Guerra (WW2) começou a desenhar-se um novo e muito dinâmico cenário:
A China, arrancada a ferros do regime feudal, passou pelas convulsões da Revolução Cultural, iniciada em 1966 e terminada oficialmente em 1969 pela mão de Mao Tse-tung, mas que, de facto, subsistiu até 1976, quando o que ficou conhecido por Bando dos Quatro foi afastado do poder.
Na realidade, a Revolução Cultural pouco tinha de revolucionário, pois tratava-se duma luta interna pelo poder, e de cultural, ainda menos, visto ter-se tratado duma tentativa de extirpação dos endémicos problemas económicos com que a Velha China se debatia, e que a asfixiavam.
A partir daí, a China encetou um novo caminho, procurando abrir as suas fronteiras ao mundo, processo que culminou em 2001 com a adesão de pleno direito à Organização Mundial de Comércio, OMC. Como se costuma dizer, ninguém mais segurou a China que passou a ser a fábrica do mundo, o centro de afluxo de capitais, até que, no segundo semestre de 2010, ultrapassou o Japão como segunda maior economia do Mundo [1].
Creio que, hoje em dia, poucos verão na China um potência de cariz imperial com desígnios expansionistas. O seu território é rico, extenso, e, em grande parte inexplorado. Mas, no mundo actual a expansão dos países não se manifesta somente pela ocupação territorial. A grande necessidade de matérias-primas capaz de suportar os espantosos níveis de crescimento que o país tem vindo a registar, e não quer perder, obrigam-na a estratégias internacionais consistentes. E a China sabe implementá-las [2].
Por seu lado, o Japão, que conseguiu sair derrotado da WW2 sem o estigma de culpado de que, por exemplo, a Alemanha jamais conseguiu libertar-se (de facto, o Terceiro Reich não aconteceu no Japão), iniciou, logo nos anos 1950, o caminho da industrialização e da produção de elevada qualidade. Muito limitada, como penalização pelo envolvimento na WW2, no desenvolvimento das suas forças armadas, cedo canalizou a capacidade financeira para os negócios. Se bem que os fluxos financiamentos do Plano Marshall para a Alemanha tivessem sido o dobro do que foram para o Japão, quando a Alemanha entrou num ritmo de crescimento do PIB de 5%, contra os 17% do Japão (década de 1960), era um questão de tempo, pouco tempo, que o Japão ultrapassasse a Alemanha, e chegasse ao segundo lugar como economia mundial.
Se a Alemanha começa a preocupar-se com a avidez que a China tem mostrado na corrida às matérias-primas em todo o mundo, que dizer do Japão que praticamente não dispõe de todo de matérias-primas?
Sem fronteiras terrestres, o Japão tem de apostar nas vias marítimas [3], pois os seus aeroportos ainda registam capacidade limitada [4], se bem que o país esteja entre o que se considera ser o “estado da arte” na construção de aeroportos [5].
O futuro não se esquece
Disputando as mesmas águas que o seu grande rival (segunda e terceira economias mundiais), em luta pelas mesmas matérias-primas, e sem acessos terrestres, é natural que a disputa pelos corredores marítimos se agudize entre o Japão e a China. Os USA sabem que a perspectiva de confrontos reais entre estes dois colossos é catastrófica. Nem vai ao encontro dos interesses estratégicos dos USA qualquer subjugação dum contendor ao outro. Só o equilíbrio lhes interessa e tudo farão por o defender. Mas que este equilíbrio não é estável, disso ninguém duvida.
O recente incidente, ainda não resolvido, do pesqueiro chinês arrestado pela marinha de guerra japonesa, é mais um lembrete desta instabilidade. À primeira vista tratava-se dum pequeno episódio que deveria te sido encerrado com a libertação dos 14 tripulantes. Mas não, o Japão insistiu em manter a detenção do capitão do pesqueiro. Acima de tudo, uma demonstração ao seu poderoso rival que foi ultrapassado na arena económica, mas que não está defunto.
Ora, estas demonstrações de força são potencialmente assustadoras. É difícil imaginar um confronto armado entre o Japão e a China, sem pesadas implicações para todo o mundo, mesmo que nenhum outro país se viesse a envolver.
O incidente com o pesqueiro chinês não ocorreu num local qualquer. Trata-se duma zona marítima no Mar da China Oriental, a escassos 300 km da costa, que foi alvo dum acordo para exploração de jazidas de gás natural. A este espaço juntam-se outras localizações mais distantes, que ainda se encontram sob disputa. O gás natural é uma fonte de energia fundamental para qualquer dos intervenientes. Quanto melhor negociarem, melhor, mas de preferência que se obtenham visíveis benefícios, pensará cada um dos concorrentes, aparentemente destinados a serem parceiros neste negócio. Todas as vantagens negociais terão de ser maximizadas. O caso do pesqueiro é um movimento de peões nesta partida de xadrez. Outras peças se seguirão.
Para já, a China anunciou a interrupção de contactos ministeriais com o Japão, e adiou as próximas sessões de negociação sobre as jazidas de gás. Adiar não é suspender, tão pouco terminar as negociações. É um movimento táctico para definir limites de respeito.
Outras medidas, como o cancelamento de visitas de estudantes japoneses à exposição de Shanghai, ou a proibição dum concerto rock japonês que deveria ocorrer no mesmo cenário, parecem caricatas. Mas, nós ocidentais temos alguma dificuldade em lidar com as culturas asiáticas.
Mas, a exibição na China de filmes sobre a invasão japonesa de 1931, e as medidas restritivas de visita de familiares aos mortos japoneses em território chinês, já parecem intencionalmente provocatórias.
Entretanto, os média relatam que a China está a deslocar material para as jazidas ainda em negociação, adiadas neste momento, a fim de se colocar em posição mais favorável, o que não é inédito na actuação tradicional chinesa. Obviamente, os japoneses mostram-se irritados pelo facto.
Os USA estão no campo, procurando que as relações diplomáticas retomem a actividade. Tarefa difícil, mas indispensável, dada a intransigência das partes.
E a leste nada de novo?
Entretanto no Japão ocorreu significativa alteração política – o partido conservador que tem liderado o país na maior parte do tempo desde a WW2, perdeu as eleições para o Partido Democrático, considerado menos radical. Ora, a China está atenta e pode estar a testar a firmeza dos novos governantes japoneses, aproveitando este incidente. Parece convidar o Japão a repudiar ou assumir o passado militarista. Jogada perigosa, que não deve agradar aos americanos, por poder provocar clivagens entre a população japonesa.
Como o aparentemente insuspeito Liang Yunxiang da Peking University School of International Studies, declarou em entrevista ao New York Times: ''Antes de tomarem quaisquer medidas adicionais, ambos os governos deviam questionar se têm todas as medidas para lidar com as possíveis consequências dos seus actos” [6].
É isto que os americanos pretendem – bom senso e muita cautela. Nada de confrontos armados. E, em boa verdade, é isto que o mundo deseja, incluindo os dois potenciais beligerantes.
Entretanto, e uma vez mais
Sintomático que seja a primeira potência económica mundial, a arbitrar um diferendo entre os segundos e terceiros actores. É, de facto, preciso ter muito poder para ser reconhecido como árbitro credível numa disputa desta natureza.
Os USA não são, toda a gente o reconhecerá, um árbitro imparcial e desinteressado, antes, e uma vez mais, um participante que olha para estes acontecimentos como fundamentais para o prosseguimento da sua política de dominação global, que conta com o arrasador poderio militar de que dispõe como argumento dissuasor sobre quem ousar não acatar os seus conselhos.
Esta estratégia é crucial para se prosseguir com a análise das relações políticas e económicas nesta zona, hoje crucial para o desenvolvimento do mundo, e até para o futuro próximo do capitalismo.
Se algum país está para já a marcar pontos são os USA.
Atenção às cenas dos próximos capítulos.
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NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-segunda-economia-mundial.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-e-o-mundo-em-guerra-pelas.html
[3] http://www.contents-station.net/imagens/business/comoexportarjapao.pdf
[4] http://www.ipcdigital.com/br/Noticias/Japao/Aeroportos-do-Japao-tem-capacidade-limitada
[5] http://obviousmag.org/archives/2008/06/aeroportos_japao.html
[6] http://www.nytimes.com/aponline/2010/09/21/world/AP-AS-China-Japan-Ships-Collide.html?_r=1&hp
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
CHINA - A Política de Filho Único
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
24 Setembro de 2010
Porquê revisitar este tema em 2010?
Este artigo é dedicado à política de Filho Único na China, país que acolhe cerca de 19.7% da população mundial (1.3 biliões de pessoas). Neste ano de 2010 encerra-se mais um ciclo de cinco anos do programa Filho Único, que teve se iniciou em 1979.
Na China, e no exterior, reacendeu-se o debate sobre o tema. Veja-se, por exemplo, como a imprensa portuguesa de hoje lhe dedica atenção [1].
A Política de Filho Único na China
Muita gente se recordará do programa que a China implementou em 1979 para que as famílias só tivessem um filho. Na altura o país atingira a perigosa fasquia dos mil milhões de cidadãos, e o Partido Comunista Chinês encarregou o seu líder e chefe do governo, Deng Xiaoping, de elaborar um programa capaz de travar este perigoso crescimento.
Note-se que, em 1950, a população da China era 563 milhões, e em 1979, 972 milhões (crescimento de 72.65%) [2]. Tal taxa de crescimento era impossível de suportar. Muitos erros foram cometidos, numerosos crimes contra os direitos humanos, das mulheres em especial foram denunciados, incluindo acusações de abortos e esterilizações forçadas após a primeira gravidez. Contudo, feitas as contas, os grandes objectivos do programa foram alcançados. No entanto, estas medidas só se mostraram eficazes entra as populações urbanas, pois, na prática, não foram aplicadas aos aglomerados do imenso interior, nem às minorias urbanas não pertencentes à etnia Han [3].
O que foi, no seu início, um programa transformou-se numa política. E em 2006, as autoridades anunciaram a extensão do programa por mais 5 anos (2006-2010). Ainda hoje, por exemplo em Pequim, um casal que opte por ter um segundo filho incorre numa multa até 10 vezes o rendimento anual médio individual, o que ultrapassa 250.000 yuan (29.000 euros) [4]. Uma dura pena.
Embora, as estatísticas actuais indiquem que o número de chineses ascende a cerca de 1.3 biliões, estima-se que o programa Filho Único tenha evitado, nos primeiros vinte anos, 300 milhões de nascimentos, quase a população total dos USA (304 milhões), o dobro da Rússia (141 milhões), e quase tanto quanto o número total de alemães, franceses, ingleses, italianos, e espanhóis juntos (83, 64, 61, 58, e 46 milhões, respectivamente) [5].
Naturalmente que estas medidas arrastam consequências colaterais. Ressaltam por exemplo, o estigma que recaiu sobre os bebés femininos, e o desequilíbrio de géneros na população – quando seriam de esperar, em condições naturais, que para cada 100 mulheres existissem 105 homens, na China a proporção é actualmente de para cada 100 mulheres existam 114 homens. O futuro revelará qual o impacte real deste desvio.
Acertos à política de Filho Único
De repente (de facto, nada acontece de repente nesta sociedade ávida de planeamento), a China apercebeu-se de que se aproximava a altura em que se iria debater com questões de envelhecimento médio da população, e tomou medidas. Hoje, por exemplo, já é permitido a um casal que não tenha irmãos, ter dois filhos.
Considera-se que a taxa de fertilidade que corresponde à reposição estável da população é 2.1 – as mulheres, em média, devem ter 2.1 filhos. 2.05 é o valor da taxa de fertilidade nos USA. Na Alemanha, sempre mencionada quando se referem números sobre a China (por ser considerada como o motor da UE, e por ter perdido no segundo trimestre deste ano o segundo lugar das economias mais fortes, exactamente para a China), este valor é 1.41. Na China ainda está nos 1.79, mas suficientemente baixo para ter feito soar a campaínha em Pequim. Note-se que na década de 1970 o número de filhos por mulher era 4 [6].
A situação não está ainda estabilizada. Por exemplo, nalgumas regiões consta que alguns funcionários tenham sido ameaçados, ou mesmo mortos, por tentativa de obrigarem mulheres a abortar (o aborto é legal na China), e perseguições às famílias que não respeitaram a lei Filho Único. Algumas fontes denunciam, por outro lado, a existência de redes organizadas, tanto na China como nos USA, que cobram significativas quantias para que mulheres chinesas tenham filhos nos USA [7]. Desta forma, nascidos nos USA as crianças terão acesso facilitado aos estudos neste país, e as mães chinesas podem voltar a casa livres do alcance da lei do Filho Único. Obviamente, que este expediente só está ao alcance de famílias com posses, algo que não pára de crescer na China actual.
O compromisso oficial de 2006
O governo chinês, em 2006, através de Zhang Weiqing, Ministro da Comissão Nacional para a População e Planeamento Familiar, reafirmou, contudo, o total compromisso da China com a lei Filho Único, ao anunciar que ela continuaria para sempre, embora estivesse somente a anunciar a sua extensão para os 5 anos que se seguiam. [8]
Veremos o que as autoridades chinesas anunciarão para 2011 e seguintes. O mundo está atento e a China começa a ver no fim desta política a possibilidade de evitar o envelhecimento da população.
__________________________________________
NOTAS:
[1] http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=470442
[2] http://www.census.gov/cgi-bin/broker
[3] Para uma breve história da política Filho Único, consultar o interessante artigo da TIME: A BRIEF HISTORY OF China's One-Child Policy em 27 Julho de 2009 http://www.time.com/time/world/article/0,8599,1912861,00.html
[4] Estas agências cobram entre 90.000 yuan (10.500 euros) e 120.000 yuan (14.000 euros), segundo indicou o Global Times, uma publicação do grupo Diário do Povo, órgão central do Partido Comunista Chinês: http://sic.sapo.pt/online/arquivo/2010/9/mundo/1/Milhares+de+chinesas+vao+dar+a+luz+nos+Estados+Unidos+todos+os+anos.htm
[5] http://www.census.gov/ipc/www/idb/
[6] http://www.pime.org.br/mundoemissao/demografiaunico.htm
[7] http://sic.sapo.pt/online/arquivo/2010/9/mundo/1/Milhares+de+chinesas+vao+dar+a+luz+nos+Estados+Unidos+todos+os+anos.htm. De facto, esta situação repete-se em cerca de 30 países, mas é nos USA que tem a sua expressão mais representativa.
[8] http://geography.about.com/od/populationgeography/a/onechild.htm
vitor.trigo@gmail.com
24 Setembro de 2010
Porquê revisitar este tema em 2010?
Este artigo é dedicado à política de Filho Único na China, país que acolhe cerca de 19.7% da população mundial (1.3 biliões de pessoas). Neste ano de 2010 encerra-se mais um ciclo de cinco anos do programa Filho Único, que teve se iniciou em 1979.
Na China, e no exterior, reacendeu-se o debate sobre o tema. Veja-se, por exemplo, como a imprensa portuguesa de hoje lhe dedica atenção [1].
A Política de Filho Único na China
Muita gente se recordará do programa que a China implementou em 1979 para que as famílias só tivessem um filho. Na altura o país atingira a perigosa fasquia dos mil milhões de cidadãos, e o Partido Comunista Chinês encarregou o seu líder e chefe do governo, Deng Xiaoping, de elaborar um programa capaz de travar este perigoso crescimento.
Note-se que, em 1950, a população da China era 563 milhões, e em 1979, 972 milhões (crescimento de 72.65%) [2]. Tal taxa de crescimento era impossível de suportar. Muitos erros foram cometidos, numerosos crimes contra os direitos humanos, das mulheres em especial foram denunciados, incluindo acusações de abortos e esterilizações forçadas após a primeira gravidez. Contudo, feitas as contas, os grandes objectivos do programa foram alcançados. No entanto, estas medidas só se mostraram eficazes entra as populações urbanas, pois, na prática, não foram aplicadas aos aglomerados do imenso interior, nem às minorias urbanas não pertencentes à etnia Han [3].
O que foi, no seu início, um programa transformou-se numa política. E em 2006, as autoridades anunciaram a extensão do programa por mais 5 anos (2006-2010). Ainda hoje, por exemplo em Pequim, um casal que opte por ter um segundo filho incorre numa multa até 10 vezes o rendimento anual médio individual, o que ultrapassa 250.000 yuan (29.000 euros) [4]. Uma dura pena.
Embora, as estatísticas actuais indiquem que o número de chineses ascende a cerca de 1.3 biliões, estima-se que o programa Filho Único tenha evitado, nos primeiros vinte anos, 300 milhões de nascimentos, quase a população total dos USA (304 milhões), o dobro da Rússia (141 milhões), e quase tanto quanto o número total de alemães, franceses, ingleses, italianos, e espanhóis juntos (83, 64, 61, 58, e 46 milhões, respectivamente) [5].
Naturalmente que estas medidas arrastam consequências colaterais. Ressaltam por exemplo, o estigma que recaiu sobre os bebés femininos, e o desequilíbrio de géneros na população – quando seriam de esperar, em condições naturais, que para cada 100 mulheres existissem 105 homens, na China a proporção é actualmente de para cada 100 mulheres existam 114 homens. O futuro revelará qual o impacte real deste desvio.
Acertos à política de Filho Único
De repente (de facto, nada acontece de repente nesta sociedade ávida de planeamento), a China apercebeu-se de que se aproximava a altura em que se iria debater com questões de envelhecimento médio da população, e tomou medidas. Hoje, por exemplo, já é permitido a um casal que não tenha irmãos, ter dois filhos.
Considera-se que a taxa de fertilidade que corresponde à reposição estável da população é 2.1 – as mulheres, em média, devem ter 2.1 filhos. 2.05 é o valor da taxa de fertilidade nos USA. Na Alemanha, sempre mencionada quando se referem números sobre a China (por ser considerada como o motor da UE, e por ter perdido no segundo trimestre deste ano o segundo lugar das economias mais fortes, exactamente para a China), este valor é 1.41. Na China ainda está nos 1.79, mas suficientemente baixo para ter feito soar a campaínha em Pequim. Note-se que na década de 1970 o número de filhos por mulher era 4 [6].
A situação não está ainda estabilizada. Por exemplo, nalgumas regiões consta que alguns funcionários tenham sido ameaçados, ou mesmo mortos, por tentativa de obrigarem mulheres a abortar (o aborto é legal na China), e perseguições às famílias que não respeitaram a lei Filho Único. Algumas fontes denunciam, por outro lado, a existência de redes organizadas, tanto na China como nos USA, que cobram significativas quantias para que mulheres chinesas tenham filhos nos USA [7]. Desta forma, nascidos nos USA as crianças terão acesso facilitado aos estudos neste país, e as mães chinesas podem voltar a casa livres do alcance da lei do Filho Único. Obviamente, que este expediente só está ao alcance de famílias com posses, algo que não pára de crescer na China actual.
O compromisso oficial de 2006
O governo chinês, em 2006, através de Zhang Weiqing, Ministro da Comissão Nacional para a População e Planeamento Familiar, reafirmou, contudo, o total compromisso da China com a lei Filho Único, ao anunciar que ela continuaria para sempre, embora estivesse somente a anunciar a sua extensão para os 5 anos que se seguiam. [8]
Veremos o que as autoridades chinesas anunciarão para 2011 e seguintes. O mundo está atento e a China começa a ver no fim desta política a possibilidade de evitar o envelhecimento da população.
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NOTAS:
[1] http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=470442
[2] http://www.census.gov/cgi-bin/broker
[3] Para uma breve história da política Filho Único, consultar o interessante artigo da TIME: A BRIEF HISTORY OF China's One-Child Policy em 27 Julho de 2009 http://www.time.com/time/world/article/0,8599,1912861,00.html
[4] Estas agências cobram entre 90.000 yuan (10.500 euros) e 120.000 yuan (14.000 euros), segundo indicou o Global Times, uma publicação do grupo Diário do Povo, órgão central do Partido Comunista Chinês: http://sic.sapo.pt/online/arquivo/2010/9/mundo/1/Milhares+de+chinesas+vao+dar+a+luz+nos+Estados+Unidos+todos+os+anos.htm
[5] http://www.census.gov/ipc/www/idb/
[6] http://www.pime.org.br/mundoemissao/demografiaunico.htm
[7] http://sic.sapo.pt/online/arquivo/2010/9/mundo/1/Milhares+de+chinesas+vao+dar+a+luz+nos+Estados+Unidos+todos+os+anos.htm. De facto, esta situação repete-se em cerca de 30 países, mas é nos USA que tem a sua expressão mais representativa.
[8] http://geography.about.com/od/populationgeography/a/onechild.htm
terça-feira, 21 de setembro de 2010
A estratégia económica chinesa ensaia a mudança e o mundo aguarda impaciente
A estratégia chinesa para o yuan, as matérias-primas, e a energia, sem esquecer o importante papel das forças armadas no cenário internacional, foi abordada em artigo anterior [1]. Também as relações entre a China e a Alemanha, e em particular o perigo da recuperação alemã demasiadamente dependente do “milagre económico chinês” já foram alvo de análise neste espaço [2].
Hoje, a reflexão incide na mudança estratégica que se parece vislumbrar na China. Num país onde o crescimento económico tem sido tão significativo e por tão longo período de tempo, uma mudança estratégica não tem só repercussões internas, interessa e afecta todo o mundo.
Visitemos, então, algumas áreas cruciais, estruturantes mesmo, onde se podem observar importantes opções estratégicas. Na China nada é deixado ao acaso, tudo é planeado. Quem pensar o contrário, não pode estar atento.
A tentativa de enterrar a imagem dos “baixos salários”
Durante décadas a China permitiu, ou fomentou mesmo, a imagem de país onde a mão-de-obra era abundante e barata.
Que é abundante ninguém duvida, pois a China conta com 1300 milhões de habitantes, dos quais 1000 milhões constituem a população activa. Daqui se infere que 300 milhões se encontram desempregados, cerca de 22% [3]. Não corresponde à realidade pensar que se trata unicamente de pessoas que não encontraram ainda ocupação. Muitos destes desempregados perderam, de facto, os seus postos de trabalho fruto de alterações importantes no tecido laboral [4]. Além disso, as autoridades chinesas terão também, e no curto prazo, de encontrar solução para cerca de 100 milhões de trabalhadores rurais que querem reconverter em urbanos.
Mas o esforço de actualização salarial no país é real [5], embora em média os rendimentos do trabalho continuem muito baixos quando comparados com os seus concorrentes e parceiros. Como referência, relevem-se os seguintes valores:
PIB (em triliões de US$): China – 8.791; UE – 14.953; USA – 14.256; Brasil – 1.995; Índia – 2.965; Rússia – 4.406.
PIB per capita (em US$): China – 6500; UE – 28213; USA – 46381; Brasil – 10296; Índia – 2972; Rússia – 15947. [6]
Para facilitar a comparação, os valores para Portugal são 233.4 mil milhões e 21800 US$, respectivamente.
Da produção em massa à qualidade e à especialização
Em 2009 a China ultrapassou os USA e a Alemanha em volume total de exportações. Segundo informações do próprio Departamento de Estatísticas da Alemanha, as vendas chinesas atingiram no ano passado 1.201 triliões de US$, enquanto que as exportações alemãs se ficaram pelos 1,121 triliões. Para se avaliar o que isto significa, diga-se que nos últimos 20 anos, as exportações chinesas aumentaram 20 vezes. Uma profunda preocupação para os alemães [7], dado que ninguém espera que esta tendência se inverta, nem que a Alemanha, ex-primeiro exportador mundial, recupere a posição perdida.
Mas a luta entre alemães e chineses não se resume aos montantes totais, desenrola-se violentamente batalha a batalha, mercado a mercado, produto a produto. Vejam-se, por exemplo, os seguintes casos ocorridos em 2009, só na indústria aumtomóvel:
- A justiça grega decide que o pequeno utilitário Noble não é um clone do famoso Smart, uma joint venture da Daimler e da Swatch, como a Mercedes pretendia [8];
- A BMW entrou com uma acção em tribunal para proibir a venda na Alemanha do SUV Shuanghuan CEO, alegando que se tratava dum clone do modelo X5 da marca alemã. Ganhou, mas não conseguiu parar as vendas do modelo chinês na Grécia e Itália, como pretendia [9];
- A Porsche viu-se confrontada no Salão Automóvel de Pequim com um clone do modelo Cayenne, produzido na China pela empresa Huatai, a um preço muito inferior. E não chega que os alemães afirmem que a qualidade e a segurança não se comparam com as do modelo original. Os compradores não se regem sempre pelos mesmos valores [10].
Em busca da ocupação de nichos
Os mercados de nicho, dadas as suas características de grande concentração de recursos, exigem estratégias muito peculiares tanto de defesa como de ataque. Os mercados ecológicos não podem ser apelidados de nicho na verdadeira acepção do termo, mas, em termos estratégicos, assemelham-se.
Proponho que nos debrucemos sobre três vertentes dessa tão actual participação com inequívoco impacte no terreno da Responsabilidade Social Comunitária: A Energia, em particular o aproveitamento da energia solar, e os Transportes, no sub-sector automóvel.
Até agora, em qualquer destes campos, a China tem-se destacado pelo recurso às tecnologias e meios de produção mais rentáveis, que não respeitam, como é conhecido, as recomendações das organizações ecologistas. Em particular relevo, encontra-se a produção de energia a partir de combustíveis fósseis, onde o carvão assume papel de negativo destaque, sabendo-se que o carvão representava em 2007, 70% da energia consumida no país [11]. Mesmo assim o governo chinês pôs em prática um agressivo plano para reduzir o impacte desta situação, mesmo em termos de segurança dos trabalhadores dessas minas (4,700 mortes só em 2006) – no dia 14.01.2008, um domingo, as autoridades anunciaram ter encerrado mais de 11,115 pequenas minas no país [12]. Apesar destas notícias, que foram bem recebidas pela comunidade internacional, continuam a surgir mensagens contraditórias que apontam no sentido da intensificação da exploração de carvão em super-minas, num plano que visa a abertura de 2º grandes minas até 2015 [13].
A energia solar
É consensual a ideia de que a exploração da energia solar é solução de futuro. Vários países, como Portugal p.e., anunciaram incentivos aos privados que optem pela instalação de soluções individuais deste tipo. Na Alemanha e no Japão, em particular nos casos da Siemens e da Sharp, os governos instituiram consideráveis apoios para que estas empresas apostassem no desenvolvimento de centrais fotovoltaicas [14], capazes de produzirem energia limpa em quantidade para justificar o interesse de outras indústrias na sua utilização. Gerou-se mesmo a ideia de que estas empresas estariam no topo destes investimentos. Esta é, contudo, uma parte da verdade – a indústria alemã está a deslocalizar esta produção para a China. A Alemanha continua responsável por cerca 50% das instalações de energia solar mundial, mas é a China que produz 50% dos produtos que alimentam esta indústria [15], e parece estar cada vez mais agressiva nesta investida [16].
Até parece que enquanto os países ocidentais continuarem a subsidiar as instalações de paineis solares, a produção chinesa, que exporta 70% do que fabrica, continuará a ser um “negócio da china”.
O sector automóvel
A China é um mercado muito importante para as exportações de carros de todo o mundo, em particular da Alemanha, onde a Audi, Mercedes, e BMW, continuam a alimentar a sede de luxo das novas classes com posses no país, e a VW encontrou um imenso filão no abatecimento de viaturas para a polícia e táxis, como refri em artigo anterior [17].
Mas a China, como já salientei no artigo que mesmo agora citei, já não se limita a ser a fábrica do mundo. Quer mais, aposta em joint-ventures como contrapartida negocial. Digamos que é “pegar ou largar” – quem quiser avançar com os benefícios da produção na China tem de facilitar acesso ao know-how. Pode imaginar-se o que isto significa para as grandes marcas alemãs que não podendo já satisfazer a procura chinesa a partir da Alemanha, e penalizados pelos elevados direitos de importação chineses, têm de instalar fábricas na China. E estamos a falar de AUDI A7, Mercedes S, e BMW 7, topos de gama, portanto.
E que dizer da GM envolvida em dramática luta pela sobrevivência? Estará em posição de exigir algo de significativo das autoridades chinesas? Não, claro.
Releve-se também o que se passa com as novas tecnologias. Conhecem-se os esforços dos grandes construtores no domínio da diminuição, ou messmo, independência dos combustíveis fósseis.
O mundo ainda desconhece uma empresa chinesa produtora de baterias para telemóveis, a BYD – Build Your Dreams [18] – que, a partir de 2003 passou a investir na fabricação de automóveis. Em 2008 iniciou a comercialização do primeiro modelo produzido em massa, e em 2009 vendeu mais de 448 mil carros na China. Uma aventura? Não parece, pois em 2008 Warren Buffet, que não costuma desperdiçar dinheiro, investiu 230 milhões US$ por 10% da BYD.
O feitiço e o feiticeiro
Os empresários de todo o mundo, em particular os alemães, queixam-se do plágio e contra-facção chineses.
Nos subsectores atrás citados, os industriais ocidentais continuam a argumentar que as cópias chinesas são mais baratas porque incorporam componentes de qualidade inferior e não respeitam as regras de segurança.
É por demais conhecido o drama dos produtores de software que não vêm respeitados os direitos de autor como pretendem. Nesta indústria, a situação ainda se torna mais difícil pelo facto da legislação chinesa ser bastante diferente da que se aplica em outros países [19].
No entanto, e apesar de todas as lamentações e protestos, os empresários ocidentais hesitam em levar as companhias chinesas a tribunal, por duas elementares razões: não acreditam nos tribunais locais, e temem eventuais represálias.
Terão algum dia coragem e condições para se retirarem do gigantesco mercado chinês?
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NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-e-o-mundo-em-guerra-pelas.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[3] http://economia.publico.pt/Noticia/desemprego-na-china-afecta-22-por-cento-da-populacao-activa_1455269
[4] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/os-custos-de-producao-na-china.html
[5] Em Junho deste ano, o salário minímo em Pequim passou a ser 960 yuans, um aumento de 20%. Este valor corresponde a cerca de € 114 ou 140 US$, segundo a agência noticiosa Xinhua. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/784733-salario-minimo-chines-continua-subindo-em-2010.shtml
[6] Informações recolhidas em Setembro de 2010 em Wikipedia.
Veja aqui: China negoceia a compra de 150 novos Airbus, que pode chegar a 200, no valor de 16 mil milhões de euros: http://www.oje.pt/noticia.aspx?channelid=C32FD067-0BC2-4366-9A04-208E8B2DB854&contentid=FEA9442D-E537-45E4-927D-E8C704FB5CC1
e aqui, o “dia histórico” da entrega do primeiro Airbus A320 produzido na inteiramente na China: http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/8114464.stm
[7] http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1484433-9356,00-CHINA+SUPERA+ALEMANHA+E+E+O+MAIOR+EXPORTADOR+DO+MUNDO.html
[8] http://www.noticiasautomotivas.com.br/justica-grega-diz-que-chines-noble-nao-e-um-clone-do-smart/
[9] http://www.noticiasautomotivas.com.br/bmw-vence-shuanghuan-ceo-nao-podera-entrar-na-alemanha/
[10] http://www.noticiasautomotivas.com.br/huatai-marca-chinesa-faz-um-clone-do-porsche-cayenne-para-o-salao-de-pequim/
[11] http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u363108.shtml
[12] idem
[13] http://www.capitalvue.com/home/CE-news/inset/%4010063/post/1202723
[14] The Economist tem revelado amiúde os valores suportados pelos contribuintes alemães por efeito da aposta de Angela Merkel na energia foto voltaica. http://www.economist.com/node/15213817%3Fstory_id%3D15213817
Apesar do esforço exigido aos contribuintes alemães, que alguns analistas estimam em € 14 biliões ao longo dos próximos 20 anos, só para os investimentos feitos em 2009, hoje já se questiona parar com esta ajuda, talvez por efeito da própria crise económica que afecta a Alemanha.
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5279253,00.html
[15] http://www.greenchipstocks.com/articles/crabs-are-good-for-you/1057
[16] http://www.gstriatum.com/pt/china-cresceu-150-na-producao-de-modulos-solares/
[17] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-e-o-mundo-alemanha-02.html
[18] http://en.wikipedia.org/wiki/BYD_Auto
[19] http://www.gov.cn/english/laws/2005-08/24/content_25701.htm
Hoje, a reflexão incide na mudança estratégica que se parece vislumbrar na China. Num país onde o crescimento económico tem sido tão significativo e por tão longo período de tempo, uma mudança estratégica não tem só repercussões internas, interessa e afecta todo o mundo.
Visitemos, então, algumas áreas cruciais, estruturantes mesmo, onde se podem observar importantes opções estratégicas. Na China nada é deixado ao acaso, tudo é planeado. Quem pensar o contrário, não pode estar atento.
A tentativa de enterrar a imagem dos “baixos salários”
Durante décadas a China permitiu, ou fomentou mesmo, a imagem de país onde a mão-de-obra era abundante e barata.
Que é abundante ninguém duvida, pois a China conta com 1300 milhões de habitantes, dos quais 1000 milhões constituem a população activa. Daqui se infere que 300 milhões se encontram desempregados, cerca de 22% [3]. Não corresponde à realidade pensar que se trata unicamente de pessoas que não encontraram ainda ocupação. Muitos destes desempregados perderam, de facto, os seus postos de trabalho fruto de alterações importantes no tecido laboral [4]. Além disso, as autoridades chinesas terão também, e no curto prazo, de encontrar solução para cerca de 100 milhões de trabalhadores rurais que querem reconverter em urbanos.
Mas o esforço de actualização salarial no país é real [5], embora em média os rendimentos do trabalho continuem muito baixos quando comparados com os seus concorrentes e parceiros. Como referência, relevem-se os seguintes valores:
PIB (em triliões de US$): China – 8.791; UE – 14.953; USA – 14.256; Brasil – 1.995; Índia – 2.965; Rússia – 4.406.
PIB per capita (em US$): China – 6500; UE – 28213; USA – 46381; Brasil – 10296; Índia – 2972; Rússia – 15947. [6]
Para facilitar a comparação, os valores para Portugal são 233.4 mil milhões e 21800 US$, respectivamente.
Da produção em massa à qualidade e à especialização
Em 2009 a China ultrapassou os USA e a Alemanha em volume total de exportações. Segundo informações do próprio Departamento de Estatísticas da Alemanha, as vendas chinesas atingiram no ano passado 1.201 triliões de US$, enquanto que as exportações alemãs se ficaram pelos 1,121 triliões. Para se avaliar o que isto significa, diga-se que nos últimos 20 anos, as exportações chinesas aumentaram 20 vezes. Uma profunda preocupação para os alemães [7], dado que ninguém espera que esta tendência se inverta, nem que a Alemanha, ex-primeiro exportador mundial, recupere a posição perdida.
Mas a luta entre alemães e chineses não se resume aos montantes totais, desenrola-se violentamente batalha a batalha, mercado a mercado, produto a produto. Vejam-se, por exemplo, os seguintes casos ocorridos em 2009, só na indústria aumtomóvel:
- A justiça grega decide que o pequeno utilitário Noble não é um clone do famoso Smart, uma joint venture da Daimler e da Swatch, como a Mercedes pretendia [8];
- A BMW entrou com uma acção em tribunal para proibir a venda na Alemanha do SUV Shuanghuan CEO, alegando que se tratava dum clone do modelo X5 da marca alemã. Ganhou, mas não conseguiu parar as vendas do modelo chinês na Grécia e Itália, como pretendia [9];
- A Porsche viu-se confrontada no Salão Automóvel de Pequim com um clone do modelo Cayenne, produzido na China pela empresa Huatai, a um preço muito inferior. E não chega que os alemães afirmem que a qualidade e a segurança não se comparam com as do modelo original. Os compradores não se regem sempre pelos mesmos valores [10].
Em busca da ocupação de nichos
Os mercados de nicho, dadas as suas características de grande concentração de recursos, exigem estratégias muito peculiares tanto de defesa como de ataque. Os mercados ecológicos não podem ser apelidados de nicho na verdadeira acepção do termo, mas, em termos estratégicos, assemelham-se.
Proponho que nos debrucemos sobre três vertentes dessa tão actual participação com inequívoco impacte no terreno da Responsabilidade Social Comunitária: A Energia, em particular o aproveitamento da energia solar, e os Transportes, no sub-sector automóvel.
Até agora, em qualquer destes campos, a China tem-se destacado pelo recurso às tecnologias e meios de produção mais rentáveis, que não respeitam, como é conhecido, as recomendações das organizações ecologistas. Em particular relevo, encontra-se a produção de energia a partir de combustíveis fósseis, onde o carvão assume papel de negativo destaque, sabendo-se que o carvão representava em 2007, 70% da energia consumida no país [11]. Mesmo assim o governo chinês pôs em prática um agressivo plano para reduzir o impacte desta situação, mesmo em termos de segurança dos trabalhadores dessas minas (4,700 mortes só em 2006) – no dia 14.01.2008, um domingo, as autoridades anunciaram ter encerrado mais de 11,115 pequenas minas no país [12]. Apesar destas notícias, que foram bem recebidas pela comunidade internacional, continuam a surgir mensagens contraditórias que apontam no sentido da intensificação da exploração de carvão em super-minas, num plano que visa a abertura de 2º grandes minas até 2015 [13].
A energia solar
É consensual a ideia de que a exploração da energia solar é solução de futuro. Vários países, como Portugal p.e., anunciaram incentivos aos privados que optem pela instalação de soluções individuais deste tipo. Na Alemanha e no Japão, em particular nos casos da Siemens e da Sharp, os governos instituiram consideráveis apoios para que estas empresas apostassem no desenvolvimento de centrais fotovoltaicas [14], capazes de produzirem energia limpa em quantidade para justificar o interesse de outras indústrias na sua utilização. Gerou-se mesmo a ideia de que estas empresas estariam no topo destes investimentos. Esta é, contudo, uma parte da verdade – a indústria alemã está a deslocalizar esta produção para a China. A Alemanha continua responsável por cerca 50% das instalações de energia solar mundial, mas é a China que produz 50% dos produtos que alimentam esta indústria [15], e parece estar cada vez mais agressiva nesta investida [16].
Até parece que enquanto os países ocidentais continuarem a subsidiar as instalações de paineis solares, a produção chinesa, que exporta 70% do que fabrica, continuará a ser um “negócio da china”.
O sector automóvel
A China é um mercado muito importante para as exportações de carros de todo o mundo, em particular da Alemanha, onde a Audi, Mercedes, e BMW, continuam a alimentar a sede de luxo das novas classes com posses no país, e a VW encontrou um imenso filão no abatecimento de viaturas para a polícia e táxis, como refri em artigo anterior [17].
Mas a China, como já salientei no artigo que mesmo agora citei, já não se limita a ser a fábrica do mundo. Quer mais, aposta em joint-ventures como contrapartida negocial. Digamos que é “pegar ou largar” – quem quiser avançar com os benefícios da produção na China tem de facilitar acesso ao know-how. Pode imaginar-se o que isto significa para as grandes marcas alemãs que não podendo já satisfazer a procura chinesa a partir da Alemanha, e penalizados pelos elevados direitos de importação chineses, têm de instalar fábricas na China. E estamos a falar de AUDI A7, Mercedes S, e BMW 7, topos de gama, portanto.
E que dizer da GM envolvida em dramática luta pela sobrevivência? Estará em posição de exigir algo de significativo das autoridades chinesas? Não, claro.
Releve-se também o que se passa com as novas tecnologias. Conhecem-se os esforços dos grandes construtores no domínio da diminuição, ou messmo, independência dos combustíveis fósseis.
O mundo ainda desconhece uma empresa chinesa produtora de baterias para telemóveis, a BYD – Build Your Dreams [18] – que, a partir de 2003 passou a investir na fabricação de automóveis. Em 2008 iniciou a comercialização do primeiro modelo produzido em massa, e em 2009 vendeu mais de 448 mil carros na China. Uma aventura? Não parece, pois em 2008 Warren Buffet, que não costuma desperdiçar dinheiro, investiu 230 milhões US$ por 10% da BYD.
O feitiço e o feiticeiro
Os empresários de todo o mundo, em particular os alemães, queixam-se do plágio e contra-facção chineses.
Nos subsectores atrás citados, os industriais ocidentais continuam a argumentar que as cópias chinesas são mais baratas porque incorporam componentes de qualidade inferior e não respeitam as regras de segurança.
É por demais conhecido o drama dos produtores de software que não vêm respeitados os direitos de autor como pretendem. Nesta indústria, a situação ainda se torna mais difícil pelo facto da legislação chinesa ser bastante diferente da que se aplica em outros países [19].
No entanto, e apesar de todas as lamentações e protestos, os empresários ocidentais hesitam em levar as companhias chinesas a tribunal, por duas elementares razões: não acreditam nos tribunais locais, e temem eventuais represálias.
Terão algum dia coragem e condições para se retirarem do gigantesco mercado chinês?
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NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-e-o-mundo-em-guerra-pelas.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[3] http://economia.publico.pt/Noticia/desemprego-na-china-afecta-22-por-cento-da-populacao-activa_1455269
[4] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/os-custos-de-producao-na-china.html
[5] Em Junho deste ano, o salário minímo em Pequim passou a ser 960 yuans, um aumento de 20%. Este valor corresponde a cerca de € 114 ou 140 US$, segundo a agência noticiosa Xinhua. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/784733-salario-minimo-chines-continua-subindo-em-2010.shtml
[6] Informações recolhidas em Setembro de 2010 em Wikipedia.
Veja aqui: China negoceia a compra de 150 novos Airbus, que pode chegar a 200, no valor de 16 mil milhões de euros: http://www.oje.pt/noticia.aspx?channelid=C32FD067-0BC2-4366-9A04-208E8B2DB854&contentid=FEA9442D-E537-45E4-927D-E8C704FB5CC1
e aqui, o “dia histórico” da entrega do primeiro Airbus A320 produzido na inteiramente na China: http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/8114464.stm
[7] http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1484433-9356,00-CHINA+SUPERA+ALEMANHA+E+E+O+MAIOR+EXPORTADOR+DO+MUNDO.html
[8] http://www.noticiasautomotivas.com.br/justica-grega-diz-que-chines-noble-nao-e-um-clone-do-smart/
[9] http://www.noticiasautomotivas.com.br/bmw-vence-shuanghuan-ceo-nao-podera-entrar-na-alemanha/
[10] http://www.noticiasautomotivas.com.br/huatai-marca-chinesa-faz-um-clone-do-porsche-cayenne-para-o-salao-de-pequim/
[11] http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u363108.shtml
[12] idem
[13] http://www.capitalvue.com/home/CE-news/inset/%4010063/post/1202723
[14] The Economist tem revelado amiúde os valores suportados pelos contribuintes alemães por efeito da aposta de Angela Merkel na energia foto voltaica. http://www.economist.com/node/15213817%3Fstory_id%3D15213817
Apesar do esforço exigido aos contribuintes alemães, que alguns analistas estimam em € 14 biliões ao longo dos próximos 20 anos, só para os investimentos feitos em 2009, hoje já se questiona parar com esta ajuda, talvez por efeito da própria crise económica que afecta a Alemanha.
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5279253,00.html
[15] http://www.greenchipstocks.com/articles/crabs-are-good-for-you/1057
[16] http://www.gstriatum.com/pt/china-cresceu-150-na-producao-de-modulos-solares/
[17] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-e-o-mundo-alemanha-02.html
[18] http://en.wikipedia.org/wiki/BYD_Auto
[19] http://www.gov.cn/english/laws/2005-08/24/content_25701.htm
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
A China e o Mundo - Alemanha 02
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
15 Setembro de 2010
Da competição feroz à dependência
Já aqui foram referidos, pelo menos por duas vezes, o confronto da Alemanha com a China pelo controlo das matérias-primas mundiais [1], e o impacte positivo do programa Kurzarbeit na contenção dos níveis de desemprego alemão [2].
Hoje quero abordar a importância das exportações alemãs para a China, porque não se trata de mais um canal para a recuperação económica da Alemanha e, como muitos pensam, da Europa no seu conjunto, mas duma componente que se afigura, cada vez mais, como fundamental.
Os surpreendentes indicadores alemães
Apresentar um crescimento trimestral do PIB de 2.2 % no actual contexto europeu é surpreendente. É o melhor resultado desde a reunificação alemã. Em termos pessoais, Angela Merkel, que nasceu na ex-Alemanha Oriental, permitirá uma capitalização que lhe dará enorme força para continuar com as reformas que a chanceler preconiza.
Em termos de exportações a Alemanha não pode competir com a China em preço, mas pode fazê-lo nos domínios da alta tecnologia e da qualidade. Há muito, também, que a Alemanha se apercebeu, e nisso apostou fortemente, que o crescimento chinês iria continuar, arrastando com ele o consumo interno. Se tal se viesse a confirmar a Alemanha queria estar entre os maiores exportadores para a China.
De momento, e pensa-se que por longos anos, a China está carente de produtos que a Alemanha está em condições de fornecer, indispensáveis para o seu crescimento. Entre eles, destacam-se os automóveis, os equipamentos para infra-estruturas industriais e para a produção de energia verde. Este conjunto de produtos representa cerca de um quarto do PIB alemão. Em 2009, a Alemanha vendeu mercadorias ao exterior no valor de 10,728 € per capita, muito à frente da França e duas vezes o valor alcançado pela Itália. É facto que a Alemanha está a tirar partido da baixa do euro, mas esta situação afecta igualmente todos os países europeus. A diferença é que a Alemanha se preparou melhor que os seus vizinhos para a oportunidade que se aproximava, apesar, ou melhor tirando partido, da própria crise.
Este crescimento será sustentável?
Muitos economistas pensam que não, e que a economia alemã irá arrefecer à medida que caminharmos para o fim do ano de 2010, enquanto outros avançam com previsões de crescimento anual de 3 %. No entanto, continuam a vislumbrar-se riscos que podem fazer perigar este optimismo, pois as medidas de austeridade que o governo Merkel pretende impor poderão afectar os níveis de emprego. Os empresários, por seu lado, mostram alguma preocupação com o denominado “milagre económico alemão” ao confrontar-se com o “milagre económico chinês”, invocando mesmo metáfora do abraço do urso ou de pacto com o diabo, ou seja, que a Alemanha venha a ser vítima da potência que está a ajudar a construir.
Entretanto, empresas como a Siemens, a Basf, Mercedes-Benz, BMW, e AUDI aproveitam para escoar produtos topo de gama. Também a VW descobriu um novo filão – os carros da polícia chinesa e os táxis. Poderá facilmente imaginar-se o que significará dominar mercados com tal dimensão.
E o papel dos USA?
A América não vê com bons olhos a relação crescente nos negócios EU-China. Até agora parece haver lugar para todos, mas a China começa a mostrar apreensão com algumas posições político-militares dos USA. No início do Verão deste ano as autoridades norte-americanas chegaram mesmo ao ponto de divulgarem notícias e fotografias que apontavam para as “intenções expansionistas chinesas” [3].
Como seria normal, a China não gostou destas afirmações e desmentiu-as de imediato. Esta notoriedade não é benéfica para os seus negócios, como também não o é a notícia de que o país acabara de ultrapassar o Japão como segunda economia mundial. Neste particular, registe-se que a China continua a beneficiar do estatuto de economia em desenvolvimento, o que não deixa de ser verdade, mas, de facto, já não se justificam apoios para que saia da zona dos países em vias de desenvolvimento, os BRIC como costumam ser designados.
A questão do know-how
O ocidente habitou-se a ver a China como uma enorme fábrica a preços baixos. Mas a China não quer ficar por aqui – exige acesso ao know-how ocidental. Os alemães conhecem bem essa exigência, e começam a sentir as primeiras dificuldades – a China começa a exigir contrapartidas neste domínio para assinar novos acordos comerciais em determinadas áreas. Ceder aqui significa por em risco vantagens competitivas alemãs, e segredos que podem afectar inclusive a segurança nacional. Qual a táctica chinesa? Só assinar parcerias se as empresas alemãs permitirem executivos chineses na direcção de topo das joint-ventures. Esta cedência não é pacífica, nem isenta de acusações graves de espionagem [4].
“A China foi a nossa salvação” [5]
Muitos são os empresários, em particular alemães, que o afirma. O senhor Herrenknecht, dono da empresa alemã do mesmo nome, é o autor da frase em título. A sua empresa é líder mundial na construção de túneis e dispõe de contratos na China por vários anos. Mas a situação pode reverter.
Na China o crescimento pode abrandar, na Alemanha a austeridade vai aumentar, o programa Kurzarbeit tem fim anunciado, os sindicatos não irão por muito mais tempo condescender em aumentos salariais tão limitados.
As empresas alemãs beneficiaram de serem as primeiras europeias a apostarem na nova China. Retiraram enormes vantagens da antecipação e recolheram a maior parte dos 400.000.000.000 € que os chineses investiram em infra-estruturas de apoio à economia.
A grande questão é se o modelo alemão de fazer negócios com a China é sustentável. E, se não for, será que a Alemanha conseguirá a tempo implementar as alternativas que forem viáveis?
Como já referido, a prazo a Alemanha terá de se confrontar com a concorrência da própria China nos seus feudos tradicionais. Sem dúvida que o espectacular crescimento chinês não se limitará a gerar mais mercados para os estrangeiros, o próprio mercado chinês irá passar por evoluções qualitativas.
Se existe economia que terá de se precaver com a China, a Alemanha estará por certo no pelotão da frente.
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NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/sera-que-existem-solucoes-simples-para.html
[3] http://www.economywatch.com/node/4749/ e
http://defensetech.org/2010/05/12/its-springtime-for-chinas-blue-water-navy/
[4] http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2878181,00.html
[5] http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,713478-2,00.html
vitor.trigo@gmail.com
15 Setembro de 2010
Da competição feroz à dependência
Já aqui foram referidos, pelo menos por duas vezes, o confronto da Alemanha com a China pelo controlo das matérias-primas mundiais [1], e o impacte positivo do programa Kurzarbeit na contenção dos níveis de desemprego alemão [2].
Hoje quero abordar a importância das exportações alemãs para a China, porque não se trata de mais um canal para a recuperação económica da Alemanha e, como muitos pensam, da Europa no seu conjunto, mas duma componente que se afigura, cada vez mais, como fundamental.
Os surpreendentes indicadores alemães
Apresentar um crescimento trimestral do PIB de 2.2 % no actual contexto europeu é surpreendente. É o melhor resultado desde a reunificação alemã. Em termos pessoais, Angela Merkel, que nasceu na ex-Alemanha Oriental, permitirá uma capitalização que lhe dará enorme força para continuar com as reformas que a chanceler preconiza.
Em termos de exportações a Alemanha não pode competir com a China em preço, mas pode fazê-lo nos domínios da alta tecnologia e da qualidade. Há muito, também, que a Alemanha se apercebeu, e nisso apostou fortemente, que o crescimento chinês iria continuar, arrastando com ele o consumo interno. Se tal se viesse a confirmar a Alemanha queria estar entre os maiores exportadores para a China.
De momento, e pensa-se que por longos anos, a China está carente de produtos que a Alemanha está em condições de fornecer, indispensáveis para o seu crescimento. Entre eles, destacam-se os automóveis, os equipamentos para infra-estruturas industriais e para a produção de energia verde. Este conjunto de produtos representa cerca de um quarto do PIB alemão. Em 2009, a Alemanha vendeu mercadorias ao exterior no valor de 10,728 € per capita, muito à frente da França e duas vezes o valor alcançado pela Itália. É facto que a Alemanha está a tirar partido da baixa do euro, mas esta situação afecta igualmente todos os países europeus. A diferença é que a Alemanha se preparou melhor que os seus vizinhos para a oportunidade que se aproximava, apesar, ou melhor tirando partido, da própria crise.
Este crescimento será sustentável?
Muitos economistas pensam que não, e que a economia alemã irá arrefecer à medida que caminharmos para o fim do ano de 2010, enquanto outros avançam com previsões de crescimento anual de 3 %. No entanto, continuam a vislumbrar-se riscos que podem fazer perigar este optimismo, pois as medidas de austeridade que o governo Merkel pretende impor poderão afectar os níveis de emprego. Os empresários, por seu lado, mostram alguma preocupação com o denominado “milagre económico alemão” ao confrontar-se com o “milagre económico chinês”, invocando mesmo metáfora do abraço do urso ou de pacto com o diabo, ou seja, que a Alemanha venha a ser vítima da potência que está a ajudar a construir.
Entretanto, empresas como a Siemens, a Basf, Mercedes-Benz, BMW, e AUDI aproveitam para escoar produtos topo de gama. Também a VW descobriu um novo filão – os carros da polícia chinesa e os táxis. Poderá facilmente imaginar-se o que significará dominar mercados com tal dimensão.
E o papel dos USA?
A América não vê com bons olhos a relação crescente nos negócios EU-China. Até agora parece haver lugar para todos, mas a China começa a mostrar apreensão com algumas posições político-militares dos USA. No início do Verão deste ano as autoridades norte-americanas chegaram mesmo ao ponto de divulgarem notícias e fotografias que apontavam para as “intenções expansionistas chinesas” [3].
Como seria normal, a China não gostou destas afirmações e desmentiu-as de imediato. Esta notoriedade não é benéfica para os seus negócios, como também não o é a notícia de que o país acabara de ultrapassar o Japão como segunda economia mundial. Neste particular, registe-se que a China continua a beneficiar do estatuto de economia em desenvolvimento, o que não deixa de ser verdade, mas, de facto, já não se justificam apoios para que saia da zona dos países em vias de desenvolvimento, os BRIC como costumam ser designados.
A questão do know-how
O ocidente habitou-se a ver a China como uma enorme fábrica a preços baixos. Mas a China não quer ficar por aqui – exige acesso ao know-how ocidental. Os alemães conhecem bem essa exigência, e começam a sentir as primeiras dificuldades – a China começa a exigir contrapartidas neste domínio para assinar novos acordos comerciais em determinadas áreas. Ceder aqui significa por em risco vantagens competitivas alemãs, e segredos que podem afectar inclusive a segurança nacional. Qual a táctica chinesa? Só assinar parcerias se as empresas alemãs permitirem executivos chineses na direcção de topo das joint-ventures. Esta cedência não é pacífica, nem isenta de acusações graves de espionagem [4].
“A China foi a nossa salvação” [5]
Muitos são os empresários, em particular alemães, que o afirma. O senhor Herrenknecht, dono da empresa alemã do mesmo nome, é o autor da frase em título. A sua empresa é líder mundial na construção de túneis e dispõe de contratos na China por vários anos. Mas a situação pode reverter.
Na China o crescimento pode abrandar, na Alemanha a austeridade vai aumentar, o programa Kurzarbeit tem fim anunciado, os sindicatos não irão por muito mais tempo condescender em aumentos salariais tão limitados.
As empresas alemãs beneficiaram de serem as primeiras europeias a apostarem na nova China. Retiraram enormes vantagens da antecipação e recolheram a maior parte dos 400.000.000.000 € que os chineses investiram em infra-estruturas de apoio à economia.
A grande questão é se o modelo alemão de fazer negócios com a China é sustentável. E, se não for, será que a Alemanha conseguirá a tempo implementar as alternativas que forem viáveis?
Como já referido, a prazo a Alemanha terá de se confrontar com a concorrência da própria China nos seus feudos tradicionais. Sem dúvida que o espectacular crescimento chinês não se limitará a gerar mais mercados para os estrangeiros, o próprio mercado chinês irá passar por evoluções qualitativas.
Se existe economia que terá de se precaver com a China, a Alemanha estará por certo no pelotão da frente.
________________________________________
NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/sera-que-existem-solucoes-simples-para.html
[3] http://www.economywatch.com/node/4749/ e
http://defensetech.org/2010/05/12/its-springtime-for-chinas-blue-water-navy/
[4] http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2878181,00.html
[5] http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,713478-2,00.html
domingo, 12 de setembro de 2010
SOFT SKILLS e AVALIAÇÃO, Revisitando Pareto
Por Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
12 Setembro de 2010
Lidar com pessoas exige competências específicas, cuja aprendizagem não se pode confinar aos ensinamentos técnicos recolhidos na escola do modelo tradicional. Já o afirmei neste espaço de reflexão, pelo que não cabe aqui nova explanação sobre o tema. [1] [2]
Sou igualmente fervoroso adepto da sistematização de processos que libertem tempo para actividades criativas e inovadoras, em oposição ao escrupuloso cumprimento de regras desconexas, quase sempre excessivamente burocráticas.
Este artigo focaliza-se na conciliação de algo bem racional, a regra de Pareto, com práticas relacionais, portanto comportamentais. A primeira incluo-a no domínio técnico-racional (Hard Skills), e as segundas no espaço qualitativo-emocional (Soft Skills).
Lei de Pareto? A que propósito?
Chamemos-lhe Lei, Regra, ou Princípio de Pareto. Marketers e gestores de vendas conhecem-na bem. Ela traduz a ideia de que 80% das consequências tem origem em 20% das causas.
Por exemplo, “dita” que 80% das receitas provêem de 20% do portefólio dos produtos vendáveis, ou que 80% dos encargos se devem a 20% das fontes de consumo de recursos. Há quem afirme que não se pode generalizar desta forma. Proponho-lhe por isso que proceda à análise de umas quantas áreas de actividade que conheça bem, em busca desta confirmação e que retire as suas próprias conclusões.
Experimente a confirmar se 80% das reclamações dos seus clientes se situam, ou não, em 20% dos produtos que lhes fornece. Ou se, 80% do volume dos seus negócios estão, ou não, sob a responsabilidade de 20% dos seus empregados. Ou se, os seus “melhores colaboradores” correspondem, ou não, a 20% do total dos seus empregados. Podia estender a ideia a outras áreas, mas creio que basta para introduzir a matéria.
A tentação é evidente: Será de esperar que os resultados da aplicação dos programas de avaliação de desempenho se distribuam de acordo com a Lei de Pareto?
Creio que a maioria dos empresários afirmará que a fatia mais importante dos seus negócios está sob a responsabilidade duma pequena parte dos seus colaboradores, Mas que parte corresponde a quê? A vinte por cento?
O activo mais importante das empresas
Quando se questiona um gestor acerca do que considera ser o factor crítico de diferenciação da sua empresa, capaz de constituir vantagem competitiva sustentável, é habitual recolher-se a seguinte resposta – os meus recursos humanos.
É bonito, é motivador, emite uma imagem bem positiva, é muitas vezes verdade, mas arrisca-se, por repetição, a soar como surdina (buzzword).
Pessoalmente, prefiro responder que são as pessoas e também os clientes [3]. Esta resposta ainda me impele mais à busca da correlação 80/20 quando da distribuição das classificações de desempenho dos colaboradores duma empresa.
Precise-se aqui esta afirmação, a fim de evitar equívocos – o que estou a dizer é que após a aplicação dos critérios e métricas apropriados não ficaria admirado se a regra 80/20 se verificasse. Irei até um pouco mais longe – se a distribuição 80/20 não for evidente, não se sentiria tentado a forçá-la, tão pouco duvidaria dos procedimentos empregues, mas não hesitaria em aproveitar os resultados para proceder ao estudo sobre a adequabilidade dos métodos e métricas à situação em causa.
Exagero? Não, simplesmente uma consequência de muitos anos de prática em Processos de Gestão de Desempenho e Procedimentos de Avaliação de Desempenho.
Talentos e Empecilhos
A captação, desenvolvimento, e retenção de talentos é uma preocupação permanente das empresas de sucesso. No entanto, os decisores cometem amiúde o erro crasso de esperar que os talentos sejam indivíduos com comportamentos absolutamente normais, a que acrescentam desempenhos excepcionais. Da minha experiência retiro a opinião contrária – em regra, os talentos são indivíduos que interiorizam atitudes superiores, baseadas em valores e princípios consistentes, e são elas que os conduzem aos comportamentos e resultados excepcionais que exteriorizam e atingem. Assim sendo, estabelecer aprioristicamente onde se situa a fronteira entre um talento e um criador de problemas pode não ser tarefa fácil, e o erro ocorre por efeito perverso que as primeiras impressões encerram.
O talento é normalmente um desalinhado, em geral um passo à frente dos outros. É entre eles que se encontram os futuros profissionais de excelência e os futuros líderes.
Esta dupla saída é essencial. Conheci demasiados casos de excelentes profissionais que, por via da “promoção” a chefe, resultaram em líderes inadaptados, confundidos, ineficazes. Um duplo prejuízo, portanto. Como se dizia nos corredores – “Perdeu-se um óptimo profissional, ganhou-se um mau manager”.
A identificação precoce das competências atitudinais das pessoas é crucial. Esta análise não exclui a pesquisa de competências técnicas, indispensáveis ao desempenho da função actual, mas é-lhe complementar na prospecção de resultados a atingir e futura carreira profissional, por ser bom preditor dos comportamentos futuros.
Ser justo implica reconhecer e avaliar as diferenças
É fundamental identificar quem são os talentos, os profissionais regulares, e os criadores de problemas (trouble makers). O leitor terá reparado na diferente semântica – atrás empecilhos, agora criadores de problemas. Foi intencional. O empecilho, ou mesmo o profissional que cumpre fora das condições previstas, ou não cumpre de todo, acaba por ser uma fonte de problemas, Ele pode nem se aperceber, mas acaba por se tornar num problema para si próprio e para a organização, e, por inerência, para os companheiros também.
Quando identificados, os talentos devem ser apoiados, desenvolvidos, e aliciados a não partirem, e os empecilhos devem ser chamados à razão na hora, testados noutras funções, ou deixar que abandonem em busca de ambientes diferentes.
É por isso que, sem posições dogmáticas, percebo tão bem os modelos de distribuição de avaliações que prevêem que os resultados finais globais não excedam 20 % nas franjas extremas das classificações totais. Por outras palavras, em circunstâncias normais, 80% das pessoas devem “cumprir” com os objectivos assumidos, e da forma que se espera.
Impõem-se três esclarecimentos:
1. Os objectivos foram estabelecidos segundo o princípio DREAM [4];
2. A curva de resultados de avaliação de desempenho será uma curva de Gauss, regular, ou seja, a média coincide com a mediana;
3. Que, como consequência de 2, os resultados excelentes e bons deverão rondar 10% da população total. Idênticos valores se deverão espera para os que não “cumpriram” com as expectativas.
Gestão de pessoas e gestão do próprio tempo
Por vezes diz-se que se gasta tempo com uns e se investe tempo com outros. O tempo empregue com os empecilhos cabe bem na primeira categoria. Tempo utilizado no apoio a talentos insere-se no conceito de investimento.
Uns e outros têm de perceber que o número de horas disponíveis para o expediente é fixo. Há por isso que o gerir bem, e a Lei de Pareto volta a ajudar.
Não arrisco aconselhar um horário fixo, mas ouso dizer que se todos os intervenientes perceberem qual é o critério de distribuição de tempos, todos terão a ganhar.
Sempre me dei bem com o seguinte esquema, obviamente flexível:
- Procurei que as tarefas atribuídas às pessoas que a mim se reportavam não ultrapassassem 80% do tempo de expediente, convidando-os a utilizarem os restantes 20% em actividades de estudo e desenvolvimento pessoal;
- Tentei disponibilizar para mim 20% do tempo de expediente, reservando-os para afazeres individuais, como formação e desenvolvimento, e atenção às questões dos elementos do grupo.
O leitor reparou como Pareto pareceu sempre intrometer-se nesta conversa?
Foi nessa certeza que iniciei este artigo.
_________________________________________
NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/soft-skills-o-desafio-ganhar_3887.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/soft-skills-uma-tentativa-de-roteiro.html
[3] Jack Wech costuma dizer que “Não são as empresas que criam e mantêm postos de trabalho, são os clientes”.
[4] DREAM, é um acrónimo que significa que os objectivos devem ser: Datados, Realizáveis, Específicos, Ambiciosos, e Mensuráveis.
vitor.trigo@gmail.com
12 Setembro de 2010
Lidar com pessoas exige competências específicas, cuja aprendizagem não se pode confinar aos ensinamentos técnicos recolhidos na escola do modelo tradicional. Já o afirmei neste espaço de reflexão, pelo que não cabe aqui nova explanação sobre o tema. [1] [2]
Sou igualmente fervoroso adepto da sistematização de processos que libertem tempo para actividades criativas e inovadoras, em oposição ao escrupuloso cumprimento de regras desconexas, quase sempre excessivamente burocráticas.
Este artigo focaliza-se na conciliação de algo bem racional, a regra de Pareto, com práticas relacionais, portanto comportamentais. A primeira incluo-a no domínio técnico-racional (Hard Skills), e as segundas no espaço qualitativo-emocional (Soft Skills).
Lei de Pareto? A que propósito?
Chamemos-lhe Lei, Regra, ou Princípio de Pareto. Marketers e gestores de vendas conhecem-na bem. Ela traduz a ideia de que 80% das consequências tem origem em 20% das causas.
Por exemplo, “dita” que 80% das receitas provêem de 20% do portefólio dos produtos vendáveis, ou que 80% dos encargos se devem a 20% das fontes de consumo de recursos. Há quem afirme que não se pode generalizar desta forma. Proponho-lhe por isso que proceda à análise de umas quantas áreas de actividade que conheça bem, em busca desta confirmação e que retire as suas próprias conclusões.
Experimente a confirmar se 80% das reclamações dos seus clientes se situam, ou não, em 20% dos produtos que lhes fornece. Ou se, 80% do volume dos seus negócios estão, ou não, sob a responsabilidade de 20% dos seus empregados. Ou se, os seus “melhores colaboradores” correspondem, ou não, a 20% do total dos seus empregados. Podia estender a ideia a outras áreas, mas creio que basta para introduzir a matéria.
A tentação é evidente: Será de esperar que os resultados da aplicação dos programas de avaliação de desempenho se distribuam de acordo com a Lei de Pareto?
Creio que a maioria dos empresários afirmará que a fatia mais importante dos seus negócios está sob a responsabilidade duma pequena parte dos seus colaboradores, Mas que parte corresponde a quê? A vinte por cento?
O activo mais importante das empresas
Quando se questiona um gestor acerca do que considera ser o factor crítico de diferenciação da sua empresa, capaz de constituir vantagem competitiva sustentável, é habitual recolher-se a seguinte resposta – os meus recursos humanos.
É bonito, é motivador, emite uma imagem bem positiva, é muitas vezes verdade, mas arrisca-se, por repetição, a soar como surdina (buzzword).
Pessoalmente, prefiro responder que são as pessoas e também os clientes [3]. Esta resposta ainda me impele mais à busca da correlação 80/20 quando da distribuição das classificações de desempenho dos colaboradores duma empresa.
Precise-se aqui esta afirmação, a fim de evitar equívocos – o que estou a dizer é que após a aplicação dos critérios e métricas apropriados não ficaria admirado se a regra 80/20 se verificasse. Irei até um pouco mais longe – se a distribuição 80/20 não for evidente, não se sentiria tentado a forçá-la, tão pouco duvidaria dos procedimentos empregues, mas não hesitaria em aproveitar os resultados para proceder ao estudo sobre a adequabilidade dos métodos e métricas à situação em causa.
Exagero? Não, simplesmente uma consequência de muitos anos de prática em Processos de Gestão de Desempenho e Procedimentos de Avaliação de Desempenho.
Talentos e Empecilhos
A captação, desenvolvimento, e retenção de talentos é uma preocupação permanente das empresas de sucesso. No entanto, os decisores cometem amiúde o erro crasso de esperar que os talentos sejam indivíduos com comportamentos absolutamente normais, a que acrescentam desempenhos excepcionais. Da minha experiência retiro a opinião contrária – em regra, os talentos são indivíduos que interiorizam atitudes superiores, baseadas em valores e princípios consistentes, e são elas que os conduzem aos comportamentos e resultados excepcionais que exteriorizam e atingem. Assim sendo, estabelecer aprioristicamente onde se situa a fronteira entre um talento e um criador de problemas pode não ser tarefa fácil, e o erro ocorre por efeito perverso que as primeiras impressões encerram.
O talento é normalmente um desalinhado, em geral um passo à frente dos outros. É entre eles que se encontram os futuros profissionais de excelência e os futuros líderes.
Esta dupla saída é essencial. Conheci demasiados casos de excelentes profissionais que, por via da “promoção” a chefe, resultaram em líderes inadaptados, confundidos, ineficazes. Um duplo prejuízo, portanto. Como se dizia nos corredores – “Perdeu-se um óptimo profissional, ganhou-se um mau manager”.
A identificação precoce das competências atitudinais das pessoas é crucial. Esta análise não exclui a pesquisa de competências técnicas, indispensáveis ao desempenho da função actual, mas é-lhe complementar na prospecção de resultados a atingir e futura carreira profissional, por ser bom preditor dos comportamentos futuros.
Ser justo implica reconhecer e avaliar as diferenças
É fundamental identificar quem são os talentos, os profissionais regulares, e os criadores de problemas (trouble makers). O leitor terá reparado na diferente semântica – atrás empecilhos, agora criadores de problemas. Foi intencional. O empecilho, ou mesmo o profissional que cumpre fora das condições previstas, ou não cumpre de todo, acaba por ser uma fonte de problemas, Ele pode nem se aperceber, mas acaba por se tornar num problema para si próprio e para a organização, e, por inerência, para os companheiros também.
Quando identificados, os talentos devem ser apoiados, desenvolvidos, e aliciados a não partirem, e os empecilhos devem ser chamados à razão na hora, testados noutras funções, ou deixar que abandonem em busca de ambientes diferentes.
É por isso que, sem posições dogmáticas, percebo tão bem os modelos de distribuição de avaliações que prevêem que os resultados finais globais não excedam 20 % nas franjas extremas das classificações totais. Por outras palavras, em circunstâncias normais, 80% das pessoas devem “cumprir” com os objectivos assumidos, e da forma que se espera.
Impõem-se três esclarecimentos:
1. Os objectivos foram estabelecidos segundo o princípio DREAM [4];
2. A curva de resultados de avaliação de desempenho será uma curva de Gauss, regular, ou seja, a média coincide com a mediana;
3. Que, como consequência de 2, os resultados excelentes e bons deverão rondar 10% da população total. Idênticos valores se deverão espera para os que não “cumpriram” com as expectativas.
Gestão de pessoas e gestão do próprio tempo
Por vezes diz-se que se gasta tempo com uns e se investe tempo com outros. O tempo empregue com os empecilhos cabe bem na primeira categoria. Tempo utilizado no apoio a talentos insere-se no conceito de investimento.
Uns e outros têm de perceber que o número de horas disponíveis para o expediente é fixo. Há por isso que o gerir bem, e a Lei de Pareto volta a ajudar.
Não arrisco aconselhar um horário fixo, mas ouso dizer que se todos os intervenientes perceberem qual é o critério de distribuição de tempos, todos terão a ganhar.
Sempre me dei bem com o seguinte esquema, obviamente flexível:
- Procurei que as tarefas atribuídas às pessoas que a mim se reportavam não ultrapassassem 80% do tempo de expediente, convidando-os a utilizarem os restantes 20% em actividades de estudo e desenvolvimento pessoal;
- Tentei disponibilizar para mim 20% do tempo de expediente, reservando-os para afazeres individuais, como formação e desenvolvimento, e atenção às questões dos elementos do grupo.
O leitor reparou como Pareto pareceu sempre intrometer-se nesta conversa?
Foi nessa certeza que iniciei este artigo.
_________________________________________
NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/soft-skills-o-desafio-ganhar_3887.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/soft-skills-uma-tentativa-de-roteiro.html
[3] Jack Wech costuma dizer que “Não são as empresas que criam e mantêm postos de trabalho, são os clientes”.
[4] DREAM, é um acrónimo que significa que os objectivos devem ser: Datados, Realizáveis, Específicos, Ambiciosos, e Mensuráveis.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Será Que Existem Soluções Simples para Problemas Complexos? Kurzarbeit
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
07 Setembro de 2010
Sou de opinião que quem imagina que o capitalismo é um sistema auto-regulável está distante da realidade. Acho que o capitalismo, na sua génese, é um sistema autofágico. Não é sequer necessário recorrer a teses marxistas para lhe advogar esta característica. Basta olhar para a sua história, as cíclicas crises que o assolaram, ou consultar as mais elementares regras dos ciclos económicos.
Ao mesmo tempo, o capitalismo tem revelado uma extraordinária capacidade para superar as crises que o têm insistentemente afectado e alimentar-se delas. É a teoria “risco/recompensa” na sua mais conseguida materialização.
Fora desta reflexão está o interessante sobre se o capitalismo pode ou não reformular-se ou reinventar-se como outros princípios e valores. É este capitalismo, como o conhecemos, que aqui se discute, através de possíveis soluções que se apontam como capazes de lidar com a actual crise.
A Crise de 2008 e a resposta alemã
O que começou por parecer uma crise financeira localizada, cedo se revelou uma profunda crise económica a nível global. Cada país procurou encontrar soluções. A Alemanha, locomotiva do desenvolvimento europeu, avançou com o programa Kurzarbeit, já referido noutro artigo deste repositório [1]. Em alemão Kurzar significa curto prazo e beit quer dizer cooperação. Trata-se de um programa de redução do tempo de trabalho e dos salários, em vez do clássico lay-off ou mesmo encerramento definitivo da actividade.
“Mais vale um pássaro na mão que dois a voar”, poderá ter sido, eventualmente, a mensagem que passou para os trabalhadores e sindicatos. E pegou.
O conceito, numa sociedade evoluída e rica, é aliciante – os trabalhadores passam a receber até 80% do vencimento se aceitarem reduções de actividade até 50%. Condições adaptáveis ao ramo, portanto. [2]
As empresas na Alemanha já podiam aceder a subsídios governamentais para criação de empregos temporários de seis meses. Em 2009, a novidade foi a extensão deste programa primeiro a 24 meses, depois até Junho de 2011, e, posteriormente até Junho de 2013 nalguns casos.
O programa prevê ajuste e compensações a nível de impostos a pagar tanto pelas empresas como pelos trabalhadores.
Donde vêm as receitas para financiar o programa Kurzarbeit?
Com um programa desta natureza o governo deixa de ter de pagar os subsídios de desemprego que de outra forma teria de suportar caso os trabalhadores viessem a ser despedidos. Estamos a falar de 1.5 milhões de trabalhadores que aderiram ao programa, um número bastante significativo.
Os economistas tipificam as crises como: tipo V, se a queda é rápida e a saída se prevê igualmente rápida e em força; tipo U, quando a queda é rápida e a saída se perspectiva como rápida mas precisando de algum tempo para que ocorra; e tipo L, quando a queda é súbita, e a persistência em baixa não permite vislumbrar se e quando a recuperação virá a ocorrer.
A Alemanha é um país desenvolvido, plena de indústrias evoluídas, com trabalhadores qualificados. Perder conhecimentos por inactividade das forças de trabalho é um perigo evidente – e quando a crise passar recorreremos a quem? Questionaram os industriais. Pressupondo que a actual crise pudesse ser do tipo V ou mesmo U, valia a pena correr o risco de manter postos de trabalho activos capazes de responderem imediatamente quando a procura do mercado recuperasse.
O mesmo raciocínio já não se pode aplicar a economias mais débeis e baseadas em mão-de-obra barata e pouco qualificada como a Espanha e Portugal. Com fortes componentes nas indústrias de construção civil e outras notoriamente a caminho da obsolescência quem poderia apostar em manter postos de trabalho destinados, na prática, ao encerramento. Essa foi a principal razão porque o êxito alemão, ainda por provar se a crise não se resolver rapidamente, não pode ser generalizado.
A questão também é política?
É claro que é.
Trabalhadores ocupados, ainda que com tempos de laboração encurtados e limitados no tempo, evitam problemas sociais e mantêm a dignidade humana a níveis aceitáveis. De facto, não podemos esquecer que vivemos numa sociedade onde o trabalho, para além de fonte de fonte de rendimentos, é um estatuto social. Por outras palavras, uma sociedade onde o “ter” por vezes ultrapassado o “ser”.
Mas, se a solução resultou na Alemanha, país industrializado, de mão-de-obra qualificada, porque não pode ser aplicada nos USA arquétipo da industrialização, onde o desemprego já ameaça os 10%?
A resposta é dada por Paul Krugman num elucidativo artigo inserido na sua coluna “A consciência de um liberal” [3]:
- Alemanha e USA não enfrentam problemas comparáveis: A Alemanha apresenta resultados piores em termos crescimento do PIB, e os USA portam-se pior em termos de controlo do desemprego, e estes dois índices não podem ser analisados um sem o outro, para mais conhecendo-se as tradições laborais americanas;
- “Nem as leis laborais alemãs nem os seus poderosos sindicatos encaram os trabalhadores como custos variáveis, como é prática nos USA”
Sintomática esta frase na boca dum liberal, não é?
_________________________________________
NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[2] A Holanda implementou um programa idêntico designado ATV, ou arbeidstijdverkorting
[3] http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/09/02/kurzarbeit/
vitor.trigo@gmail.com
07 Setembro de 2010
Sou de opinião que quem imagina que o capitalismo é um sistema auto-regulável está distante da realidade. Acho que o capitalismo, na sua génese, é um sistema autofágico. Não é sequer necessário recorrer a teses marxistas para lhe advogar esta característica. Basta olhar para a sua história, as cíclicas crises que o assolaram, ou consultar as mais elementares regras dos ciclos económicos.
Ao mesmo tempo, o capitalismo tem revelado uma extraordinária capacidade para superar as crises que o têm insistentemente afectado e alimentar-se delas. É a teoria “risco/recompensa” na sua mais conseguida materialização.
Fora desta reflexão está o interessante sobre se o capitalismo pode ou não reformular-se ou reinventar-se como outros princípios e valores. É este capitalismo, como o conhecemos, que aqui se discute, através de possíveis soluções que se apontam como capazes de lidar com a actual crise.
A Crise de 2008 e a resposta alemã
O que começou por parecer uma crise financeira localizada, cedo se revelou uma profunda crise económica a nível global. Cada país procurou encontrar soluções. A Alemanha, locomotiva do desenvolvimento europeu, avançou com o programa Kurzarbeit, já referido noutro artigo deste repositório [1]. Em alemão Kurzar significa curto prazo e beit quer dizer cooperação. Trata-se de um programa de redução do tempo de trabalho e dos salários, em vez do clássico lay-off ou mesmo encerramento definitivo da actividade.
“Mais vale um pássaro na mão que dois a voar”, poderá ter sido, eventualmente, a mensagem que passou para os trabalhadores e sindicatos. E pegou.
O conceito, numa sociedade evoluída e rica, é aliciante – os trabalhadores passam a receber até 80% do vencimento se aceitarem reduções de actividade até 50%. Condições adaptáveis ao ramo, portanto. [2]
As empresas na Alemanha já podiam aceder a subsídios governamentais para criação de empregos temporários de seis meses. Em 2009, a novidade foi a extensão deste programa primeiro a 24 meses, depois até Junho de 2011, e, posteriormente até Junho de 2013 nalguns casos.
O programa prevê ajuste e compensações a nível de impostos a pagar tanto pelas empresas como pelos trabalhadores.
Donde vêm as receitas para financiar o programa Kurzarbeit?
Com um programa desta natureza o governo deixa de ter de pagar os subsídios de desemprego que de outra forma teria de suportar caso os trabalhadores viessem a ser despedidos. Estamos a falar de 1.5 milhões de trabalhadores que aderiram ao programa, um número bastante significativo.
Os economistas tipificam as crises como: tipo V, se a queda é rápida e a saída se prevê igualmente rápida e em força; tipo U, quando a queda é rápida e a saída se perspectiva como rápida mas precisando de algum tempo para que ocorra; e tipo L, quando a queda é súbita, e a persistência em baixa não permite vislumbrar se e quando a recuperação virá a ocorrer.
A Alemanha é um país desenvolvido, plena de indústrias evoluídas, com trabalhadores qualificados. Perder conhecimentos por inactividade das forças de trabalho é um perigo evidente – e quando a crise passar recorreremos a quem? Questionaram os industriais. Pressupondo que a actual crise pudesse ser do tipo V ou mesmo U, valia a pena correr o risco de manter postos de trabalho activos capazes de responderem imediatamente quando a procura do mercado recuperasse.
O mesmo raciocínio já não se pode aplicar a economias mais débeis e baseadas em mão-de-obra barata e pouco qualificada como a Espanha e Portugal. Com fortes componentes nas indústrias de construção civil e outras notoriamente a caminho da obsolescência quem poderia apostar em manter postos de trabalho destinados, na prática, ao encerramento. Essa foi a principal razão porque o êxito alemão, ainda por provar se a crise não se resolver rapidamente, não pode ser generalizado.
A questão também é política?
É claro que é.
Trabalhadores ocupados, ainda que com tempos de laboração encurtados e limitados no tempo, evitam problemas sociais e mantêm a dignidade humana a níveis aceitáveis. De facto, não podemos esquecer que vivemos numa sociedade onde o trabalho, para além de fonte de fonte de rendimentos, é um estatuto social. Por outras palavras, uma sociedade onde o “ter” por vezes ultrapassado o “ser”.
Mas, se a solução resultou na Alemanha, país industrializado, de mão-de-obra qualificada, porque não pode ser aplicada nos USA arquétipo da industrialização, onde o desemprego já ameaça os 10%?
A resposta é dada por Paul Krugman num elucidativo artigo inserido na sua coluna “A consciência de um liberal” [3]:
- Alemanha e USA não enfrentam problemas comparáveis: A Alemanha apresenta resultados piores em termos crescimento do PIB, e os USA portam-se pior em termos de controlo do desemprego, e estes dois índices não podem ser analisados um sem o outro, para mais conhecendo-se as tradições laborais americanas;
- “Nem as leis laborais alemãs nem os seus poderosos sindicatos encaram os trabalhadores como custos variáveis, como é prática nos USA”
Sintomática esta frase na boca dum liberal, não é?
_________________________________________
NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[2] A Holanda implementou um programa idêntico designado ATV, ou arbeidstijdverkorting
[3] http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/09/02/kurzarbeit/
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
A China e o Mundo em Guerra pelas Matérias-Primas
Por: Vitor M. Trigo
vítor.trigo@gmail.com
03 Setembro de 2010
Para conduzir um país a um crescimento consistente de dois dígitos anos a fio, há que planear bem – conceber estratégias e ser capaz de as por no terreno. É o que a China está a fazer há tempo. O despontar da China como potência mundial não é fruto do acaso.
A China não dispõe de matérias-primas nem fontes de energia em quantidade suficiente para sustentar este crescimento, pelo que tem de as adquirir no exterior. Não é a única nação a fazê-lo. Tem de enfrentar concorrência feroz, mas, ciente das dificuldades fá-lo de forma bastante peculiar.
O mundo ocidental habituou-se a tirar partido das antigas relações coloniais, procurando perpetuar vantagens de que já não dispõe. A China, que não tem passado colonialista, optou pela via de parcerias sem resquícios de prepotência, de preferência estado-a-estado sempre que for possível ou, em alternativa, fixando acordos com empresas estatais. Só em última instância negoceia com multinacionais. É desta forma que a China tem vindo a conquistar ex-feudos de americanos e alemães, nomeadamente na América do Sul e em África, onde os países estavam saturados de posições negociais sobranceiras. Tudo isto é articulado com uma peculiar política de divisas, em especial no que se refere à cotação do yuan.
É disto que o presente artigo trata.
Estratégia significa planificação a longo prazo
Como parece difícil aos políticos ocidentais estabelecerem políticas a 10 ou 20 anos, quando foram eleitos para mandatos de 4 ou 5. A China não sofre dessa debilidade, colhe vantagens da estabilidade política de que desfruta. Planeia e cumpre. Poderá comentar-se e contestar-se a legitimidade democrática que permite esta continuidade tão persistente, mas este não é objecto deste artigo, pelo que não encontrará aqui espaço.
É claro que as fortes tradições chinesas constituem contratempos de monta, em especial para os estrangeiros que pretendem fixar os seus negócios na China, situação que as autoridades actuais parecem querer contornar através de medidas pragmáticas que se impõem.
Está distante a China de Marco Polo, presa fácil das artimanhas dos comerciantes venezianos. Hoje a China sabe exigir a quem quer investir no seu território, e lidar com os seus pares nas praças internacionais.
A China tem um objectivo estratégico inequívoco – a sustentabilidade energética e o acesso continuado e crescente às matérias-primas de que necessita. O apoio às empresas estrangeiras que têm permitido o exponencial crescimento chinês é meramente instrumental.
Vejamos, então, com alguns exemplos como a estratégia chinesa para cada um dos pilares está ser colocada no terreno.
A estratégia da China para a energia
A China possui planos bem definidos, por vezes a mais de 30 anos, para garantir o acesso ao petróleo, gás natural, carvão e urânio. Como referido, as relações comerciais preferenciais que estabelece são estado-a-estado ou com empresas estatais, o que facilita esta metodologia pouco cara às multinacionais. O espaço de manobra é global e o país não se deixa intimidar com possíveis obstáculos de natureza não comercial. Assim, não hesita em estabelecer fortes parcerias multidisciplinares com regimes censurados pela ONU e por partes significativas da comunidade internacional (Sudão, Gabão, Congo, Angola, Cuba, ou Venezuela), em aceitar preços de compra considerados acima do mercado (Sudão, ou Brasil) eliminando possíveis concorrentes graças às incomensuráveis somas de dólares de que dispõe, em operar em territórios onde as práticas de exploração de recursos humanos incluem o controlo armado dos trabalhadores (Nigéria, ou Sudão). A China também não hesita em estabelecer relações com países (Irão, Iraque, Venezuela, ou Cuba) desafiando os interesses políticos norte-americanos. E é claro que estes negócios incluem venda de armas e tecnologia militar, mesmo a países envolvidos em guerras hediondas e confrontos étnicos.
Business is Business.
Eis alguns exemplos:
- A SINOPEC [1] contratou a aquisição de 100 mil milhões de dólares de gás ao Irão por um período de 30 anos, comprometendo-se a colaborar no desenvolvimento da indústria petrolífera deste país;
- A China assinou acordos de pagamento de importações chinesas para a Venezuela a serem pagos por 20 mil milhões de dólares de produtos petrolíferos exportados para a China. Este acordo inclui o estatuto de parceiro preferencial concedido à China para explorar novas jazidas de gás [2];
- Parceira para pesquisa petrolífera e construção de oleodutos no Brasil. Analistas consideraram que os valores envolvidos atingiram o triplo do valor razoável de mercado [3];
- Acordo sino-japonês para a compra de petróleo siberiano. Registe-se que, a partir de 2005, a China ultrapassou a quota do Japão na aquisição de petróleo da Sibéria. O pipeline que irá transportar cerca de 15 milhões de toneladas de petróleo russo por ano e o contrato de fornecimento do combustível foi assinado, em 28 Agosto de 2010, por um prazo de 20 anos [4];
- Acordo de cooperação da SINOPEC com a Sonatrach (a companhia argelina de investigação para a exploração petrolífera [5];
- Acordo com a Austrália no domínio da pesquisa e exploração de jazigos de urânio, fundamentais para a concretização da rede de centrais nucleares chinesas em construção [6];
- Parceria estratégica com a BHP na tentativa de domínio do mercado mundial de carvão de coque (a BHP detém uma quota de 30% do comércio mundial de carvão) [7].
A estratégia da China para os metais (matérias-primas)
A estratégia chinesa para as matérias-primas é semelhante à adoptada para a vertente energética [8] - Objectivos de longo prazo. Os chineses facultam tecnologia para o desenvolvimento dos países onde querem obter matérias-primas, procurando parcerias directas com os estados ou empresas estatais, cuidando da não interferência política, no que se distanciam dos seus concorrentes, nomeadamente os USA. Esta faceta não colonizadora é muito apreciada pelos países de menor poderio internacional.
Aqui estão alguns exemplos:
- Cobre: A empresa chinesa Minemetals acordou com o grupo chileno Codelco, que produz 12% do cobre mundial, um contracto de 2 mil milhões de dólares, pelo fornecimento anual de 25,000 toneladas de cobre. Este acordo prevê também a opção de compra de mais 150,000 toneladas noutras minas chilenas [9] [10];
- Níquel: Acordo entre Cuba e China para a extracção e a produção de níquel em Cuba [11]. Nesta iniciativa está também envolvida a Venezuela que colabora com Cuba na construção das fábricas transformadoras ;
- Minério de ferro: Neste mercado a China abriu uma excepção (a tal foi obrigada por ausência de alternativas), e estabeleceu acordos com multinacionais, em especial as anglo-australianas BHP e a Rio Tinto [12];
- Alumínio: A China patrocinou um consórcio para produção de alumínio com os Citigroup e a Alcoa, entre outros parceiros [13].
A estratégia da China para o yuan
Como já foi referido, a China tem vindo a ser inundada por torrente incríveis de dólares, há muitos anos. Esta situação permiti-lhe um desafogo financeiro tremendo, permitindo-lhe oferecer condições inatingíveis pelos concorrentes mercados internacionais. Os outros países têm vindo, por isso, a pressionar as autoridades chinesas para que reavaliem o yuan para o seu real valor, ou seja, em alta [14]. Obviamente que aos chineses tal alteração não convém. Preferem uma situação de flutuação controlada, variando em função do valor do dólar norte-americano. E a China tem hoje um peso na economia mundial que lhe permite ignorar estes apelos.
No mesmo sentido, tem-se verificado uma insistente redução de taxas aduaneiras que protegem as transacções de produtos chineses com o exterior.
Esta conjugação de políticas confere à China uma incrível vantagem concorrencial,
A sua política monetária (incluindo os metais preciosos – ouro, prata, platina, e outros) está perfeita coordenada com as necessidade de compras de matéria-prima e energia, garantindo o abastecimento futuro. Não é de esperar que a China modifique estes procedimentos enquanto não tiver necessidade disso. É a China e não os seus concorrentes que ditarão essa hora. Todos o parecem reconhecer.
Mas, de facto, um yuan sobrevalorizado também interessa ao dólar americano [15], em particular nas transacções que envolvam euros. Moeda alta também significa maior poder de compra da população, e isso significa mais importações, e, portanto mais escoamento de produtos e serviços americanos na China. Uma vez mais a Europa sente-se entre dois fogos.
Forças armadas chinesas
Numa análise deste teor a questão militar não pode ser ignorada.
Os impérios coloniais europeus foram sempre construídos com base no domínio dos mares. Esta situação de privilégio começou no século XV e permitiu à Europa ser o centro do mundo durante 500 anos.
O século XX, e em particular a I Grande Guerra com a queda dos três grandes impérios, viria a alterar o rumo dos acontecimentos. A II Grande Guerra e a entrega dos portos ingleses aos norte-americanos em troca de contratorpedeiros e demais equipamento naval, viria a justificar o nascimento duma potência com poder sem precedentes sobre todo o mundo – os USA. Também este poder imenso foi conquistado à custa do controlo de todos os mares, algo que nunca nenhuma potência havia alcançado.
A China, neste palco, evidencia uma grande debilidade. A sua marinha está obsoleta e é incapaz de exercer controlo efectivo das rotas marítimas mesmo no Pacífico noroeste e oeste, onde, em certa medida o Japão e principalmente os USA, mostram enorme superioridade. Repare-se que só agora, Abril de 2010, a China anuncia ter capacidade para construir o seu primeiro porta-aviões [16]. O “tigre de papel” tarda em mostrar as unhas de forma convincente.
O poder militar das nações mede-se hoje mais em termos de tecnologia disponível e treino do pessoal do que pelo número de efectivos, pois no século XXI as guerras de ocupação parecem ser algo do passado. No entanto, os números ainda dizem alguma coisa no contexto das relações internacionais.
Veja-se, a propósito, o quadro comparativo entre USA e China (esta entre parêntesis): Exército – 538,000 (1,700,000), Marinha – 332,100 (250,000), Força Aérea – 351,400 (400,000), Tanques Pesados – 8,000 (7,200), Veículos Blindados Leves – 22,000 (4,500), Porta-aviões – 12 (0), Submarinos – 72 (69), Fragatas – 30 (42), Helicópteros – 5,600 (488), Aviões – 5,300 (2,600). [17]
A China vai, por certo, ter de investir nas forças armadas, como forma de ser uma voz incrementalmente mais interveniente no panorama político internacional.
O poder militar transmite a uns medo, a outros respeito, e a outros ainda protecção. Nesta luta a China ainda está longe de poder ombrear com os USA, mas não pode atrasar-se mais.
Contudo, terá de ter em atenção que foi neste domínio, forçando-a a uma incrível e financeiramente desastrosa corrida aos armamentos, que os USA levaram a ex-URSS ao tapete.
Sou de opinião que os chineses não se deixarão envolver na mesma cilada, mas desconfio que os USA terão outras armadilhas para utilizar.
__________________________________________
NOTAS:
[1] SINOPEC é a designação comercial de China Petroleum & Chemical Corporation, http://english.sinopec.com/about_sinopec/
[2 ] http://www.agenciafinanceira.iol.pt/empresas/petroleo-oil-venezuela-china-crude-agencia-financeira/1155954-1728.html
[3] http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,chineses-vao-explorar-petroleo-no-brasil,not_13525.htm
[4] http://darussia.blogspot.com/2010/08/vladimir-putin-inaugura-oleoduto-entre.html
[5] http://goliath.ecnext.com/coms2/gi_0199-2472192/ALGERIA-Zarzaitine-Sinopec.html
[6] Consultar descrição da parceria, aqui: http://www.pucminas.br/imagedb/conjuntura/CNO_ARQ_NOTIC20060425104526.pdf?PHPSESSID=ee4211abf15f85969bdaa4a31d4d6f50
[7] http://www.bhpbilliton.com/bb/home.jsp
[8] Ver a propósito o que escrevi em 27 Agosto de 2010, neste blogue http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-segunda-economia-mundial.html
[9] http://www.accessmylibrary.com/coms2/summary_0286-19242441_ITM
[10] http://www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id=1028&language=portuguese
[11] Cuba possui as segundas maiores reservas de níquel a seguir ao Zaire: http://lanic.utexas.edu/project/asce/pdfs/volume18/pdfs/cepero.pdf e http://veja.abril.com.br/noticia/economia/china-e-cuba-assinam-acordo-para-impulsionar-cooperacao-economica-e-tecnica
[12] O aumento da produção de ferro na China já provocou um aumento de 23% nos preços praticados pela BHP e Rio Tinto, para o período de Julho a Setembro de 2010-09-03: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/746820-bhp-e-rio-tinto-buscam-aumento-de-23-para-o-minerio-de-ferro.shtml
[13] http://www.alcoa.com/china/en/info_page/home.asp
[14] As pressões para que a China revalorize o yuan são constantes: http://money.cnn.com/2010/06/21/markets/currency_china_yuan/index.htm
[15] http://money.cnn.com/2010/06/21/markets/currency_china_yuan/index.htm
[16] Entrevista do almirante Wu Shengli à agência noticiosa oficial chinesa http://money.cnn.com/2010/06/21/markets/currency_china_yuan/index.htm
[17] http://www.militarypower.com.br/mundo.htm
vítor.trigo@gmail.com
03 Setembro de 2010
Para conduzir um país a um crescimento consistente de dois dígitos anos a fio, há que planear bem – conceber estratégias e ser capaz de as por no terreno. É o que a China está a fazer há tempo. O despontar da China como potência mundial não é fruto do acaso.
A China não dispõe de matérias-primas nem fontes de energia em quantidade suficiente para sustentar este crescimento, pelo que tem de as adquirir no exterior. Não é a única nação a fazê-lo. Tem de enfrentar concorrência feroz, mas, ciente das dificuldades fá-lo de forma bastante peculiar.
O mundo ocidental habituou-se a tirar partido das antigas relações coloniais, procurando perpetuar vantagens de que já não dispõe. A China, que não tem passado colonialista, optou pela via de parcerias sem resquícios de prepotência, de preferência estado-a-estado sempre que for possível ou, em alternativa, fixando acordos com empresas estatais. Só em última instância negoceia com multinacionais. É desta forma que a China tem vindo a conquistar ex-feudos de americanos e alemães, nomeadamente na América do Sul e em África, onde os países estavam saturados de posições negociais sobranceiras. Tudo isto é articulado com uma peculiar política de divisas, em especial no que se refere à cotação do yuan.
É disto que o presente artigo trata.
Estratégia significa planificação a longo prazo
Como parece difícil aos políticos ocidentais estabelecerem políticas a 10 ou 20 anos, quando foram eleitos para mandatos de 4 ou 5. A China não sofre dessa debilidade, colhe vantagens da estabilidade política de que desfruta. Planeia e cumpre. Poderá comentar-se e contestar-se a legitimidade democrática que permite esta continuidade tão persistente, mas este não é objecto deste artigo, pelo que não encontrará aqui espaço.
É claro que as fortes tradições chinesas constituem contratempos de monta, em especial para os estrangeiros que pretendem fixar os seus negócios na China, situação que as autoridades actuais parecem querer contornar através de medidas pragmáticas que se impõem.
Está distante a China de Marco Polo, presa fácil das artimanhas dos comerciantes venezianos. Hoje a China sabe exigir a quem quer investir no seu território, e lidar com os seus pares nas praças internacionais.
A China tem um objectivo estratégico inequívoco – a sustentabilidade energética e o acesso continuado e crescente às matérias-primas de que necessita. O apoio às empresas estrangeiras que têm permitido o exponencial crescimento chinês é meramente instrumental.
Vejamos, então, com alguns exemplos como a estratégia chinesa para cada um dos pilares está ser colocada no terreno.
A estratégia da China para a energia
A China possui planos bem definidos, por vezes a mais de 30 anos, para garantir o acesso ao petróleo, gás natural, carvão e urânio. Como referido, as relações comerciais preferenciais que estabelece são estado-a-estado ou com empresas estatais, o que facilita esta metodologia pouco cara às multinacionais. O espaço de manobra é global e o país não se deixa intimidar com possíveis obstáculos de natureza não comercial. Assim, não hesita em estabelecer fortes parcerias multidisciplinares com regimes censurados pela ONU e por partes significativas da comunidade internacional (Sudão, Gabão, Congo, Angola, Cuba, ou Venezuela), em aceitar preços de compra considerados acima do mercado (Sudão, ou Brasil) eliminando possíveis concorrentes graças às incomensuráveis somas de dólares de que dispõe, em operar em territórios onde as práticas de exploração de recursos humanos incluem o controlo armado dos trabalhadores (Nigéria, ou Sudão). A China também não hesita em estabelecer relações com países (Irão, Iraque, Venezuela, ou Cuba) desafiando os interesses políticos norte-americanos. E é claro que estes negócios incluem venda de armas e tecnologia militar, mesmo a países envolvidos em guerras hediondas e confrontos étnicos.
Business is Business.
Eis alguns exemplos:
- A SINOPEC [1] contratou a aquisição de 100 mil milhões de dólares de gás ao Irão por um período de 30 anos, comprometendo-se a colaborar no desenvolvimento da indústria petrolífera deste país;
- A China assinou acordos de pagamento de importações chinesas para a Venezuela a serem pagos por 20 mil milhões de dólares de produtos petrolíferos exportados para a China. Este acordo inclui o estatuto de parceiro preferencial concedido à China para explorar novas jazidas de gás [2];
- Parceira para pesquisa petrolífera e construção de oleodutos no Brasil. Analistas consideraram que os valores envolvidos atingiram o triplo do valor razoável de mercado [3];
- Acordo sino-japonês para a compra de petróleo siberiano. Registe-se que, a partir de 2005, a China ultrapassou a quota do Japão na aquisição de petróleo da Sibéria. O pipeline que irá transportar cerca de 15 milhões de toneladas de petróleo russo por ano e o contrato de fornecimento do combustível foi assinado, em 28 Agosto de 2010, por um prazo de 20 anos [4];
- Acordo de cooperação da SINOPEC com a Sonatrach (a companhia argelina de investigação para a exploração petrolífera [5];
- Acordo com a Austrália no domínio da pesquisa e exploração de jazigos de urânio, fundamentais para a concretização da rede de centrais nucleares chinesas em construção [6];
- Parceria estratégica com a BHP na tentativa de domínio do mercado mundial de carvão de coque (a BHP detém uma quota de 30% do comércio mundial de carvão) [7].
A estratégia da China para os metais (matérias-primas)
A estratégia chinesa para as matérias-primas é semelhante à adoptada para a vertente energética [8] - Objectivos de longo prazo. Os chineses facultam tecnologia para o desenvolvimento dos países onde querem obter matérias-primas, procurando parcerias directas com os estados ou empresas estatais, cuidando da não interferência política, no que se distanciam dos seus concorrentes, nomeadamente os USA. Esta faceta não colonizadora é muito apreciada pelos países de menor poderio internacional.
Aqui estão alguns exemplos:
- Cobre: A empresa chinesa Minemetals acordou com o grupo chileno Codelco, que produz 12% do cobre mundial, um contracto de 2 mil milhões de dólares, pelo fornecimento anual de 25,000 toneladas de cobre. Este acordo prevê também a opção de compra de mais 150,000 toneladas noutras minas chilenas [9] [10];
- Níquel: Acordo entre Cuba e China para a extracção e a produção de níquel em Cuba [11]. Nesta iniciativa está também envolvida a Venezuela que colabora com Cuba na construção das fábricas transformadoras ;
- Minério de ferro: Neste mercado a China abriu uma excepção (a tal foi obrigada por ausência de alternativas), e estabeleceu acordos com multinacionais, em especial as anglo-australianas BHP e a Rio Tinto [12];
- Alumínio: A China patrocinou um consórcio para produção de alumínio com os Citigroup e a Alcoa, entre outros parceiros [13].
A estratégia da China para o yuan
Como já foi referido, a China tem vindo a ser inundada por torrente incríveis de dólares, há muitos anos. Esta situação permiti-lhe um desafogo financeiro tremendo, permitindo-lhe oferecer condições inatingíveis pelos concorrentes mercados internacionais. Os outros países têm vindo, por isso, a pressionar as autoridades chinesas para que reavaliem o yuan para o seu real valor, ou seja, em alta [14]. Obviamente que aos chineses tal alteração não convém. Preferem uma situação de flutuação controlada, variando em função do valor do dólar norte-americano. E a China tem hoje um peso na economia mundial que lhe permite ignorar estes apelos.
No mesmo sentido, tem-se verificado uma insistente redução de taxas aduaneiras que protegem as transacções de produtos chineses com o exterior.
Esta conjugação de políticas confere à China uma incrível vantagem concorrencial,
A sua política monetária (incluindo os metais preciosos – ouro, prata, platina, e outros) está perfeita coordenada com as necessidade de compras de matéria-prima e energia, garantindo o abastecimento futuro. Não é de esperar que a China modifique estes procedimentos enquanto não tiver necessidade disso. É a China e não os seus concorrentes que ditarão essa hora. Todos o parecem reconhecer.
Mas, de facto, um yuan sobrevalorizado também interessa ao dólar americano [15], em particular nas transacções que envolvam euros. Moeda alta também significa maior poder de compra da população, e isso significa mais importações, e, portanto mais escoamento de produtos e serviços americanos na China. Uma vez mais a Europa sente-se entre dois fogos.
Forças armadas chinesas
Numa análise deste teor a questão militar não pode ser ignorada.
Os impérios coloniais europeus foram sempre construídos com base no domínio dos mares. Esta situação de privilégio começou no século XV e permitiu à Europa ser o centro do mundo durante 500 anos.
O século XX, e em particular a I Grande Guerra com a queda dos três grandes impérios, viria a alterar o rumo dos acontecimentos. A II Grande Guerra e a entrega dos portos ingleses aos norte-americanos em troca de contratorpedeiros e demais equipamento naval, viria a justificar o nascimento duma potência com poder sem precedentes sobre todo o mundo – os USA. Também este poder imenso foi conquistado à custa do controlo de todos os mares, algo que nunca nenhuma potência havia alcançado.
A China, neste palco, evidencia uma grande debilidade. A sua marinha está obsoleta e é incapaz de exercer controlo efectivo das rotas marítimas mesmo no Pacífico noroeste e oeste, onde, em certa medida o Japão e principalmente os USA, mostram enorme superioridade. Repare-se que só agora, Abril de 2010, a China anuncia ter capacidade para construir o seu primeiro porta-aviões [16]. O “tigre de papel” tarda em mostrar as unhas de forma convincente.
O poder militar das nações mede-se hoje mais em termos de tecnologia disponível e treino do pessoal do que pelo número de efectivos, pois no século XXI as guerras de ocupação parecem ser algo do passado. No entanto, os números ainda dizem alguma coisa no contexto das relações internacionais.
Veja-se, a propósito, o quadro comparativo entre USA e China (esta entre parêntesis): Exército – 538,000 (1,700,000), Marinha – 332,100 (250,000), Força Aérea – 351,400 (400,000), Tanques Pesados – 8,000 (7,200), Veículos Blindados Leves – 22,000 (4,500), Porta-aviões – 12 (0), Submarinos – 72 (69), Fragatas – 30 (42), Helicópteros – 5,600 (488), Aviões – 5,300 (2,600). [17]
A China vai, por certo, ter de investir nas forças armadas, como forma de ser uma voz incrementalmente mais interveniente no panorama político internacional.
O poder militar transmite a uns medo, a outros respeito, e a outros ainda protecção. Nesta luta a China ainda está longe de poder ombrear com os USA, mas não pode atrasar-se mais.
Contudo, terá de ter em atenção que foi neste domínio, forçando-a a uma incrível e financeiramente desastrosa corrida aos armamentos, que os USA levaram a ex-URSS ao tapete.
Sou de opinião que os chineses não se deixarão envolver na mesma cilada, mas desconfio que os USA terão outras armadilhas para utilizar.
__________________________________________
NOTAS:
[1] SINOPEC é a designação comercial de China Petroleum & Chemical Corporation, http://english.sinopec.com/about_sinopec/
[2 ] http://www.agenciafinanceira.iol.pt/empresas/petroleo-oil-venezuela-china-crude-agencia-financeira/1155954-1728.html
[3] http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,chineses-vao-explorar-petroleo-no-brasil,not_13525.htm
[4] http://darussia.blogspot.com/2010/08/vladimir-putin-inaugura-oleoduto-entre.html
[5] http://goliath.ecnext.com/coms2/gi_0199-2472192/ALGERIA-Zarzaitine-Sinopec.html
[6] Consultar descrição da parceria, aqui: http://www.pucminas.br/imagedb/conjuntura/CNO_ARQ_NOTIC20060425104526.pdf?PHPSESSID=ee4211abf15f85969bdaa4a31d4d6f50
[7] http://www.bhpbilliton.com/bb/home.jsp
[8] Ver a propósito o que escrevi em 27 Agosto de 2010, neste blogue http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-segunda-economia-mundial.html
[9] http://www.accessmylibrary.com/coms2/summary_0286-19242441_ITM
[10] http://www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id=1028&language=portuguese
[11] Cuba possui as segundas maiores reservas de níquel a seguir ao Zaire: http://lanic.utexas.edu/project/asce/pdfs/volume18/pdfs/cepero.pdf e http://veja.abril.com.br/noticia/economia/china-e-cuba-assinam-acordo-para-impulsionar-cooperacao-economica-e-tecnica
[12] O aumento da produção de ferro na China já provocou um aumento de 23% nos preços praticados pela BHP e Rio Tinto, para o período de Julho a Setembro de 2010-09-03: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/746820-bhp-e-rio-tinto-buscam-aumento-de-23-para-o-minerio-de-ferro.shtml
[13] http://www.alcoa.com/china/en/info_page/home.asp
[14] As pressões para que a China revalorize o yuan são constantes: http://money.cnn.com/2010/06/21/markets/currency_china_yuan/index.htm
[15] http://money.cnn.com/2010/06/21/markets/currency_china_yuan/index.htm
[16] Entrevista do almirante Wu Shengli à agência noticiosa oficial chinesa http://money.cnn.com/2010/06/21/markets/currency_china_yuan/index.htm
[17] http://www.militarypower.com.br/mundo.htm
sábado, 4 de setembro de 2010
Todo o Empreendedor É Apaixonado
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
Novembro de 2008
Os dicionários Inglês-Português traduzem habitualmente Entrepreneur por Empresário. Esta redutora visão de tão importante capacidade individual, configura a mesma miopia dos que consideram que ser Empreendedor é sinónimo de "aquele que é capaz de erigir o seu próprio negócioInsiro-me no grupo dos que pensam que ser empreendedor na construção duma carreira profissional por conta de outrem, constitui importante factor diferenciador e inequívoca vantagem competitiva.
Procurarei explicar porquê.
Ser empreendedor está na moda. A corrente que defende que ser empreendedor se mede pela capacidade de criar um negócio próprio parece ser tão dominante que poucos consideram que o emprendedorismo também possa estar associado a actividades por conta de outrem.
Eis algumas das principais razões porque considero que o espírito empreendedor é igualmente essencial a todos os que ambicionam construir uma carreira profissional excelente.
A paixão pelo negócio
O gestor excelente evidencia comportamentos diferenciadores:
Identifica com realismo o seu negócio, aceita-o como ele é, e trata-o com respeito, gerando capital de confiança pessoal e para a organização.
Motiva-se por visão inspiradora e comunica-a de forma convincente. A sua atitude é consistentemente positiva, encarando os obstáculos como desafios e os desvios como oportunidades de aprendizagem. É enérgico e transmite
entusiasmo contagiante.
Adora vencer. Quando perde, reflecte sobre os erros cometidos e implementa medidas correctivas. Não se contenta em atingir as expectativas dos clientes, tenta superá-las.
É professor, coach e mentor, conforme as circunstâncias. Gere pelo exemplo. Ele é o primeiro cumpridor do que advoga.
Comunica de forma clara, com base nos valores e princípios da organização.
Respeita os clientes como parceiros de negócio, orientando-se na perspectiva “ganho-ganhas”.
A paixão pelas pessoas
Para o gestor excelente os colaboradores são pessoas e não recursos:
Alinha metas e expectativas individuais com os objectivos da organização. Distribui tarefas de acordo com as competências. Ínsita ao desenvolvimento pessoal e profissional.
Define prioridades. Facilita a comunicação ascendente. Promove a discussão positiva de objectivos.
Mantém clima e moral elevados.
Celebra os êxitos individuais e grupais. Discute os desaires com
exigência e naturalidade.
Cria e mantém espírito de equipa e orgulho pela participação no grupo. Transmite a ideia de que são os êxitos colectivos, e não as acções isoladas, que engrandecem o grupo.
Investiga periodicamente o clima de satisfação, incentivando a proposta de sugestões.
Instila sentimento, mantendo o diálogo aberto sobre “o que precisamos de ter” contra a ideia de “o que gostaríamos de ter”.
Promove o “pensamento lateral” em complemento do “pensamento vertical” [1].
Apoia os colaboradores na busca de novas oportunidades de carreira.
Estas listas de atributos, essenciais para quem queira aspirar a uma carreira de sucesso, mesmo não sendo exaustivas, perfilam os amantes da excelência. Insisto em considerar que não são exclusivas dos que se aventuram na criação duma empresa. Talvez nesta frase se encontre o epicentro da questão – a aventura – pois parece consensual que a dose mínima necessária de aventureirismo para liderar o projecto de criação de empresa própria seja mais elevada do que para desenvolvimento de carreira por conta de outrem.
A paixão pela aventura
Se, por outro lado, nos centrarmos nalguns comportamentos típicos da maioria dos criadores de empresas, depressa encontraremos vários domínios problemáticos. Será que as suas atitudes, inerentes à autonomia de que dispõem e à auto-estima que revelam, lhes permitirá superar a propensão para o erro? Vejamos algumas das suas características mais comuns:
Tendem a ignorar as próprias debilidades, sobrevalorizando o que consideram ser os seus pontos fortes;
Tendem a minimizar a preocupação com os outros;
Acreditam no instinto e menosprezam a investigação;
Subvalorizam a comunicação ascendente;
Privilegiam o curto prazo;
Não têm tempo para ouvir, mas adoram ouvir-se;
Negligenciam os aspectos emocionais em favor dos racionais;
Tendem para a valorização de imagem própria, parecendo esquecer amiúde a objectividade;
Menosprezam a concorrência;
Não planeiam, e detestam análises e explicações teóricas;
Esta curta listagem já contém defeitos que cheguem para justificar a
preocupação que referi. Se alguns deles podem subsistir protegidos pelo poder inerente à condição de proprietário da empresa, dificilmente conseguirão sobreviver numa carreira por conta de outrem.
A paixão por si próprio
Consideremos, agora, o impacte dos estilos mais comuns de actuação dos empreendedores. Para cada um, apresento dois comportamentos típicos no relacionamento com os clientes [2].
Estilo PASSIVO:
“Aguardo, então, que me contacte quando tiver decidido”
“Assim que puder enviar-lhe-ei documentação adicional sobre o assunto de que falámos”
Estilo AGRESSIVO:
“Se não decidir já, tenho de rever compromissos anteriores”
“Parece que estamos perante uma mútua perda de tempo”
Estilo ASSERTIVO:
“Quando pensa poder tomar uma decisão?”
“Que entraves o impedem de decidir?”
Creio que o leitor conhecerá indivíduos capazes de ilustrar os estereótipos referidos. De facto, assentam bem aos chamados empreendedores, quer por contra própria ou quer por conta de outrem.
Mas a questão mais relevante é que a maioria dos ditos empreendedores que conheço, são autodidactas (e desdenham qualquer tipo de formação), ao passo que quem trabalha por conta de outrem é alvo de educação formal de desenvolvimento pessoal e profissional. Por exemplo, na minha experiência como líder de profissionais de vendas, sempre considerei os estilos Passivo e
Agressivo como inadmissíveis, e o estilo Assertivo como o mais eficaz para atingir resultados e para criar relacionamento futuro.
Tenho muitas dúvidas que a Academia, somente suportada nos seus recursos internos – professores de carreira sem experiência empresarial – seja capaz de gerar as fornadas de empreendedores que os programas educacionais afirmam pretender produzir.
A síndrome do “EU IDEAL” [3]
Para finalizar, refiro-me a três síndromes muito característicos dos
empreendedores:
Síndrome do “SUPER-HERÓI”
Muitas vezes os empreendedores falham os objectivos, caindo de seguida em frustração. Contudo, estes desaires podem não ter a ver com o estabelecimento ou aceitação de metas irrealistas.
Grande parte das causas deriva da definição irrealista de expectativas que resultam de sobrevalorizados padrões de autoestima e auto-confiança.
Síndrome do “SUPER-VISIONÁRIO”
Nem sempre o que se julga ser uma boa ideia o é de facto. Mesmo quando o é, pode não implicar bons resultados concretos. Mas o empreendedor tem dificuldade em conviver com esta realidade.
Quando o que considera ser uma boa ideia não resulta, ele opta por atribuir responsabilidades a quem a implementou.
Síndrome do “NÃO-TRABALHADOR”
Ocorre quando alguém que trabalhou por conta de outrem e passou a empresário, se dá conta de que, afinal, tem agora mais trabalho do que tinha antes. Esta situação é muito frequente e revela que as razões da tomada de decisão se centraram mais no objecto do que nos valores – a nova ocupação não foi talhada respeitando valores e princípios de vida, mas tão só na expectativa de concretização de superiores metas materiais.
Ao jeito de conclusão:
Pode, e deve, ser-se empreendedor tanto trabalhando por conta de outrem como em actividade própria.
Não se deve tentar ser empresário se essa opção interferir com os valores e princípios próprios. No fundo, a verdadeira independência reside na liberdade de desenhar o nosso próprio projecto.
Se ao tentar ser empreendedor falhar, não se recrimine. A questão pode não estar exclusivamente em si – pode derivar da forma como implementou a ideia.
O trabalho é uma forte componente da vida. Interfere, inclusive, com o estatuto pessoal.
A paixão pelo trabalho é fundamental na busca do sucesso. Mas, atenção, a vida não se confina ao ambiente laboral. Não podemos permitir que a paixão se transforme numa doença profissional.
____________________________________
NOTAS:
[1] Pensamento Vertical (directo e racional) e Pensamento Lateral (inovador e criativo) são conceitos introduzidos na linguagem dos negócios por Edward de Bono (2005): O Pensamento Lateral, Pergaminho.
[2] Entendido em sentido lato, clientes são todos os destinatários da nossa actividade, ou seja, os intervenientes seguintes na cadeia de valor
[3] Para melhor entendimento do Eu Ideal e do Eu Real ver Daniel Goleman, Richard Boyatzis, Annie Mckee (2003): Os Novos Líderes, Gradiva (2ª edição)
vitor.trigo@gmail.com
Novembro de 2008
Os dicionários Inglês-Português traduzem habitualmente Entrepreneur por Empresário. Esta redutora visão de tão importante capacidade individual, configura a mesma miopia dos que consideram que ser Empreendedor é sinónimo de "aquele que é capaz de erigir o seu próprio negócioInsiro-me no grupo dos que pensam que ser empreendedor na construção duma carreira profissional por conta de outrem, constitui importante factor diferenciador e inequívoca vantagem competitiva.
Procurarei explicar porquê.
Ser empreendedor está na moda. A corrente que defende que ser empreendedor se mede pela capacidade de criar um negócio próprio parece ser tão dominante que poucos consideram que o emprendedorismo também possa estar associado a actividades por conta de outrem.
Eis algumas das principais razões porque considero que o espírito empreendedor é igualmente essencial a todos os que ambicionam construir uma carreira profissional excelente.
A paixão pelo negócio
O gestor excelente evidencia comportamentos diferenciadores:
Identifica com realismo o seu negócio, aceita-o como ele é, e trata-o com respeito, gerando capital de confiança pessoal e para a organização.
Motiva-se por visão inspiradora e comunica-a de forma convincente. A sua atitude é consistentemente positiva, encarando os obstáculos como desafios e os desvios como oportunidades de aprendizagem. É enérgico e transmite
entusiasmo contagiante.
Adora vencer. Quando perde, reflecte sobre os erros cometidos e implementa medidas correctivas. Não se contenta em atingir as expectativas dos clientes, tenta superá-las.
É professor, coach e mentor, conforme as circunstâncias. Gere pelo exemplo. Ele é o primeiro cumpridor do que advoga.
Comunica de forma clara, com base nos valores e princípios da organização.
Respeita os clientes como parceiros de negócio, orientando-se na perspectiva “ganho-ganhas”.
A paixão pelas pessoas
Para o gestor excelente os colaboradores são pessoas e não recursos:
Alinha metas e expectativas individuais com os objectivos da organização. Distribui tarefas de acordo com as competências. Ínsita ao desenvolvimento pessoal e profissional.
Define prioridades. Facilita a comunicação ascendente. Promove a discussão positiva de objectivos.
Mantém clima e moral elevados.
Celebra os êxitos individuais e grupais. Discute os desaires com
exigência e naturalidade.
Cria e mantém espírito de equipa e orgulho pela participação no grupo. Transmite a ideia de que são os êxitos colectivos, e não as acções isoladas, que engrandecem o grupo.
Investiga periodicamente o clima de satisfação, incentivando a proposta de sugestões.
Instila sentimento, mantendo o diálogo aberto sobre “o que precisamos de ter” contra a ideia de “o que gostaríamos de ter”.
Promove o “pensamento lateral” em complemento do “pensamento vertical” [1].
Apoia os colaboradores na busca de novas oportunidades de carreira.
Estas listas de atributos, essenciais para quem queira aspirar a uma carreira de sucesso, mesmo não sendo exaustivas, perfilam os amantes da excelência. Insisto em considerar que não são exclusivas dos que se aventuram na criação duma empresa. Talvez nesta frase se encontre o epicentro da questão – a aventura – pois parece consensual que a dose mínima necessária de aventureirismo para liderar o projecto de criação de empresa própria seja mais elevada do que para desenvolvimento de carreira por conta de outrem.
A paixão pela aventura
Se, por outro lado, nos centrarmos nalguns comportamentos típicos da maioria dos criadores de empresas, depressa encontraremos vários domínios problemáticos. Será que as suas atitudes, inerentes à autonomia de que dispõem e à auto-estima que revelam, lhes permitirá superar a propensão para o erro? Vejamos algumas das suas características mais comuns:
Tendem a ignorar as próprias debilidades, sobrevalorizando o que consideram ser os seus pontos fortes;
Tendem a minimizar a preocupação com os outros;
Acreditam no instinto e menosprezam a investigação;
Subvalorizam a comunicação ascendente;
Privilegiam o curto prazo;
Não têm tempo para ouvir, mas adoram ouvir-se;
Negligenciam os aspectos emocionais em favor dos racionais;
Tendem para a valorização de imagem própria, parecendo esquecer amiúde a objectividade;
Menosprezam a concorrência;
Não planeiam, e detestam análises e explicações teóricas;
Esta curta listagem já contém defeitos que cheguem para justificar a
preocupação que referi. Se alguns deles podem subsistir protegidos pelo poder inerente à condição de proprietário da empresa, dificilmente conseguirão sobreviver numa carreira por conta de outrem.
A paixão por si próprio
Consideremos, agora, o impacte dos estilos mais comuns de actuação dos empreendedores. Para cada um, apresento dois comportamentos típicos no relacionamento com os clientes [2].
Estilo PASSIVO:
“Aguardo, então, que me contacte quando tiver decidido”
“Assim que puder enviar-lhe-ei documentação adicional sobre o assunto de que falámos”
Estilo AGRESSIVO:
“Se não decidir já, tenho de rever compromissos anteriores”
“Parece que estamos perante uma mútua perda de tempo”
Estilo ASSERTIVO:
“Quando pensa poder tomar uma decisão?”
“Que entraves o impedem de decidir?”
Creio que o leitor conhecerá indivíduos capazes de ilustrar os estereótipos referidos. De facto, assentam bem aos chamados empreendedores, quer por contra própria ou quer por conta de outrem.
Mas a questão mais relevante é que a maioria dos ditos empreendedores que conheço, são autodidactas (e desdenham qualquer tipo de formação), ao passo que quem trabalha por conta de outrem é alvo de educação formal de desenvolvimento pessoal e profissional. Por exemplo, na minha experiência como líder de profissionais de vendas, sempre considerei os estilos Passivo e
Agressivo como inadmissíveis, e o estilo Assertivo como o mais eficaz para atingir resultados e para criar relacionamento futuro.
Tenho muitas dúvidas que a Academia, somente suportada nos seus recursos internos – professores de carreira sem experiência empresarial – seja capaz de gerar as fornadas de empreendedores que os programas educacionais afirmam pretender produzir.
A síndrome do “EU IDEAL” [3]
Para finalizar, refiro-me a três síndromes muito característicos dos
empreendedores:
Síndrome do “SUPER-HERÓI”
Muitas vezes os empreendedores falham os objectivos, caindo de seguida em frustração. Contudo, estes desaires podem não ter a ver com o estabelecimento ou aceitação de metas irrealistas.
Grande parte das causas deriva da definição irrealista de expectativas que resultam de sobrevalorizados padrões de autoestima e auto-confiança.
Síndrome do “SUPER-VISIONÁRIO”
Nem sempre o que se julga ser uma boa ideia o é de facto. Mesmo quando o é, pode não implicar bons resultados concretos. Mas o empreendedor tem dificuldade em conviver com esta realidade.
Quando o que considera ser uma boa ideia não resulta, ele opta por atribuir responsabilidades a quem a implementou.
Síndrome do “NÃO-TRABALHADOR”
Ocorre quando alguém que trabalhou por conta de outrem e passou a empresário, se dá conta de que, afinal, tem agora mais trabalho do que tinha antes. Esta situação é muito frequente e revela que as razões da tomada de decisão se centraram mais no objecto do que nos valores – a nova ocupação não foi talhada respeitando valores e princípios de vida, mas tão só na expectativa de concretização de superiores metas materiais.
Ao jeito de conclusão:
Pode, e deve, ser-se empreendedor tanto trabalhando por conta de outrem como em actividade própria.
Não se deve tentar ser empresário se essa opção interferir com os valores e princípios próprios. No fundo, a verdadeira independência reside na liberdade de desenhar o nosso próprio projecto.
Se ao tentar ser empreendedor falhar, não se recrimine. A questão pode não estar exclusivamente em si – pode derivar da forma como implementou a ideia.
O trabalho é uma forte componente da vida. Interfere, inclusive, com o estatuto pessoal.
A paixão pelo trabalho é fundamental na busca do sucesso. Mas, atenção, a vida não se confina ao ambiente laboral. Não podemos permitir que a paixão se transforme numa doença profissional.
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NOTAS:
[1] Pensamento Vertical (directo e racional) e Pensamento Lateral (inovador e criativo) são conceitos introduzidos na linguagem dos negócios por Edward de Bono (2005): O Pensamento Lateral, Pergaminho.
[2] Entendido em sentido lato, clientes são todos os destinatários da nossa actividade, ou seja, os intervenientes seguintes na cadeia de valor
[3] Para melhor entendimento do Eu Ideal e do Eu Real ver Daniel Goleman, Richard Boyatzis, Annie Mckee (2003): Os Novos Líderes, Gradiva (2ª edição)
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
O Património Mais Valioso?
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
13 Agosto de 2008
Quando se questiona um gestor acerca do que considera ser o
património mais valioso na sua empresa, a resposta arrisca-se a ser
invariavelmente as pessoas. Sinceridade? Resposta política? Na
realidade, parte significativa dos gestores que conheço comporta-se,
de facto e aparte afirmações de circunstância, como se não
conseguisse ver no capital humano mais do que a estrita necessidade
de preencher unidades de produção ao mais baixo custo possível.
A propósito, recordo o silêncio que se sentiu no Grande Auditório do
CCB em Lisboa há uns atrás, quando Gary Hamel se referiu aos
“gestores de denominador” como aqueles que só conheciam uma
forma de melhorar resultados – diminuir custos. Pior foi quando
acrescentou que “o estrangulamento das empresas está sempre no
topo, tal como acontece com o gargalo das garrafas”. Sentiu-se o
reposicionamento discreto da assistência nos cómodos assentos da
sala, na maioria quadros superiores de grandes empresas nacionais.
O seminário intitulava-se “The Quest for Value”, e toda a ênfase foi
colocada na inovação. Ora sabendo-se como é fácil imitar estratégias e
copiar produtos, parecia óbvio, ao orador, que as vantagens
competitivas sustentáveis só pudessem decorrer do desenvolvimento
do capital humano. Só as pessoas seriam capazes de suscitar emoções,
criar impressões, estabelecer diferenças, gerar vantagens.
É certo que os gestores são avaliados pelos resultados que asseguram.
Produzir bem, acima das expectativas continua a ser condição
necessária à saúde das organizações. Mas quem coloca toda a
objectividade nos resultados de curto prazo está a cometer um erro
que poderá ser-lhe fatal.
Que fazem os gestores quando os resultados falham? Procuram as
razões nos recursos à sua disposição. Se se trata de máquinas,
reparam-nas ou substituem-nas. Se a deficiência provém da
operacionalidade, alteram procedimentos. Mas quando o problema se
situa nas pessoas, as soluções são bem mais complexas. É por isso
que, com o intuito de minimizar questões neste domínio, colocam
tantos cuidados nas contratações. Contudo, esta é só uma pequena
parte da realidade. Há que de forma continuada, prestar atenção aos
níveis de satisfação, motivação e desenvolvimento pessoal e
profissional das equipas. O êxito de todas as medidas tomadas no
sentido de manter elevados estes níveis reside em três pontos
essenciais: carácter dos líderes, competência dos executores, e
confiança mútua.
Pense por momentos na reacção imediata das empresas quando os
resultados não aparecem e a crise se instala. Qual a primeira medida
que tomam? Questionam efectivos e reduzem encargos. Convenhamos
que como demonstração de confiança mútua, a resposta não poderia
ser pior. Porque não envolver o capital humano na busca da saída da
crise? Porque as competências de liderança são escassas e o carácter
dos líderes é duvidoso. Torna-se assim, impossível praticar o que, em
alturas de sucesso, propagandearam como se de valores se tratasse.
É claro que por vezes as responsabilidades do fracasso são imputáveis
a deficiências dos recursos humanos envolvidos. Mas isso remete-nos
para uma área distinta – a prática de tratamento justo e equitativo,
que deve ser política estruturante da organização e atribuição
elementar de todos os que assumem gestão de recursos humanos.
Isto implica exigir atitudes, comportamentos e níveis de execução
básicas a todas as funções, reservando os prémios exclusivamente
para quem excede expectativas, e não hesitando em penalizar quem
não corresponde.
E não resulta recorrer à insuficiente explicação de que “hoje, tudo está
mais difícil, tudo está a mudar rapidamente demais”. A mudança é
uma bênção para quem a souber aproveitar, e uma perigosa armadilha
para quem não for capaz de a interpretar. De facto, não é mais
possível exigir lealdade aos empregados, quando os empregadores não
a praticam, tratando-os como peças descartáveis. Também, não se
pode reduzir os incentivos somente a retribuições pecuniários e
expectativas de progresso em carreiras de duvidoso valor real. Cada
vez mais, as pessoas procuram ser envolvidas em decisões, solicitadas
ao desenvolvimento pessoal e profissional, reconhecidas, autónomas,
dispondo de acrescidos tempos livres. Releve-se que estas áreas não
implicam investimentos directos, uma boa nova mesmo para os já
citados “gestores de denominador”. Afinal o que é preciso? Atenção ás
pessoas, o que novamente não implica custos, e treino constante,
agora sim envolvendo investimento.
Há que prestar atenção, no entanto, aos conteúdos da formação e
treino, que não devem resumir-se ao desenvolvimento técnico e
profissional. As vertentes atitudinais, frequentemente descuradas, são
cruciais para a elevação dos níveis de clima e moral do grupo, e de
satisfação e motivação individuais, contribuindo para melhores
resultados e mais baixa erosão de efectivos 1.
Uma vez identificadas as forças que impelem as pessoas à boa
execução, está encontrado o vector crucial para o êxito – o sucesso
económico das empresas reside no sucesso pessoal de quem nelas
colabora. As pessoas gostam de contribuir e fazem-no com prazer,
alcançando bons resultados, desde que lhes sejam criadas condições 2.
Obviamente que não o fazem desinteressadamente, esperando e
apreciando o devido reconhecimento. São profissionais, mas antes
disso, são pessoas. Infelizmente, nem todos os gestores entendem tão
simples mensagem. Por isso, é tão recomendável que nunca
prescindam da sua própria formação e actualização. Muitas vezes é
nos gestores que reside o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” das
empresas.
Tudo isto pode não ser simpático nem consensual, mas penso que
traduz uma realidade que infelizmente tem sido habitual.
vitor.trigo@gmail.com
13 Agosto de 2008
Quando se questiona um gestor acerca do que considera ser o
património mais valioso na sua empresa, a resposta arrisca-se a ser
invariavelmente as pessoas. Sinceridade? Resposta política? Na
realidade, parte significativa dos gestores que conheço comporta-se,
de facto e aparte afirmações de circunstância, como se não
conseguisse ver no capital humano mais do que a estrita necessidade
de preencher unidades de produção ao mais baixo custo possível.
A propósito, recordo o silêncio que se sentiu no Grande Auditório do
CCB em Lisboa há uns atrás, quando Gary Hamel se referiu aos
“gestores de denominador” como aqueles que só conheciam uma
forma de melhorar resultados – diminuir custos. Pior foi quando
acrescentou que “o estrangulamento das empresas está sempre no
topo, tal como acontece com o gargalo das garrafas”. Sentiu-se o
reposicionamento discreto da assistência nos cómodos assentos da
sala, na maioria quadros superiores de grandes empresas nacionais.
O seminário intitulava-se “The Quest for Value”, e toda a ênfase foi
colocada na inovação. Ora sabendo-se como é fácil imitar estratégias e
copiar produtos, parecia óbvio, ao orador, que as vantagens
competitivas sustentáveis só pudessem decorrer do desenvolvimento
do capital humano. Só as pessoas seriam capazes de suscitar emoções,
criar impressões, estabelecer diferenças, gerar vantagens.
É certo que os gestores são avaliados pelos resultados que asseguram.
Produzir bem, acima das expectativas continua a ser condição
necessária à saúde das organizações. Mas quem coloca toda a
objectividade nos resultados de curto prazo está a cometer um erro
que poderá ser-lhe fatal.
Que fazem os gestores quando os resultados falham? Procuram as
razões nos recursos à sua disposição. Se se trata de máquinas,
reparam-nas ou substituem-nas. Se a deficiência provém da
operacionalidade, alteram procedimentos. Mas quando o problema se
situa nas pessoas, as soluções são bem mais complexas. É por isso
que, com o intuito de minimizar questões neste domínio, colocam
tantos cuidados nas contratações. Contudo, esta é só uma pequena
parte da realidade. Há que de forma continuada, prestar atenção aos
níveis de satisfação, motivação e desenvolvimento pessoal e
profissional das equipas. O êxito de todas as medidas tomadas no
sentido de manter elevados estes níveis reside em três pontos
essenciais: carácter dos líderes, competência dos executores, e
confiança mútua.
Pense por momentos na reacção imediata das empresas quando os
resultados não aparecem e a crise se instala. Qual a primeira medida
que tomam? Questionam efectivos e reduzem encargos. Convenhamos
que como demonstração de confiança mútua, a resposta não poderia
ser pior. Porque não envolver o capital humano na busca da saída da
crise? Porque as competências de liderança são escassas e o carácter
dos líderes é duvidoso. Torna-se assim, impossível praticar o que, em
alturas de sucesso, propagandearam como se de valores se tratasse.
É claro que por vezes as responsabilidades do fracasso são imputáveis
a deficiências dos recursos humanos envolvidos. Mas isso remete-nos
para uma área distinta – a prática de tratamento justo e equitativo,
que deve ser política estruturante da organização e atribuição
elementar de todos os que assumem gestão de recursos humanos.
Isto implica exigir atitudes, comportamentos e níveis de execução
básicas a todas as funções, reservando os prémios exclusivamente
para quem excede expectativas, e não hesitando em penalizar quem
não corresponde.
E não resulta recorrer à insuficiente explicação de que “hoje, tudo está
mais difícil, tudo está a mudar rapidamente demais”. A mudança é
uma bênção para quem a souber aproveitar, e uma perigosa armadilha
para quem não for capaz de a interpretar. De facto, não é mais
possível exigir lealdade aos empregados, quando os empregadores não
a praticam, tratando-os como peças descartáveis. Também, não se
pode reduzir os incentivos somente a retribuições pecuniários e
expectativas de progresso em carreiras de duvidoso valor real. Cada
vez mais, as pessoas procuram ser envolvidas em decisões, solicitadas
ao desenvolvimento pessoal e profissional, reconhecidas, autónomas,
dispondo de acrescidos tempos livres. Releve-se que estas áreas não
implicam investimentos directos, uma boa nova mesmo para os já
citados “gestores de denominador”. Afinal o que é preciso? Atenção ás
pessoas, o que novamente não implica custos, e treino constante,
agora sim envolvendo investimento.
Há que prestar atenção, no entanto, aos conteúdos da formação e
treino, que não devem resumir-se ao desenvolvimento técnico e
profissional. As vertentes atitudinais, frequentemente descuradas, são
cruciais para a elevação dos níveis de clima e moral do grupo, e de
satisfação e motivação individuais, contribuindo para melhores
resultados e mais baixa erosão de efectivos 1.
Uma vez identificadas as forças que impelem as pessoas à boa
execução, está encontrado o vector crucial para o êxito – o sucesso
económico das empresas reside no sucesso pessoal de quem nelas
colabora. As pessoas gostam de contribuir e fazem-no com prazer,
alcançando bons resultados, desde que lhes sejam criadas condições 2.
Obviamente que não o fazem desinteressadamente, esperando e
apreciando o devido reconhecimento. São profissionais, mas antes
disso, são pessoas. Infelizmente, nem todos os gestores entendem tão
simples mensagem. Por isso, é tão recomendável que nunca
prescindam da sua própria formação e actualização. Muitas vezes é
nos gestores que reside o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” das
empresas.
Tudo isto pode não ser simpático nem consensual, mas penso que
traduz uma realidade que infelizmente tem sido habitual.
Vietname, uma "Nova China"?
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
02 Setembro de 2010
Vietname 2010
Quão distante está hoje o Vietname da minha juventude. Nos anos 1960 e primeira metade da década de 1970, seguia com paixão a luta heróica deste povo, na altura nação ainda dividida, em mais uma luta contra a ocupação. Houve quem pensasse que a guerra estava perdida, tal o poder do inimigo. Mas não, os vietnamitas perderam várias batalhas mas acabaram por vencer. 30 de Abril de 1975 jamais sairá da memória deste abnegado povo.
Passados mais de trinta anos, o Vietname é uma nação em profunda transformação que não escapa às atenções da comunidade de negócios internacional.
Foi ainda nos anos 1980 que as autoridades lançaram a nova estratégia do país, procurando libertar-se dos grilhões do passado. Mas foi uma decisão do então presidente Clinton que, em 1994 ao levantar o embargo americano, que viria a permitir a adesão à OMC em Janeiro de 2007. O sonho de se tornar em “uma pequena China”[1] ganhava forma.
Contudo, o choque da entrada num mundo novo e altamente competitivo não foi fácil. A rápida transição não permitiu ajustamentos progressivos. A mudança tem sido acelerada[2]. Vejamos alguns dados importantes[3]:
População: 45 milhões (1975), 80 milhões (2000), 80% vietnamitas
Área: 331.688 Km2
Cidades mais importantes:
Ho Chi Min – 7 milhões
Hanoi (capital) – 4 milhões
Haiphong – 2 milhões
Mão-de-obra: Abundante e barata. Analfabetismo < 7.5% Desemprego: 4.3% (2007 est.), 4.7% (2008 est.) 2/3 da população trabalha na agricultura PIB: 89.83 b$ (2008 est.)
Crescimento do PIB (est.):
8.2% (2006), 8.5% (2007), 6.2% (2008)[4]
Principais produções e exportações:
Arroz – 40 milhões ton., primeiro exportador mundial
Café – 800 mil ton., segundo exportador mundial
Outros alimentos – Chá, Bananas, Peixe, Mariscos
Carvão, Petróleo, Energia Hídrica
Taxa de inflação (preços no consumidor):
8.3% (2007 est.), 24.4% (2008 est.)
Estima-se que em 2003 existiriam cerca de 7 milhões de lares de classe média (projectando-se este valor para 25 milhões em 2015). Entre 2003 e 2008 o número de estudantes universitário praticamente duplicou.[5]
O consumo retalhista continua nos limites inferiores dos países da região, se bem quase tenha duplicado de 2005 a 2009, de acordo com informações do governo. No ano passado, este valor foi de cerca de $ 450 (€ 354), tendo o PIB/capita evoluído da seguinte forma (est. em $): 2,500 (2006), 2,700 (2007), 2,800 (2008)[6].
Tal como na China a criação duma empresa é livre. Teoricamente, pois os entraves burocráticos excedem o que está determinado e não é fácil constituir segunda e terceira empresa pelo mesmo investidor estrangeiro, estando os critérios de decisão na dependência de autoridades locais e sujeitos a demonstração de vantagem económica para o país ou região.
Em Roma sê Romano
A sociedade vietnamita está a mudar rapidamente. Quem imaginaria que se preveja que o mercado de produtos de beleza irá crescer a uma taxa de 15% ao ano, e que as compras de vestuário já representam 18% do rendimento mensal das mulheres urbanas entre 20 e 45 anos?[7]
Ou que, entre 2003 e 2009, o número de ligações móveis tenha passado de 3.5 milhões para 111 milhões, o número de PCs tenha sextuplicado (de 910 mil para 5.1 milhões), que o número de cartões de crédito em uso tivesse passado de 500 mil para 17 milhões (32 vezes mais), e que o número de veículos de passageiros tenha duplicado (514 para 919)? São indícios de mudanças muito significativas.
O Departamento de Estatística do Vietname estima que, no ano passado, existissem cerca de 18 milhões de utilizadores da Internet. Este valor representa 5 milhões de novos assinantes, só em 2009. Como é natural num país em tão rápido desenvolvimento, a realidade não é a mesma nas grandes cidades e no resto do território. Em Hanói e Ho Chi Minh, por exemplo, cerca de metade da população beneficia de facilidades online que utiliza duas horas por dia, em média. A realidade do país é, no entanto, dispare – fruto da tradição matriarcal, o meio de comunicação preponderante continua a ser a televisão, que a transforma no mais importante veículo publicitário vietnamita. No entanto, à semelhança do que se tem verificado noutros países da zona, os especialistas apostam fortemente nos suportes digitais, em especial junto das camadas mais jovens.
Obstáculos ou oportunidades?
Os investidores estão atentos ao rápido desenvolvimento deste país. Os detentores do capital gostam de arriscar mas não descuram o controlo do risco. Nomeadamente, procuram tirar conclusões sobre o caminho já percorrido pelos pioneiros.
Na indústria da distribuição, por exemplo, o sucesso da Metro parece explicar-se pelo recurso a lojas de significativa dimensão (dezenas de milhares de produtos), apoiada em fornecedores locais. A preocupação com funções sociais, parece estar a ser bem acolhida pelos clientes, destacando-se a política de higiene e segurança alimentar da empresa que constitui uma referência num país onde os problemas de saúde relacionados com intoxicações alimentares são endémicos[8]. Uma das iniciativas de grande impacte da Metro consiste em formar agricultores e pescadores em higiene na produção agrícola. Esta iniciativa já abrangeu cerca de 19000 agricultores e pescadores desde 2002, e insere-se em parceria com outras empresas, sob custódia governamental.[9]
Que perspectivas?
A Economy Watch não está tão optimista quanto outros analistas. Baseada nos resultados globais de 2009, esta agência afirma explicitamente: “A partir de 2009, em resultado da quebra acentuada das exportações, aumentaram o desemprego e as falências de empresas, bem como investimento estrangeiro”[10]. É razão para perguntar de novo: Obstáculos ou oportunidades?
Recorrendo, mais uma vez e essencialmente por questões de coerência de métodos de recolha e tratamento de dados, aos analistas da Economy Watch, esta é a macro perspectiva:
•PIB (b$) - 103.12 (2010), 179.816 (2015)
•Desemprego – 4.3% (2010)
•Inflação – 6.7% (2009), 12% (2010), 5% (2015)
É previsível que a estrutura económica do país não se altere muito e continue baseada na agricultura, indústria e serviços tendendo para colaborarem com pesos semelhantes para o PIB. Do sector turístico, que tem estado bem nos últimos anos, espera-se que se mantenha sustentável. Os principais produtos agrícolas deverão continuar a ser: arroz, borracha, cana, café, e chá. As grandes indústrias deverão continuar a ser: cimento, produtos químicos, papel, alimentação, e têxteis. Das riquezas naturais destacam-se: carvão, estanho, cobre, crómio, que se encontram sob controlo estatal.
Boas perspectivas não faltam.
Irão concretizar-se?
Veremos.
__________________________________
NOTAS:
[1] http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI56295-15227,00-UM+VIETNA+RENASCIDO.html
http://noticias.uol.com.br/ultnot/economia/2006/11/07/ult1767u79638.jhtm
[2] http://blog.vietnam-aujourdhui.info/post/2010/05/15/Pobreza-absoluta-no-Vietn%C3%A3-cai-para-um-ter%C3%A7o-em-catorze-anos
[3] http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/
[4] A área de produção alimentar tem aumentado a 20-30% ao ano
http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/industry-sector-industries.html
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_do_Vietname
[6] http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/
[7] Segundo informações disponibilizadas pelo General Statistics Office vietnamita
[8] http://www.ambhanoi.um.dk/en/menu/ConsularServices/OtherConsularIssues/
Food+poisoning/
[9] http://vietnamnews.vnagency.com.vn/Economy/200355/Global-corps-govt-to-launch-agri-task-force.html
[10] http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/
vitor.trigo@gmail.com
02 Setembro de 2010
Vietname 2010
Quão distante está hoje o Vietname da minha juventude. Nos anos 1960 e primeira metade da década de 1970, seguia com paixão a luta heróica deste povo, na altura nação ainda dividida, em mais uma luta contra a ocupação. Houve quem pensasse que a guerra estava perdida, tal o poder do inimigo. Mas não, os vietnamitas perderam várias batalhas mas acabaram por vencer. 30 de Abril de 1975 jamais sairá da memória deste abnegado povo.
Passados mais de trinta anos, o Vietname é uma nação em profunda transformação que não escapa às atenções da comunidade de negócios internacional.
Foi ainda nos anos 1980 que as autoridades lançaram a nova estratégia do país, procurando libertar-se dos grilhões do passado. Mas foi uma decisão do então presidente Clinton que, em 1994 ao levantar o embargo americano, que viria a permitir a adesão à OMC em Janeiro de 2007. O sonho de se tornar em “uma pequena China”[1] ganhava forma.
Contudo, o choque da entrada num mundo novo e altamente competitivo não foi fácil. A rápida transição não permitiu ajustamentos progressivos. A mudança tem sido acelerada[2]. Vejamos alguns dados importantes[3]:
População: 45 milhões (1975), 80 milhões (2000), 80% vietnamitas
Área: 331.688 Km2
Cidades mais importantes:
Ho Chi Min – 7 milhões
Hanoi (capital) – 4 milhões
Haiphong – 2 milhões
Mão-de-obra: Abundante e barata. Analfabetismo < 7.5% Desemprego: 4.3% (2007 est.), 4.7% (2008 est.) 2/3 da população trabalha na agricultura PIB: 89.83 b$ (2008 est.)
Crescimento do PIB (est.):
8.2% (2006), 8.5% (2007), 6.2% (2008)[4]
Principais produções e exportações:
Arroz – 40 milhões ton., primeiro exportador mundial
Café – 800 mil ton., segundo exportador mundial
Outros alimentos – Chá, Bananas, Peixe, Mariscos
Carvão, Petróleo, Energia Hídrica
Taxa de inflação (preços no consumidor):
8.3% (2007 est.), 24.4% (2008 est.)
Estima-se que em 2003 existiriam cerca de 7 milhões de lares de classe média (projectando-se este valor para 25 milhões em 2015). Entre 2003 e 2008 o número de estudantes universitário praticamente duplicou.[5]
O consumo retalhista continua nos limites inferiores dos países da região, se bem quase tenha duplicado de 2005 a 2009, de acordo com informações do governo. No ano passado, este valor foi de cerca de $ 450 (€ 354), tendo o PIB/capita evoluído da seguinte forma (est. em $): 2,500 (2006), 2,700 (2007), 2,800 (2008)[6].
Tal como na China a criação duma empresa é livre. Teoricamente, pois os entraves burocráticos excedem o que está determinado e não é fácil constituir segunda e terceira empresa pelo mesmo investidor estrangeiro, estando os critérios de decisão na dependência de autoridades locais e sujeitos a demonstração de vantagem económica para o país ou região.
Em Roma sê Romano
A sociedade vietnamita está a mudar rapidamente. Quem imaginaria que se preveja que o mercado de produtos de beleza irá crescer a uma taxa de 15% ao ano, e que as compras de vestuário já representam 18% do rendimento mensal das mulheres urbanas entre 20 e 45 anos?[7]
Ou que, entre 2003 e 2009, o número de ligações móveis tenha passado de 3.5 milhões para 111 milhões, o número de PCs tenha sextuplicado (de 910 mil para 5.1 milhões), que o número de cartões de crédito em uso tivesse passado de 500 mil para 17 milhões (32 vezes mais), e que o número de veículos de passageiros tenha duplicado (514 para 919)? São indícios de mudanças muito significativas.
O Departamento de Estatística do Vietname estima que, no ano passado, existissem cerca de 18 milhões de utilizadores da Internet. Este valor representa 5 milhões de novos assinantes, só em 2009. Como é natural num país em tão rápido desenvolvimento, a realidade não é a mesma nas grandes cidades e no resto do território. Em Hanói e Ho Chi Minh, por exemplo, cerca de metade da população beneficia de facilidades online que utiliza duas horas por dia, em média. A realidade do país é, no entanto, dispare – fruto da tradição matriarcal, o meio de comunicação preponderante continua a ser a televisão, que a transforma no mais importante veículo publicitário vietnamita. No entanto, à semelhança do que se tem verificado noutros países da zona, os especialistas apostam fortemente nos suportes digitais, em especial junto das camadas mais jovens.
Obstáculos ou oportunidades?
Os investidores estão atentos ao rápido desenvolvimento deste país. Os detentores do capital gostam de arriscar mas não descuram o controlo do risco. Nomeadamente, procuram tirar conclusões sobre o caminho já percorrido pelos pioneiros.
Na indústria da distribuição, por exemplo, o sucesso da Metro parece explicar-se pelo recurso a lojas de significativa dimensão (dezenas de milhares de produtos), apoiada em fornecedores locais. A preocupação com funções sociais, parece estar a ser bem acolhida pelos clientes, destacando-se a política de higiene e segurança alimentar da empresa que constitui uma referência num país onde os problemas de saúde relacionados com intoxicações alimentares são endémicos[8]. Uma das iniciativas de grande impacte da Metro consiste em formar agricultores e pescadores em higiene na produção agrícola. Esta iniciativa já abrangeu cerca de 19000 agricultores e pescadores desde 2002, e insere-se em parceria com outras empresas, sob custódia governamental.[9]
Que perspectivas?
A Economy Watch não está tão optimista quanto outros analistas. Baseada nos resultados globais de 2009, esta agência afirma explicitamente: “A partir de 2009, em resultado da quebra acentuada das exportações, aumentaram o desemprego e as falências de empresas, bem como investimento estrangeiro”[10]. É razão para perguntar de novo: Obstáculos ou oportunidades?
Recorrendo, mais uma vez e essencialmente por questões de coerência de métodos de recolha e tratamento de dados, aos analistas da Economy Watch, esta é a macro perspectiva:
•PIB (b$) - 103.12 (2010), 179.816 (2015)
•Desemprego – 4.3% (2010)
•Inflação – 6.7% (2009), 12% (2010), 5% (2015)
É previsível que a estrutura económica do país não se altere muito e continue baseada na agricultura, indústria e serviços tendendo para colaborarem com pesos semelhantes para o PIB. Do sector turístico, que tem estado bem nos últimos anos, espera-se que se mantenha sustentável. Os principais produtos agrícolas deverão continuar a ser: arroz, borracha, cana, café, e chá. As grandes indústrias deverão continuar a ser: cimento, produtos químicos, papel, alimentação, e têxteis. Das riquezas naturais destacam-se: carvão, estanho, cobre, crómio, que se encontram sob controlo estatal.
Boas perspectivas não faltam.
Irão concretizar-se?
Veremos.
__________________________________
NOTAS:
[1] http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI56295-15227,00-UM+VIETNA+RENASCIDO.html
http://noticias.uol.com.br/ultnot/economia/2006/11/07/ult1767u79638.jhtm
[2] http://blog.vietnam-aujourdhui.info/post/2010/05/15/Pobreza-absoluta-no-Vietn%C3%A3-cai-para-um-ter%C3%A7o-em-catorze-anos
[3] http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/
[4] A área de produção alimentar tem aumentado a 20-30% ao ano
http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/industry-sector-industries.html
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_do_Vietname
[6] http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/
[7] Segundo informações disponibilizadas pelo General Statistics Office vietnamita
[8] http://www.ambhanoi.um.dk/en/menu/ConsularServices/OtherConsularIssues/
Food+poisoning/
[9] http://vietnamnews.vnagency.com.vn/Economy/200355/Global-corps-govt-to-launch-agri-task-force.html
[10] http://www.economywatch.com/world_economy/vietnam/
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Os USA e a Crise Económica Mundial
Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
01 Setembro de 2010
Os USA Estão em Declínio?
Apesar do despertar dos designados emergentes, o sistema capitalista em que vivemos continua a depender da locomotiva USA. Daí que, face à crise financeira e económica sem precedentes que estamos a viver desde Setembro de 2008, se coloque a questão crucial: Como irão os EUA ultrapassar este desafio?
A questão seguinte, e inevitável, é que implicações as opções dos USA acarretarão para o resto do mundo, pois do que se trata não é de resolver o problema americano, mas sim, de através da retoma do desenvolvimento, procurar colocar o mundo na senda dos benefícios daí resultantes – a dita sociedade do bem-estar de que tantos falam e muitos mais não conseguem encontrar uma definição capaz.
Entenda-se, neste contexto, portanto sem iniciar a busca de outro qualquer tipo de alternativas, que o desenvolvimento capitalista, tal como nos habituámos a vê-lo, é sinónimo de justiça, progresso, e bem-estar. E é preciso não esquecer que, nas últimas décadas, os EUA foram responsáveis por cerca de um terço do crescimento económico mundial.
Poderá perguntar-se se o mundo está condenado a viver no sistema capitalista tal como o conhecemos, mas deixaremos essa legítima e pertinente discussão para outra ocasião. Por agora centremo-nos nas hipóteses de saída da crise no actual contexto. Não questionando o sistema, portanto.
A crise é tão profunda que limita o raciocínio dos decisores. Não parece haver tempo para desenhar qualquer estratégia – é urgente actuar.
Esta atitude pode, por si só, esconder novas ameaças. Não há lugar para a estratégia? Até quando, e com que consequências, conseguiremos navegar à vista? E, na verdade, os EUA não evidenciam possuir qualquer estratégia económica. E estão em plena viragem política, parecendo correr atrás dos acontecimentos.
A prática da gestão ensinou-nos que as crises não se enfrentam com medidas pontuais, antes com planos estratégicos, portanto concertados e com visão de longo prazo. Trata-se de identificar o que se deve e pode fazer, e também o que não se deve nem pode fazer.
De que estávamos à espera?
De repente, o mundo pareceu esquecer os ex-inimigos orientais, mesmo que por vezes os intitulasse de “tigres de papel” [1], elegendo-os como parceiros estratégicos, e fazendo deslocar para a China e para a Índia, meios de produção excepcionais e conhecimentos até aí considerados críticos, por vezes confidenciais e no âmbito exclusivo da “segurança nacional”.
Os políticos auto-elogiaram as suas decisões, enquanto os trabalhadores e população em geral temiam pela estabilidade dos empregos, segurança das reformas, e decrescente acesso aos mais elementares cuidados de saúde. Ou seja, as populações viam finalmente a outra (ou será que é a única?) face da tão elogiada globalização.
Os USA continuaram, contudo, a ser a terra das oportunidades e do empreendedorismo. Em nenhum outro lugar do mundo se encara a mudança de emprego como nos USA, fruto das vantagens competitivas que os domínios tecnológico e científico, a par duma enraizada capacidade de inovação, permitem.
Mas o mundo está a mudar perante a complacência dos ditos países desenvolvidos. Enquanto os países emergentes apostavam na formação, na pesquisa e no desenvolvimento, nas práticas comerciais globais, na adesão às mais influentes instituições mundiais, o mundo ocidental continuava a acreditar num dinamismo sem paralelo, nos dotes de resiliência e… nas virtudes do sistema, que não se cansava de evidenciar fissuras que ninguém, no ocidente, parecia querer ver.
Na realidade, não se pode dizer que as outras nações ultrapassaram os USA, mas antes que estes descuraram as suas fraquezas, tornando-se cada vez mais virados para os resultados de curto prazo e para o individualismo. Sinais alarmantes não faltam – PanAm, ainda na década de 1980, ATT, Enrom, Accenture, a par das crises que quase destruíram a IBM, a GM, e outros colossos mundiais.
As corporações ocidentais descuraram o reinvestimento em ciência e tecnologia, privilegiaram o valor bolsista em relação à sustentabilidade, e o sistema, mesmo alertado para as ameaças evidentes, optou por não agir.
Quem trabalha ou trabalhou em multinacionais por certo que se apercebeu que os financeiros assumiram o controlo das empresas relegando as demais funções para papéis de execução controlada. As consequências estão à vista.
A retórica do mercado livre
Aparentes falhas na legislação anti-trust parecem estar a dificultar a concorrência, através de fusões e aquisições sem precedentes, hipocritamente em nome da liberdade de actuação do mercado. A insuficiente taxa de reinvestimento em ciência e tecnologia, resultante destas concentrações está a matar uma das maiores forças da América – o empreendedorismo. Que fazem os políticos federais? Praticamente nada. Observam, debatem, e pouco mais. A Europa parece seguir o exemplo.
A maioria das pessoas, em particular os americanos, julgam que os USA dominam em quase todos os indicadores de mercado, mas esta suposição não corresponde à realidade e parece tender para piorar [2].
Ironicamente, os USA estão a encaminhar-se para o que tanto têm criticado, nomeadamente na incapacidade para captação de fluxos de capital, no recurso a barreiras comerciais acrescidas, elevando os níveis de taxação, ou exagerando na protecção através de subsídios estatais.
Outros indicadores se apresentam como preocupantes. Por exemplo, os USA ocupavam em 30 Dezembro de 2008, o 12º lugar na classificação do ensino superior entre os 25 e os 34 anos [3]. Sintomático, não é?
Muitas esperanças foram depositadas em Obama, mas a complexidade das tarefas que ele terá de enfrentar não permite pensar em resultados de curto-prazo. Não se trata de soluções reformadoras e incrementais. É de fractura, de revolução, que estamos a falar. E sabe-se como a América detesta esta expressão.
Os americanos vão ser desafiados a demonstrar paciência e sapiência. Há que contar, contudo, com a constante pressão dos Republicanos.
Mas continuarão a dispor de preciosas vantagens – o seu poderio económico, o domínio tecnológico que ainda detêm, e, sobretudo, a sua incrível supremacia militar, continuarão a conferir-lhes enorme ascendente sobre os potenciais concorrentes.
_________________________________________
NOTAS:
[1] http://www.janelanaweb.com/vento/chinabrink.html
[2] http://www.weforum.org/pdf/GCR09/GCR20092010fullreport.pdf, pág. 321
[3] http://www.businessweek.com/magazine/content/08_45/b4107038217112.htm
vitor.trigo@gmail.com
01 Setembro de 2010
Os USA Estão em Declínio?
Apesar do despertar dos designados emergentes, o sistema capitalista em que vivemos continua a depender da locomotiva USA. Daí que, face à crise financeira e económica sem precedentes que estamos a viver desde Setembro de 2008, se coloque a questão crucial: Como irão os EUA ultrapassar este desafio?
A questão seguinte, e inevitável, é que implicações as opções dos USA acarretarão para o resto do mundo, pois do que se trata não é de resolver o problema americano, mas sim, de através da retoma do desenvolvimento, procurar colocar o mundo na senda dos benefícios daí resultantes – a dita sociedade do bem-estar de que tantos falam e muitos mais não conseguem encontrar uma definição capaz.
Entenda-se, neste contexto, portanto sem iniciar a busca de outro qualquer tipo de alternativas, que o desenvolvimento capitalista, tal como nos habituámos a vê-lo, é sinónimo de justiça, progresso, e bem-estar. E é preciso não esquecer que, nas últimas décadas, os EUA foram responsáveis por cerca de um terço do crescimento económico mundial.
Poderá perguntar-se se o mundo está condenado a viver no sistema capitalista tal como o conhecemos, mas deixaremos essa legítima e pertinente discussão para outra ocasião. Por agora centremo-nos nas hipóteses de saída da crise no actual contexto. Não questionando o sistema, portanto.
A crise é tão profunda que limita o raciocínio dos decisores. Não parece haver tempo para desenhar qualquer estratégia – é urgente actuar.
Esta atitude pode, por si só, esconder novas ameaças. Não há lugar para a estratégia? Até quando, e com que consequências, conseguiremos navegar à vista? E, na verdade, os EUA não evidenciam possuir qualquer estratégia económica. E estão em plena viragem política, parecendo correr atrás dos acontecimentos.
A prática da gestão ensinou-nos que as crises não se enfrentam com medidas pontuais, antes com planos estratégicos, portanto concertados e com visão de longo prazo. Trata-se de identificar o que se deve e pode fazer, e também o que não se deve nem pode fazer.
De que estávamos à espera?
De repente, o mundo pareceu esquecer os ex-inimigos orientais, mesmo que por vezes os intitulasse de “tigres de papel” [1], elegendo-os como parceiros estratégicos, e fazendo deslocar para a China e para a Índia, meios de produção excepcionais e conhecimentos até aí considerados críticos, por vezes confidenciais e no âmbito exclusivo da “segurança nacional”.
Os políticos auto-elogiaram as suas decisões, enquanto os trabalhadores e população em geral temiam pela estabilidade dos empregos, segurança das reformas, e decrescente acesso aos mais elementares cuidados de saúde. Ou seja, as populações viam finalmente a outra (ou será que é a única?) face da tão elogiada globalização.
Os USA continuaram, contudo, a ser a terra das oportunidades e do empreendedorismo. Em nenhum outro lugar do mundo se encara a mudança de emprego como nos USA, fruto das vantagens competitivas que os domínios tecnológico e científico, a par duma enraizada capacidade de inovação, permitem.
Mas o mundo está a mudar perante a complacência dos ditos países desenvolvidos. Enquanto os países emergentes apostavam na formação, na pesquisa e no desenvolvimento, nas práticas comerciais globais, na adesão às mais influentes instituições mundiais, o mundo ocidental continuava a acreditar num dinamismo sem paralelo, nos dotes de resiliência e… nas virtudes do sistema, que não se cansava de evidenciar fissuras que ninguém, no ocidente, parecia querer ver.
Na realidade, não se pode dizer que as outras nações ultrapassaram os USA, mas antes que estes descuraram as suas fraquezas, tornando-se cada vez mais virados para os resultados de curto prazo e para o individualismo. Sinais alarmantes não faltam – PanAm, ainda na década de 1980, ATT, Enrom, Accenture, a par das crises que quase destruíram a IBM, a GM, e outros colossos mundiais.
As corporações ocidentais descuraram o reinvestimento em ciência e tecnologia, privilegiaram o valor bolsista em relação à sustentabilidade, e o sistema, mesmo alertado para as ameaças evidentes, optou por não agir.
Quem trabalha ou trabalhou em multinacionais por certo que se apercebeu que os financeiros assumiram o controlo das empresas relegando as demais funções para papéis de execução controlada. As consequências estão à vista.
A retórica do mercado livre
Aparentes falhas na legislação anti-trust parecem estar a dificultar a concorrência, através de fusões e aquisições sem precedentes, hipocritamente em nome da liberdade de actuação do mercado. A insuficiente taxa de reinvestimento em ciência e tecnologia, resultante destas concentrações está a matar uma das maiores forças da América – o empreendedorismo. Que fazem os políticos federais? Praticamente nada. Observam, debatem, e pouco mais. A Europa parece seguir o exemplo.
A maioria das pessoas, em particular os americanos, julgam que os USA dominam em quase todos os indicadores de mercado, mas esta suposição não corresponde à realidade e parece tender para piorar [2].
Ironicamente, os USA estão a encaminhar-se para o que tanto têm criticado, nomeadamente na incapacidade para captação de fluxos de capital, no recurso a barreiras comerciais acrescidas, elevando os níveis de taxação, ou exagerando na protecção através de subsídios estatais.
Outros indicadores se apresentam como preocupantes. Por exemplo, os USA ocupavam em 30 Dezembro de 2008, o 12º lugar na classificação do ensino superior entre os 25 e os 34 anos [3]. Sintomático, não é?
Muitas esperanças foram depositadas em Obama, mas a complexidade das tarefas que ele terá de enfrentar não permite pensar em resultados de curto-prazo. Não se trata de soluções reformadoras e incrementais. É de fractura, de revolução, que estamos a falar. E sabe-se como a América detesta esta expressão.
Os americanos vão ser desafiados a demonstrar paciência e sapiência. Há que contar, contudo, com a constante pressão dos Republicanos.
Mas continuarão a dispor de preciosas vantagens – o seu poderio económico, o domínio tecnológico que ainda detêm, e, sobretudo, a sua incrível supremacia militar, continuarão a conferir-lhes enorme ascendente sobre os potenciais concorrentes.
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NOTAS:
[1] http://www.janelanaweb.com/vento/chinabrink.html
[2] http://www.weforum.org/pdf/GCR09/GCR20092010fullreport.pdf, pág. 321
[3] http://www.businessweek.com/magazine/content/08_45/b4107038217112.htm
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