Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
31 Agosto de 2010
Os europeus sabem, melhor do que ninguém, que a crise económica que nos afectou está longe de se poder declarar vencida. Alguns esperam que a Alemanha ou a França, ou os dois em coordenação de esforços, coloquem de novo o Velho Continente na senda dos êxitos de antigamente. A História não é, e tem-no mostrado bastas vezes, nem simples, nem linear.
Para o cidadão comum, o primeiro alerta surgiu com a bancarrota islandesa. Mas o susto foi a Grécia. A revelação de escândalos financeiros só serviu para tentar explicar aos europeus que a culpa não era do sistema, mas sim de alguns energúmenos, banqueiros, políticos, ou fossem lá quem fossem. O que importa é que a Grécia entrou em incumprimento dos seus deveres com os empréstimos estrangeiros. O pânico de que esta situação alastrasse a outros membros da EU era, e continua a ser, real. O sistema estava a ser perigosamente questionado.
A Grécia precisava de enorme ajuda imediata dos seus parceiros e estes, em especial pela mão de Angela Merkl, mostraram não estar receptivos à ideia de colocar os contribuintes a pagar o que alegavam ser os continuados erros dos gregos. Quando se fala de fundos, de significativas quantias (big money) a razão fica sempre do lado dos poderosos, e nesta arena não há dúvidas – quem actualmente “manda” na EU é a Alemanha.
Por muito que os franceses se queiram colocar em bicos dos pés, os indicadores trimestrais (2T de 2010) ditam a importância dos intervenientes – a França cresceu 0.6%, bastante mais do que a Espanha por exemplo com 0.2%, ao passo que a Alemanha apresentou uns expressivos 2.2.%, o maior valor registado desde a reunificação em 1990 [1] [2].
Releve-se que, para os alemães a questão da reunificação continua a ter um cunho mais “nacional” do que a integração na EU, e, por inerência o dever de resolver problemas alheios, ainda que estes sejam cruciais para a EU – de facto não o são para a invocada questão da reunificação nacional. Se tivessem que optar, a decisão penderia sempre para questões internas. Os alemães ocidentais, antiga República Federal da Alemanha, após a euforia da reunificação, sentiram quanto tiveram de pagar pela integração dos “irmãos de leste” na grande família alemã, e não esquecerão tão cedo esse custo.
Ajudar os “irmãos orientais” foi encarado como um dever. Ajudar os “irmão gregos”, e outros “irmãos” ainda não identificados é impensável. Merkel sabia o que o eleitorado alemão, em especial o ocidental, pensava e não podia hesitar: escolheu o caminho óbvio, rejeitando qualquer hipótese de financiamento a fundo perdido duma Grécia descontrolada e sem evidente capacidade e vontade de se submeter a pesados sacrifícios internos.
Acresce que ao, até ver, conjuntural renascimento da economia alemã, é obrigatório correlacionar o acréscimo das exportações alemãs para a China, em especial no domínio tecnológico. Porquê conjuntural? Porque a economia chinesa parece começar a registar alguns problemas até agora inexistentes [3].
A opinião pública não ficou indiferente a tudo isto, pois nem os políticos nem a comunicação social alemães o permitiram – as campanhas públicas de acusação aos desvarios grego, espanhol, português, e até irlandês e italiano, não se fizeram esperar e foram bem cáusticas.
A EU percebeu a mensagem – os alemães não iriam suportar a situação. Algo teria de mudar, e substancialmente, em especial nos países da zona euro.
Era como se se estivesse a lutar pela sobrevivência da moeda única e da própria EU como entidade soberana e sustentável. Isto despertava, como é óbvio, toda a ordem económica mundial.
A própria Alemanha passou ao exemplo: fortíssimos cortes nas despesas públicas e reformulação de importantes acordos laborais, que incluíam recurso alargado à figura de “contrato a prazo”. Os resultados destas duras medidas – forte contenção salarial, trabalho limitado no tempo, acesso mais difícil a subsídios - não se fizeram esperar. Aí estão os indicadores trimestrais para o provar.
Mas estas medidas não são completa novidade para os alemães. Já o anterior chanceler Schröder, as havia introduzido prometendo resultados sustentáveis que não se vieram a verificar. Daí que a desconfiança de trabalhadores e suas organizações não se fizesse esperar. Os políticos não podiam dar passos em falso, estavam sob vigilância apertada, e Merkel sabia-o.
A forte ligação ao mercado chinês são uma esperança, mas pode esconder perigos. O principal, como é evidente, é a continuação do crescimento chinês ao nível da última década.
A política alemã, no que se refere ao emprego, parece clara – é melhor para o país criar empregos, ainda que precários e subsidiados, do que suportar a catástrofe económica e social do desemprego. Os sindicatos parecem entender que á preferível diminuir horas de laboração do que lançar trabalhadores no desemprego.
A este programa, designado por Kurzarbeit, aderiu 1.5 milhões de assalariados [4], o que é realmente um número que parece atestar da eficácia das medidas adoptadas. Segundo a OCDE este programa têm-se mostrado de grande impacte em especial nas cidades mais pequenas, estimando que ele seja o responsáveis pela manutenção de, pelo menos, 200,000 postos de trabalho, que, doutra forma teriam engrossado o exército de desempregados. Este valor refere-se somente ao terceiro trimestre de 2009.
Numa entrevista ao New York Times [5], o presidente da empresa alemã Shultz, comentou face ao recuo verificado no desemprego na cidade de Memmingen para cerca de 3.4% quando a média nacional de 7.6% [6], o seguinte: “O governo adoptou as medidas correctas (Kurzarbeit) que permitiram ultrapassar uma difícil situação”.
O Sr. Schultz refere-se ao aumento de 28.5% das exportações alemãs registado em Julho deste ano, quando comparadas com o ano anterior. Este é o maior valor verificado desde Outubro de 2008. Um indicador muito animador, que todos aplaudem.
Contudo, a preocupação mantém-se: O que acontecerá se e quando as exportações para a China sofrerem algum revês? O Milagre alemão ficará incólume?
Sobre uma coisa o governo alemão parece ter uma ideia inabalável: para manter a coesão social é preciso continuar a apoiar o programa Kurzarbeit, independentemente das políticas que os parceiros europeus, nomeadamente os do sul, vierem a adoptar. A Irlanda parece ter aprendido a lição e já enveredou por medidas sociais e laborais bem duras [7].
Uma vez mais a Europa parece não querer seguir as medidas do presidente Obama para os USA, considerando-as, como muitos economistas, puras perdas de tempo e dinheiro.
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NOTAS:
[1] Sob o ponto de vista político este acontecimento ganha significado acrescido pelo facto de Angela Merkl ter nascido na ex-Alemanha Oriental. Alguns traumas deixados pelo III Reich não estão ainda completamente superados, nem pelos alemães nem pelos outros europeus.
[2] Neste trimestre a Grécia registou um decréscimo de 1.5%.
[3] Ver outros artigos sobre a China, nomeadamente
[4] Números oficiais de Maio de 2009
[5] http://www.nytimes.com/2010/08/14/world/europe/14germany.html?_r=1&emc=eta1
[6] No momento em que escrevo este texto, a TSF acaba de divulgar os dados do Eurostat sobre o desemprego em Portugal: 11%.
[7] Ver “Irlanda – Ilusões e Desencantos” escrito em 18 Agosto de 2010 e afixado em 31 Agosto de 2010
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