terça-feira, 8 de novembro de 2011

Empreendedorismo e “Person Job Fit”

Por: Vitor M, Trigo
vitor.trigo@gmail.com
08 Novembro de 2011

A maioria dos gestores que conheço utiliza a expressão “Person Job Fit” para relevar a importância da identificação do indivíduo com a definição do posto de trabalho que lhe foi, ou vai ser, entregue. Tal significa que, a partir duma análise de funções mais ou menos profunda e formal, a situação ideal encontrar-se-á quando as capacidades (Skills) do colaborador coincidirem com as exigências do cargo.

Esta é uma perspectiva estática, completamente desajustada da visão que os mesmos gestores afirmam possuir sobre os recursos humanos (RH) que constituem, dizem, a sua maior vantagem competitiva. Contudo, quando se referem a gestão de RH colocam a tónica não sobre o momentum mas sim sobre o futuro, tendo em vista a necessidade de adaptação à envolvente em constante mudança. Então, em que ficamos? Prioridade ao presente ou ao futuro?

Tudo se começa a enviesar quando se atribui a responsabilidade de grande decisor na selecção dum candidato ao supervisor do posto de trabalho a preencher. E o processo continua quando se delega a gestão de carreira no supervisor de momento, aquele a quem a organização exige primariamente o cumprimento de objectivos de curto prazo – receitas, e algumas vezes, lucros. Que vê ele no indivíduo sob a sua coordenação? O instrumento, o mais eficiente possível, para garantir os compromissos que assumiu. Raramente se lhe colocam critérios de eficácia, e só em plano segundário a formação e desenvolvimento dos profissionais em termos de organização global.


Moldar um empreeendedor é liquidar as suas características


É comum encontrarem-se conceitos de cultura empresarial que, de facto, não passam de normas de homogeneização de pessoas – “Foi desta forma que crescemos, e é desta forma que queremos continuar a progredir”, é um óptimo exemplo de pensamento atávico. Se assim for, não existe espaço para a diversidade, nem para a criatividade e inovação. Não se cria ambiente propício ao desenvolvimento de espírito empreendedor, e os verdadeiros empreendedores em breve debandarão.

Um empresa inovadora incentiva o “Person Job Fit” e o “Job Person Fit”, isto é, testa sistematicamente o redesenho das funções do posto de trabalho de acordo com as pessoas mais competentes. Chamemos-lhes talentos.

Não se trata, obviamente, de estimular a desobediência e o desrespeito pela cadeia de produção de valor, pois cada um tem o direito de receber o que foi produzido a montante, e o dever de entregar o que produziu a jusante, com toda a qualidade prevista. Este é o grande benefício da Gestão por Processos, que ao definir todos os Acordos de Nível de Serviço (SLA – Service Level Agreement), liberta os intervenientes de grande parte das tarefas rotineiras, permitindo espaço para a criatividade.


O empreendedor típico


• Desafia as regras estabelecidas, procurando melhorias processuais;
• Avalia as consequências das suas opiniões, e avança com propostas concretas;
• Nunca está satisfeito com as melhorias que introduziu, testando-se permanentemente.

Há que tomar cuidado, pois, em não o confundir como um gerador de problemas e conflitos, e apoiar a suas iniciativas. Um desafio permanente para o seu manager. Tive a oportunidade de lidar, no terreno de operações, com alguns empreendedores, não muitos infelizmente. Posso garantir-vos que nem sempre foi fácil a relação hierárquica. O ímpeto normal do empreendedor não lhe facilita a aceitação de respostas negativas, e a pressão dos objectivos nem sempre é propícia a que lhes dediquemos a atenção que merecem.

De seguida, compilarei alguns conselhos aos jovens empreendedores que pretendam modificar regras de trabalho estabelecidas, sem gerarem conflitos inerentes.


Quebrar regras sem gerar entropia


1 – Identifique o que faz, como faz, o que pretende alterar, e porquê


A iniciativa é a maior virtude do empreendedor. O ímpeto é, por vezes, o seu maior inimigo. Aconselho a adopção de um roteiro, cuja base poderá ser esta, tomando em linha de conta as características pessoais.

Definição funcional
O que se espera que você faça, pode e deve considerar as suas competências. Tal não significa que você seja mais importante do que a função que você pretensamente assegura, mas antes que, se aproveitar os seus pontos fortes, o produto final da sua intervenção pode ser enriquecido.

Redes profissionais
Uma função não é um silo isolado – depende de outras, e torna outras dependentes. Mesmo quando a organização é gerida por processos, que visam majorar estas ligações, o relacionamento pessoal é fundamental. Tente conhecer os seus interlocutores, e utilize os seus dotes relacionais.

O que tem valor é quantificável
Identifique porque a sua função existe. Perceba o valor que você mesmo representa. É capaz de o quantificar? Se você não creditar na sua indispensabilidade, quem irá reconhecê-la?


2. O que ganham os outros, e a empresa, com as suas ideias?


Vantagens não são necessariamente benefícios
Só tem a percepção duma vantagem quem tem uma necessidade para colmatar, e só percebe os benefícios quem reconhece os ganhos que advém da mudança. Não esqueça que todas as mudanças comportam riscos e nem toda a gente aprecia corrê-los. Seja, por isso, claro nas propostas que fizer.

Procure aliados, evite inimigos
O que está instituído pode ser considerado como antigo êxito de alguém? Assegure-se de que a sua proposta não obsoletiza trabalho alheio. Se esse risco existir, procure envolver a outra pessoa na sua ideia, tão cedo quanto possível.


3. Monitorize a mudança


O “seu”projecto
A proposta foi sua, o benefício vai ser geral. Toda a gente sabe. Mas é você que está na berlinda. De facto, foi você que formulou a ideia e conduziu à mudança. Tem de acompanhar o “seu” projecto, assegurar-se que está dentro dos custos e metas previstas, e introduzir as correcções que se vierem a manifestar como necessárias. Não delegue esta responsabilidade.

O que conta são os resultados
Insisto neste ponto – A ideia foi sua, os resultados são para a organização. Mantenha sempre visíveis e controláveis os objectivos enunciados e os efeitos verificados.

A Qualidade é definida pelo cliente
Assegure-se do que os seus clientes, identificados em 2, entendem por qualidade, e quais são as suas condições de satisfação. Procure exceder as expectativas criadas.


4. E você? Que ganha você com tudo isto?


Prazer
Entre os factores que mais contribuem para a satisfação no trabalho contam-se: Autonomia, Responsabilidade; Percepção do valor da intervenção; Variedade de tarefas; Aproveitamento de competências individuais; Evolução na carreira. O empreendedor move-se em todas estas vertentes. Aproveite os privilégios que lhe estão a ser concedidos.

Motivação
A motivação é a atitude interior que compele à acção. Nunca se esqueça que raramente existe uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão. Esteja atento a todas as oportunidades.

Prestígio
Ser falso modesto não compensa. Pelo contrário, poderá projectar imagem de injustificável cinismo. Assuma os êxitos que são seus, tal com nunca alije os seus desaires. Esta dupla atitude influenciará a sua carreira.

Recompensa
Em princípio todos os sistemas de recompensa premeiam resultados. E, de entre as recompensas aplicáveis, as mais generosos são as que incidem sobre o imprevisto, ou seja, o não contratado.



Uma palavra final para as iniciativas de criação de negócio próprio.

O leitor terá percebido que este artigo não restringe o termo empreendedorismo ao dom de criação de empresas. Pode e deve ser-se empreendedor na construção de carreira profissional por conta de outrem, e no desenho e gestão de projectos individuais.

Em todos os campos o empreendedor evidencia uma característica indispensável: a paixão que coloca em tudo o que faz. Sempre defendi esta ideia (ver “Todo o Empreendedor É Apaixonado”).

Se um dia decidir montar a sua própria empresa, vai ver que terá tudo a ganhar com o que aprendeu ao desenvolver a sua veia empreendedora por conta de outrem.

E nunca se esqueça – Procure apaixonar-se pelo seu trabalho.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CHINA - Construir Equipamentos para Construir o Mundo

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
10 Outubro de 2011

Desenvolvendo o interior do país

Como vem sendo habitual nas iniciativas estratégicas chinesas, nada é deixado ao acaso. Acompanhado o boom de exportações, que vimos analisando nos dois últimos artigos ”China – Novo Paradigma Exportador? ” e ”China – É “Pesada” a Nova Batalha nas Exportações” (aconselho a que sejam lidos por esta ordem), as autoridades chinesas apostaram na localização da produção de equipamentos pesados no interior do país, para assim dispersarem riqueza pelas zonas menos desenvolvidas.

Se olharmos para as províncias costeiras, e como consequência do fortíssimo investimento estrangeiro, verificaremos que se acentuaram as diferenças para o interior. (Nota: estima-se que o investimento estrangeiro na China entre 1978 e 2011, possa ter atingido cerca de 750 b$, dos quais 420 b$ ocorreram entre 2006 e 2010, segundo a Revista Veja de Outubro de 2010).

Mas, a partir de 2007 iniciou-se o processo de aproximação – o crescimento do PIB nas regiões do interior superou consistentemente o crescimento do PIB das zonas costeiras. (consulte aqui a Wikipedia).

As duas realidades, zonas costeiras e interior, podem ajudar-se. O interior detém a maioria da industria pesada e é carente de produção mais ligeira, que embora muito significativa até agora nas exportações se situa quase somente no litoral (têxteis, indústria farmacêutica e electrónica). Não se percebem movimentações da indústria pesada para a costa, embora nesta possam vir a ocorrer investimentos, nomeadamente nas áreas de produção de componentes. Em simultâneo, a aposta nas indústrias leves para o interior é inequívoca. Trata-se também, e essa vertente é muito importante, da contribuição para a solução de questões sociais antes que elas possam ocorrer.

Como vimos nos dois artigos anteriores, “China – Novo Paradigma Exportador?” e “China – É "Pesada” a Nova Batalha nas Exportações”, a indústria pesada chinesa está a passar por um período fantástico, a ponto de as empresas Sany e Zoomlion , sediadas em Changsha, e a empresa Xugong , de Xuzhou, estarem agora entre o top ten mundial. Saliente-se que, ainda em 2009, nenhuma empresa chinesa constava desta lista.

Aproveitando esta expansão, as províncias do interior desenvolveram estreitas relações comerciais com os países vizinhos, também eles em desenvolvimento, e ávidos de apoio. Beneficiam igualmente de todas as infraestruturas, em particular dos novos transportes rodoviários e ferroviários. A Associação das Nações do Sudoeste Asiático (ASEAN) está de mãos abertas, preparando-se para transformar a região de Guangxi num importante centro logístico, suportado pela recentemente criada “Zona Especial de Desenvolvimento” . Encontram-se igualmente em franca expansão as redes com destino ao Sul (Singapura), as ligações do Oeste para a Ásia Central e Europa, bem como a recuperação da antiga ligação com a Rússia. Em paralelo, a China lançou em 2010 o que intitularam como uma gigantesca rede ferroviária de alta-velocidade .



Um negócio entre pares


Foi por volta de 2005-2006 que os mercados emergentes passaram a puxar pelas exportações chinesas. De tal forma o tem vindo a fazer que o conjunto de países não-OCDE deverá ser em 2012 o principal destino das exportações chinesas.

Por outro lado, como vimos, a produção chinesa a partir de capital nacional deverá superar a que provém de capitais estrangeiros. Não se infira daqui que o investimento estrangeiro está a diminuir. Não. O que está a acontecer é que existe uma nova aposta destes investidores orientado para o consumo interno que os chineses querem desenvolver (ver aqui ).

Estas duas tendências significam que o envolvimento económico mundial da China na próxima década vai ser predominantemente realizado por empresas chinesas, de capital chinês, que abastecem os mercados dos outros países em desenvolvimento. Isto é uma inversão do que se passou na década passada, na qual o investimento a partir de multinacionais foi um factor-chave da integração da China na economia mundial.

Mais importante, os bens de maior valor que os países não-OCDE estão a importar (comboios, tractores, camiões, guindastes), são aqueles em que os fabricantes na China estão a apostar. É por isso que se designam estas trocas por negócio entre pares, ou negócio Sul-Sul, como a figura seguinte ilustra.




Que novas frentes se perspectivam?


A caminhada da China parece não apreciar limitações. Os chineses encaram os obstáculos com motivação. Os êxitos que estão a conquistar em países terceiros, começam a gerar imagem positiva no Ocidente, e as autoridades chinesas sabem que têm de se livrar do controlo estrangeiro sobre as suas próprias exportações. Querem ser eles a segurar as rédeas. E estão a consegui-lo.

O aparecimento de empresas chinesas na faixa tecnológica superior é um desenvolvimento que uns saúdam e outros temem. No passado recente, os produtos de gama baixa exportados pela China, permitiram controlar a inflação nos países de destino, forçando os fornecedores locais à adição de valor para se manterem competitivos. Mas, a partir de agora, o cenário será bem diferente.

O Ocidente ainda dispõe de algum tempo, mas tem de despertar. Os avanços tecnológicos chineses ainda não estão suficientemente maduros para uma luta de igual para igual em mercados exigentes, dir-se-á com alguma razão. E alguns revezes podem vir a acontecer às indústria chinesas, como o recente desaire do acidente ferroviário na alta velocidade, que obrigou as autoridades a repensarem todo o processo. Aqui se recorda o mediático desastre com o comboio de alta-velocidade que provocou 36 vítimas mortais e levou a que as autoridades chinesas mandassem retirar de circulação 54 composições da mais elevada tecnologia.

A China continua a licenciar mais engenheiros por ano do que qualquer outro país do mundo. É uma grande vantagem. Apesar disso, cerca de 80% da população ainda não possui formação secundária, o que é grande problema. Algumas áreas, onde a aposta chinesa foi considerada prioritária, como as indústrias verdes, apesar dos enormes subsídios estatais, muitos parques eólicos continuam inactivos, e mesmo desligados da rede, por escassez de engenheiros e outros profissionais qualificados capazes de operarem os equipamentos.

Alguns analistas acham que o país devia repensar as metas tecnológicas que traçou, sob pena de ter de os rever após eventuais comprometedores desaires. A inovação dificilmente se decreta. Há que dar tempo ao tempo. Mas os chineses têm pressa .

Seria preferível, dizem alguns, um maior enfoque noutras áreas, como a reforma da educação, que permitiria porventura maior progresso orgânico tecnológico com bases mais sustentáveis.

No fundo, a diferença de requisitos duma economia em tempos virada para o mercado soviético e agora decidida a satisfazer as necessidades dos mercados do Ocidente é abissal.

domingo, 9 de outubro de 2011

CHINA – É "Pesada" a Nova Batalha nas Exportações

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
09 Outubro de 2011

O artigo anterior, "China – Novo Paradigma Exportador?", introduziu a nova mudança estratégica chinesa no que diz respeito a exportações - da gama baixa para níveis progressivamente mais elevados de incorporação de valor.

Este deslocamento era inevitável. O assunto já aqui havia sido tratado em Setembro de 2010, tendo justificado assinalável interesse, a avaliar pelas visitas registadas no blog. Toda a gente estava consciente de que isto iria acontecer, apenas se desconhecendo quando, e com que consequências globais. Parece falta de senso dos países industrializados não se terem precavido, pois a história recente tem mostrado que sempre que a China apostou no crescimento de qualquer sector, o fez com base em economias de escala suportadas em poderosos investimentos. Evidenciando pistas, portanto. Os países ricos parecem ter esquecido depressa com foi penosa para eles a aposta chinesa na indústria siderúrgica na década de 2000. Nenhuma novidade, portanto, sobre o que está a acontecer. Inexplicável amnésia? Incúria? Sobranceria? Um compósito, talvez.



Atente-se na figura anterior, onde sob a designação de “Zona Quente” (a expressão é recorrente nos textos da The Economist), se constrói um radar do impacte das novas apostas de exportação chinesas no contexto global. No gráfico torna-se bem visível quais os sectores em que os países da OCDE sentem actualmente a pressão exportadora chinesa. Resumidamente, onde o Ocidente menos a desejava.

O estudo, realizado sobre dados de 2007-2010, incidiu em 217 mercados de exportação de mercadorias (commodities), calculando-se que o valor mundial destas transacções possa ter ultrapassado 10 t$. O mapeamento resulta de cruzamento das percentagens de exportações globais dos países OCDE, no eixo horizontal, com a variação verificada na quota de mercado chinesa em três anos, no eixo vertical.

A “Zona Quente”, ou campo crucial da luta, situa-se no quadrante superior direito, onde os países OCDE detêm quota dominante do mercado, e onde as apostas chinesa têm sido mais significativas, de 2007 a 2010. Neste quadrante, situam-se 37 sectores responsáveis por 927 b$ em 2010. Repare-se no quadro – releva equipamentos pesados e de precisão, áreas onde se tornam imprescindíveis avanços significativos nas tecnologias de corte e modelação de metais. Há uma década, tal teria sido impossível.

A quota de mercado dos países OCDE nestes mercados passou de 79% em 2007 para 74.7% em 2010 – cerca de 4.3 pontos percentuais. No mesmo período a quota chinesa passou de 8.5% para 14% - cerca de 5.5 pontos percentuais.

A táctica utilizada pela China parece ter sido a habitual – importa os produtos que quer vir a produzir, das melhores fontes, procedendo a processos de reengenharia (reverse engineering) que os possa dotar dos conhecidos necessários para produção em massa, normalmente através de empresas start-up.

Para consultar números detalhados sobre as exportações mundiais, aconselho os seguintes sítios: ”indexmundi.com”, ou ”Economia da China”, entre os mais de quatro milhões de entradas que respondem à chave de pesquisa “china exportações”. Obviamente, que os números diferem conforme as fontes, mas com facilidade se encontram fontes fidedignas na Web.

O gráfico que se segue ilustra bem a evolução das exportações chinesas de 1999 a 2010 (os valores apresentados têm validade a 01. Jan.2011, a assinatura de CIA World Factbook, e expressão em b$).




As medidas proteccionistas

De formas mais ou menos encapotadas, os países OCDE, em particular USA e EU, têm vindo a implementar medidas proteccionistas nestes sectores. As regras anti-dumping e anti-subvenção (direitos de compensação) têm sido as mais utilizadas, salientando-se a incidência especial sobre peças e componentes em geral.

Sempre que podem os estados procuram igualmente actuar sobre produtos acabados, embora neste domínio a luta seja mais dura e difícil. Foi por isso que já este ano a vitória dos EUA sobre a China na célebre disputa, que ocorreu na arena da Organização Mundial do Comércio (OMC), acerca do negócio de turbinas eólicas, altamente subsidiada pelo estado chinês, ficou famosa (ver aqui um elucidativo relato do incidente).


O recurso ao sistema de cópia melhorada

Por agora, como veremos em artigo separado, a grande investida exportadora chinesa, em matéria de maquinaria pesada, aponta para os países não-OCDE, no que já se denomina negócio do Sul para o Sul. Todos crêem, contudo, que se trata de ganhar experiência e escala para os voos desejados sobre os países industrializados.

A China tem larga margem de progresso nesta luta de médio prazo. A sua participação no mercado global de exportações de veículos automóveis ainda é insípida (553 b$), assim como em produtos finais farmacêuticos (310 b$) e aviação (85 b$).

Por certo, será uma questão de tempo. As mudanças aproximam-se, e, sobretudo, estão planeadas. Nalgumas áreas são demasiadamente evidentes. No campo das exportações de micro-chips, as exportações chinesas cresceram cerca de 8% para um total de 361 b$, embora estes números sejam difíceis de confirmar dada a significativa participação de processamento e montagem. Nota-se, contudo, que aqui também a industria chinesa está progressivamente a produzir produtos e componentes próximos dos que tradicionalmente tem vindo a importar, à medida que vai percebendo os segredos da sua fabricação.


“Made in China” já não é o que era…

Parecem distantes os dias em que nos vimos confrontadas com a ameaça da inundação de têxteis, calçado, e brinquedos de baixo custo exportados pela China. Foi a investida de gama baixa que incluiu ferramentas de trabalho baratas e de má qualidade.

O Ocidente riu e aproveitou, olhando com algum desdém para as novas oportunidades. O pequeno comércio, contudo, ressentiu-se e protestou. Sem grande sucesso, diga-se. Veja-se a propósito: ”Leve que é garantido, é Made in China”, que publiquei faz agora um ano.

A oferta exportadora chinesas mudará a muito curto prazo, e será liderado pelos fabricantes de equipamentos pesados, de precisão, e de qualidade concorrencial.

Para já, em mercados terceiros. Amanhã, nos mercados mais nobres. O Ocidente parece somente observar, sem mostrar qualquer capacidade de resposta. A rede expande-se.

A seguir, em artigo separado, abordarei como a China pretende “Construir Equipamentos Para Construir o Mundo”.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

CHINA – Novo Paradigma Exportador?

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
05 Outubro de 2011

Em 2012, o sector exportador chinês, que tem sido a alavanca do crescimento económico do país, deverá dobrar um novo e importante marco – espera-se que, finalmente, a contribuição dos produtos com origem nas empresas nacionais supere a participação dos produtos oriundos de empresas chinesas de capital estrangeiro operando no país.

O que se está a passar no subsector de maquinaria pesada para a construção é paradigmático. É bem provável que ainda em 2011 a China ultrapasse a Alemanha e o Japão neste domínio, assumindo-se como segundo fornecedor mundial, logo a seguir aos USA.

Qual o impacte que esta nova realidade aportará à economia chinesa e que implicações poderá acarretar aos mercados internacionais?

Vejamos primeiro porque esta nova realidade se tornará inevitável.

• Várias vezes aqui foi referido que o aumento de salários implicaria várias consequências. Por uma lado, e aproveitando o imparável desenvolvimento tecnológico, os exportadores tiveram de olhar com redobrada atenção para a necessidade de subirem na cadeia de valor. Tal movimentação permitiria competir em novos domínios, até agora reservas exclusivas dos países desenvolvidos, mas obrigaria a novas estratégias de produção e distribuição;
• No intuito de contornar as dificuldades esperadas na colocação destes produtos nos principais mercados, a China apostou nos países em desenvolvimento (grosso modo apelidados não-OCDE), onde nos últimos anos as grandes potências exportadoras conheceram retrocesso de vendas;
• Apesar do enorme desenvolvimento interno da última década, a China continua carente de infraestruturas. Para as construir precisa de equipamentos pesados. O mercado interno, funcionará assim para o escoamento em larga escala dos novos produtos, bem como evitará importações para o efeito;
• Esta aposta permitirá igualmente, construir novas unidades de produção no interior mais pobre, criando empregos e gerando consumo interno. As novas infraestruturas, ao facilitarem as comunicações com os vizinhos, permitirão novos canais de fornecimento, e fortalecimento da posição chinesa como locomotiva do desenvolvimento pan-asiático.

Mais uma vez, os chineses mostram como se planeia e se cumpre o planeado nas diversas vertentes, directas e indirectas, do comércio internacional.


Foram dez anos de sonho


Apesar dos impactes negativos das crises financeira e económica iniciadas em 2008 e ainda longe de solução mundial, a última década chinesa foi uma década de sonho. Mesmo contando que 2009 foi doloroso também para a China.

Relevando alguns registos:

• Desde 2001, o incremento anual das exportações chinesas de produtos manufacturadas tem sido cerca de 1 ponto percentual;
• Neste domínio a participação chinesas no total das exportações mundiais foi, 2010, de 13.7% (em 2009 havia sido 12.1%).

No entanto, todos concordam que se a China quiser continuar este ritmo de crescimento, terá de ultrapassar a questão dos aumentos constantes dos custos de mão-de-obra que afectarão negativamente as vendas de produtos de grande consumo e baixa qualidade. Pura e simplesmente, verão a sua competitividade fortemente afectada. Solução? Derivar a atenção nas gamas média e alta.

Por enquanto, as exportações de gama baixa continuam a aumentar, mas as autoridades chineses sabem que a vaca irá emagrecer. Há que estar preparado para a chegada do ponto de viragem. A The Economist Intelligence Unit procedeu ao cálculo de Índice de Similaridade de Exportações (ESI) e chegou ao seguinte gráfico:



Estas curvas devem ser interpretadas da seguinte forma: O ESI revela o grão de sobreposição das exportações chinesas face aos seus competidores mais ricos. O nível 0 significa ausência de concorrência, isto é, nenhum dos exportadores participa nos mesmos mercados, e o nível 100 revela idênticas estruturas de exportação.

Então, do gráfico, retira-se que, na última década a tendência é ascendente, embora com níveis baixos. A China continua um produtor/exportador predominantemente baseado em trabalho intensivo, com a capacidade exportadora focada na gama baixa (porventura centrada em mercadorias (commodities), tais como vestuário, calçado, têxteis e brinquedos).


Como será a próxima década?


Como foi referido, os mercados desenvolvidos têm sido dominados pelos exportadores que incorporam intensamente nas suas ofertas tecnologia e capital. A China tem apostado principalmente em gama baixa e intensa incorporação de mão-de-obra. É este paradigma que a China quer mudar de forma sustentável.

Para o conseguir, a China tenta conquistar os países em desenvolvimento, em áreas onde tem tido oferta muito limitada, e onde os poderosos revelam crescentes debilidades. A participação combinada dos USA, EU-27 e Japão nas exportações mundiais que representava 63.3% em 2001, caiu para 56.3% em 2010. A China quer aproveitar esta tendência, e ocupar o terreno perdido pelos seus competidores.

O próximo artigo irá abordar a questão específica da exportação chinesa de equipamentos pesados para a construção.

terça-feira, 26 de julho de 2011

CHINA – Aproximam-se sérios contratempos?

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
26 Julho de 2011


Nota importante:

Este artigo lida com valores monetários de magnitude anormal para o comum leitor português. A fim de facilitar comparações com artigos internacionais, todos os valores monetários serão expressos em dólares norte-americanos ($), a terminologia será a mais comum a nível internacional, ou seja: 1 milhão (m) = 1,000,000; 1 bilião (b) = 1,000,000,000; 1 trilião (t) = 1,000,000,000,000, e o valor de conversão Yuan (Renminbi) é, de forma muito simplificada, 1$ ≈ 6.5¥.


Muitos são os que esperam que a China, cujos indicadores económicos parecem não ter sido significativamente afectados pela crise financeira e económica que vem afectando o resto do mundo desde meados de 2008, assuma a salvação do capitalismo tal como o conhecemos. Derradeira e desesperada esperança dos demasiadamente conversadores, ou clarividência dos verdadeiros controladores do sistema, que venho intitulando neste espaço, como “mandantes”?

Jim Rogers, presidente da empresa de investimentos Rogers Holdings e Beeland Interests Inc, é um exemplo dos optimistas que prevêem que a China poderá vir a enfrentar algum declínio económico no curto prazo, mas que, tal como os americanos sempre fizeram com evidente êxito, irá superá-los no médio e longo prazos, não se deixando colapsar. Garry Shilling, presidente do A. Garry Shilling & Co., manifesta-se em sentido diverso: O modelo de crescimento “tipo-China” é insustentável; as excessivas dependências das exportações e do artificial controlo da moeda, não resistirão se, por exemplo, os consumidores norte-americanos se virem obrigados a poupanças forçadas (ver, mais adiante, como a China depende do consumo norte-americano).

Opiniões de analistas sobre o fenómeno chinês não faltam, e para os mais diversos gostos e clientelas. Olhemos por isso para os números mais recentes sobre a economia chinesa, tentando perceber o que eles parecem querer revelar. Todas as interpretações serão, naturalmente, subjectivas.


Comércio externo - exportações e importações

As exportações chinesas cresceram 17.9% em Junho, em relação a Maio de 2011, cifrando-se em 121.5 b$. No mesmo período as importações cresceram 19.3%, contra o crescimento de 28.4% em Maio. Mesmo assim, daqui resulta um acréscimo do excedente comercial esterno de 23.3 b$. Um valor que continua impressionante, quaisquer que sejam os filtros interpretativos que utilizemos.

Alguns analistas julgam ver no menor crescimento das importações um certo resfriamento da produção e/ou do consumo interno. Os dois domínios são especialmente sensíveis, dada a aposta continuada nas exportações concomitante com a nova aposta no consumo interno (ver “China forçada a dinamizar o consumo interno” e também ”O boom do consumo interno visto pelos estrangeiros). É, contudo, muito cedo para identificar tendências e antecipar implicações, mas o alerta já foi dado e a atenção vira-se agora para a confirmação ou não das previsões dos mais alarmistas.

De facto, se compararmos 2010 com 2008, verificamos que os valores decresceram (ver Economywatch de 12.Jul.2011:

Exportações (2008 / 2010): 1.429 / 1.194 t$ (- 16.5 %)
Importações (2008 / 2010): 1.131 / 0.922 t$ (-18.5 %)

Recorde-se que as relações comerciais da China são muito concentradas em poucos parceiros:

Exportações (%): USA 17.7, Hong-Kong 13.3, Japão 8.1, Coreia do Sul 5.2, Alemanha 4.1
Importações (%): Japão 13.3, Coreia do Sul 9.9, USA 7.2, Alemanha 4.9


Produto Interno Bruto (PIB)

Mesmo em plena crise económica mundial, o crescimento do PIB chinês em 2010 foi 10.5 %, para um total de 5,745.13 b$, prevendo-se para 2011 um crescimento de 11.8 %, alcançando 6,422.3 b$. Em 2015, o valor estimado para o PIB é 9,982.1 b$.

Em 2010, a população chinesa era 1.341 b. A previsão para 2015 é 1.375 b. Isto corresponde a um abrandamento notável no crescimento da população chinesa.

As preocupações das autoridades chinesas em relação à população não se confinam ao controlo do crescimento, que tem sido, como é público, alvo de particular atenção (ver artigo sobre Política de Filho Único). Como Wen Jiabao relembrou na Assembleia Nacional do Povo em Março passado, a qualidade de vida da população chinesa é uma prioridade do governo.

O desemprego verificado em 2010 foi 4.1 %, menos 4.65 % do que em 2009, prevendo-se que no período 2011 a 2015 se fixe em 4 %. Questão que parece controlada.

A inflação em 2010 foi 3.5 %. Uma enorme preocupação para o governo, pois correspondeu a um aumento de 428 % em relação a 2009. Apesar das medidas já tomadas, a inflação parece fora do controlo desejado (o Plano Quinquenal, aprovado em Março passado, impõe limitação a 4% para este ano, mas o valor verificado em Junho foi de 6.5 %). Novas medidas terão de ser tomadas, pois os planos já em curso (ver aqui e aqui também), parecem não estar a ser suficientes.


Endividamento dos governos locais

Oficialmente, e de acordo com os números revelados pelo National Audit Office ( ver FT de 08.Jul.2011), a dívida dos governos locais já ascende a 1.654 t$, dos quais 80%, embora por via indirecta, recai sobre os bancos centrais. Um valor muito elevado, mas nada comparado com a preocupante estimativa da agência de notação Moody’s que a coloca em 2.2 t$.

Perguntar-se-á como foi isto possível, conhecendo-se o controlo apertado, que foi imposto pelo governo aos bancos centrais, para este tipo de operações (ver aqui)? É que os operadores intermediários criaram muitas empresas que contraíram os empréstimos, cedendo-os depois aos governos regionais. A EIU de 21.Jun.2011, refere que, entre 2008 e 2010, o número destas empresas aumentou 25%, qualquer coisa como mais de 10,000 intermediários. A quase totalidade destas dívidas vencer-se-á em 2014-2015. Um horizonte próximo nada agradável, e que os investidores particularmente receiam.

A agência Fitch estima que, se 20% deste montante se vier a revelar incobrável, o que não será de todo irrealista, estaremos a falar de cerca de 450 b$. Ora, se o governo central vier a ser obrigado a cobrir esta lacuna, tal significará acrescentar cerca de 6 pontos percentuais aos oficiais 1.14% de incobráveis nacionais (números finais de 2010). A solidez do sistema será naturalmente afectada e a confiança no sistema perigosamente abalada.

Visto de outro ângulo, segundo os valores oficiais do Banco Popular da China, a dívida do governo central é de cerca de 20% do PIB. Um montante bastante saudável. Contudo, de acordo com os valores atrás referidos para a dívida dos governos locais, tal representará 35% do PIB. Alguns analistas calculam que, se o governo central for obrigado a incorporar todas as dívidas dos governos regionais e suas implicações no orçamento nacional, então será provável que os mais que aceitáveis rácios da divida pública chinesa actual – abaixo de 20% do PIB – se venham a transformar nuns preocupante 80%, a prazo relativamente curto. Que imagem degradada seria, assim, projectada para os mercados.


Que sinais se notam nas bolsas?

Na edição online do FT de 08.Jul.2011, relatava-se que a companhia de investimento de Singapura, Temasek, havia vendido 3.6 b$ de acções de dois bancos chineses, não especificando quais. Vários outros periódicos deram notícia de que o National Social Security Fund, que administra o plano de pensões chinês, havia cortado as suas posições accionistas nos bancos chineses.

Nestes meios, as coincidências não aparecem por acaso, nem as notícias são inocentes. Os investidores costumam estar atentos. Os anunciados 1.65 t$ de dívidas detectados a nível dos governos locais, não ajudavam a aliviar as preocupações. As dúvidas da Moody’s, atrás referidas (2.2 t$?), só carregam, e de que maneira, o cenário.

Entretanto em 2010, a valorização bolsista dos principais bancos chineses não foi poupada: em Shanghai, as acções do Industrial and Commercial Bank of China, perderam 19%, e em Hong-Kong 8%; também em Shanghai, e nos últimos 18 meses, as acções do Bank of China desvalorizaram 26%, e as do China Merchants Bank 23%. Os investidores não gostam nada destes indicadores. Laertas amarelos, no mínimo foram accionados.


Estará a China à beira de novo resgate?

Os mercados detestam resgates. Eles representam sempre perdas para os investidores.

Recorde-se que nos anos 1990s (como a memória nestes domínios se mostra tão volátil), a China recorreu a uma importante operação de salvamento do seu sistema bancário, vulgo reestruturação ou resgate de dívidas, enfrentando e recuperando o colossal endividamento que o ameaçava de colapso todo o sistema. Na época, as autoridades políticas injectaram centenas de biliões de dólares no mercado (ver aqui). A operação resultou, e os mercados pareceram ter querido esquecer o acontecimento.

Ora, alguns vêem nas actuais advertências do People Bank of China, um alerta para possível nova intervenção do governo, talvez já em Setembro próximo, assumindo a dívida de cerca de 2.2 t$ (números estimados pela Moody’s), ou parte dela, embora as autoridades chinesas se tenham apressado a negar essa eventualidade. É possível, porém, que algum compromisso venha a ocorrer envolvendo os bancos e o governo central, partilhando responsabilidades na solução desta questão, que não se pode arrastar como se de nada se tratasse. Uma alternativa poderá ser a emissão de obrigações pelas autoridades regionais, procurando melhorar a transparência das suas contas. Mas tal terá custos elevados a suportar.

Uma iniciativa deste tipo, dependendo da forma e extensão que vierem a ser decididas, poderá, contudo, como foi dito atrás, elevar relativamente os salutares níveis da dívida em relação ao PIB dos 20% actuais para preocupantes 80% futuros. Como estes novos valores poderão ocorrer ainda este ano, ou seja, numa altura em que o mundo ainda tenta superar dos efeitos da crise que se iniciou em 2008, estas previsões não agradam a ninguém.

Para melhor compreensão: Uma intervenção desta dimensão significa cerca de 8% do PIB chinês, superior portanto ao esforço de 5% do PIB dos USA que os americanos decidiram em 2008, com base no Programa de Alívio dos Activos Problemáticos (TARP). Sendo certo que a China dispõe de gigantescas reservas em divisas, não será de prever qualquer falência da banca causada por estas eventuais medidas, mas com certeza que surgirão problemas, ainda que pontuais, de liquidez nalgumas entidades.

Acresce que algumas fontes, o Standard Chartered Bank por exemplo, chama a atenção para que se não forem imediatamente levantadas barreiras ao processo de endividamento dos governos regionais, estes, só por força do investimento em habitações a preços regulados, poderão vir a atingir um acréscimo de 300 b$ apenas referentes a 2012.


Os desafios mais imediatos da China

Conforme ficou decidido na Assembleia Nacional do Povo de Março deste ano, continuam a ser enormes os desafios que se colocam à China moderna, em quase todos os domínios. Um dos mais importantes está em curso, e respeita à democratização do sistema económico, tradicionalmente fortemente centralizado.

Os transportes, as comunicações, e os recursos energéticos encontram-se entre as grandes prioridades. O governo, altamente competente sob o ponto de vista técnico, está ciente de que com infra-estruturas deficientes tudo fica mais difícil. A China procura afincadamente construir infra-estruturas de primeira classe mundial. Mas a sua extensão territorial requer investimentos gigantescos que têm de ser escalonados. Toda a liquidez será bem-vinda, ou, dito doutra forma, crises de liquidez não são de todo desejadas.

Outras questões importantes justificam atenção acrescida, como o presidente Hu Jintao, referiu na recente visita aos USA (ver detalhes do discurso aqui):

 Nivelamento dos índices de desenvolvimento da população, nomeadamente na aproximação das capacidades económicas do interior rural ao urbanismo do litoral;
 Combate sem tréguas à corrupção que ameaça o desenvolvimento saudável do tecido económico e as estruturas da administração;
 Luta contra as ameaças à saúde, incluindo a taxa crescente da infecção por HIV;
 Modernização do sistema político, adaptando-o às novas realidades nacionais e internacionais, que permita a convivência das escolhas políticas lideradas pelo PCC com o liberalismo crescente na economia;
 Sustentabilidade ambiental compatível com o enorme desenvolvimento económico que o país tem conhecido nas últimas três décadas, e que se pretende continuar.

A China, já desde o ano passado a segunda potência económica mundial, ambiciona e poderá vir a superar os USA. Não será tarefa fácil, e por certo levará décadas a concretizar. Mas paciência, planeamento, e espírito de missão não constam das carências chinesas.

O domínio económico não é, contudo, indissociável do domínio político, o que segundo os padrões actuais implica poder militar (ver a propósito o que escrevi em Setembro de 2010 sobre a difícil relação da China com o Japão). A China procura fortalecer-se militarmente, mas está muito longe de poder ambicionar, a médio prazo, a constituir qualquer ameaça à descomunal capacidade militar dos USA, tanto a nível aéreo, naval, como espacial, se bem que disponha do exército terrestre com mais efectivos.

Coco Channel disse um dia que “uma mulher nunca é suficientemente rica nem suficientemente magra”. Nas relações internacionais poder-se-á dizer que “um país nunca dispõe de suficientes recursos, capacidades económicas, e poder político-militar”.

Parece ganhar novo fôlego o aparentemente extinto conceito de Coexistência Pacífica.

domingo, 3 de julho de 2011

SOFT SKILLS - o ACOLHIMENTO

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
3 Julho de 2011


Também designada por Integração e por Orientação (não considero esta designação nada feliz), esta fase inicia-se no dia em que o candidato seleccionado assume o lugar que conquistou. É claro que este é o ponto de vista do trabalhador, pois do lado da empresa contratante, este é o início da resolução do problema que tinha - a falta deste recurso nesta área de operações. Ambos satisfeitos, portanto. Ou melhor, o final feliz num jogo de solução ganho-ganhas.

Allport (1954) defendeu a ideia que o esforço de adaptação indivíduo-organização, configura o efeito de inclusão parcial pela qual a participação das pessoas na organização se limita aos atributos da personalidade que respondem ao que a organização define como desempenho esperado. Esta ideia de que quando um indivíduo incorpora uma empresa, compete-lhe exclusivamente perceber a cultura vigente e aderir a ela, é actualmente considerada como ultrapassada pelos novos padrões sociais, que tendem a relevar as competências individuais enquanto factores diferenciadores e competitivos das organizações nos meios em que operam. Hoje, muitas empresas pensam de forma diferente, procurando aproveitar as características profissionais e humanas dos novos contratados para os seus processos globais de renovação.

Para que o acolhimento seja um êxito e o trabalhador e empresa entrem o mais rapidamente possível no clima de mútua adaptação (person-job fit), compete ao empregador:

• Receber condignamente o novo elemento
• Proporcionar-lhe breve resenha da história da empresa, missão, valores, cultura e regras básicas de funcionamento
• Apresentá-lo às funções com que irá colaborar directa ou indirectamente
• Disponibilizar-lhe o espaço e meios técnicos adequados à tarefa e acesso a documentação relevante

Nalgumas empresas e nalguns sectores de actividade podem aplicar-se estatutos contratuais vulgarmente designados por “período experimental”. Nestas situações, mais do que noutras em que as práticas que a seguir se descrevem assumem carácter de boas práticas ou de simples regulamentos normais, o acompanhamento do novo elemento deve ser especialmente cuidado e documentado até para prevenção de cumprimento legal.

Para utilização durante o período experimental, e para servir como instrumento de avaliação do novo colaborador, o empregador deve:


• Definir os elementos que constarão do dossier de avaliação
• Dar conhecimento deles ao novo colaborador e certificar-se que este os entendeu
• Incentivá-lo ao diálogo construtivo e motivá-lo ao feedback positivo
• Informá-lo das formas das datas e formas de acompanhamento (pelo menos uma reunião a meio do período)
• Informá-lo da data e forma da avaliação final (fim do período)
• Obter acordo para o processo e consequências da avaliação final

A definição temporal de duração da fase de acolhimento não é assunto pacífico. Existem autores que acham que o acolhimento faz parte integrante da socialização, outros que a distinguem e lhe reservam meio-dia, outros um dia, alguns um dia e meio, outros ainda uma semana. Claro que não existe acordo porque a sua duração depende de vários factores: o recém-chegado, a empresa receptora, o tipo de actividade e a especificidade da tarefa.

Wanous (1992) e Feldman (1988) recomendam uma semana como o período aceitável e razoável para acolhimento e integração dos recém-chegados, considerando também que existem fortes razões para a autonomizar do processo geral e contínuo de socialização, até porque a Integração em ambiente novo e de tão grande significado transporta consigo uma carga de stress quase que inevitável, apenas verificável, embora a níveis inferiores, quando da mudança de funções. Isto significa que é legítimo considerar que quando um trabalhador assume novas funções sofre, de facto ainda que muito fugaz, novo período de integração (Schein, 1971).
Igualmente parece legítimo associar a fase de acolhimento como um indispensável período de redução dos níveis de ansiedade que a mudança sempre provoca, mesmo de que promoção se trate, ainda que sob auto-controlo.

A primeira importante constatação é que é na fase imediatamente posterior à entrada na organização que os recém-chegados experimentam graus mais elevados de tensão (Wanous, op.cit.), como a Fig. 01 ilustra.


Fig. 01
Relação entre estados de socialização organizacional e graus de stress, adaptação de Wanous (op.cit.)



Como se verifica, o pico de stress acontece nos primeiros dias de integração dos recém-chegados, verificando-se que nas fases de recrutamento e selecção (pré-entrada) e de socialização (pós-entrada), os níveis são semelhantes.

Ainda segundo o mesmo autor, idêntica curva de distribuição se revela quando se relacionam stress com rendimento (ver Fig. 02):


Fig. 02
Relação entre rendimento e nível de stress. Adaptação de Wanous (op.cit.)



Face a tão significativas informações, coloca-se a questão: Como lidar com o stress em cada um destes períodos? Não existe nenhuma fórmula mágica para lidar com o stress. Eliminá-lo afigura-se missão quase impossível. Diminui-lo, isso sim, é possível e não tão difícil quanto se poderia imaginar.

Em artigo específico discutirei o stress enquanto risco social. Por agora, consideremos que existem três tipos de aproximação aos problemas colocados pela ansiedade a quem se inicia numa nova actividade.

Uma aproximação possível advoga que a melhor forma de lidar com o stress é tomá-lo em consideração em lugar de o ignorar ou de o tentar evitar. O caminho mais directo é procurar identificar as suas raízes e aprender a com elas conviver e não ser surpreendido pelas suas ocorrências. Um exemplo da aplicação deste tipo de solução é a que adoptei quando preferi debater um mal entendido com um interlocutor, do que evitar o contacto com ele (aqui em ”Soft Skills & Gestão de Conflitos”).

Uma segunda perspectiva, completamente distinta da anterior, aconselha a que se proceda à reformulação da situação stressante com o objectivo de reenquadramento das questões em ambiente mais propício. É o que fazemos quando perante um erro cometido, procuramos desdramatizar o evento (“errar é humano”), criando condições mais vantajosas para a concretização dos objectivos e não colocarmos o enfoque no erro.

Uma outra aproximação focaliza-se nos sintomas do stress, tentando afastá-los. Entre as acções encontradas pelos seguidores desta linha contam-se as técnicas de relaxação, a meditação e os exercícios físicos, que podem constituir verdadeiras soluções. Mas também existem outras opções que no lugar de contribuírem para a solução, não só não o fazem como se constituem elas próprias como novos, e quase sempre mais persistentes, problemas.

O acolhimento, tantas vezes descurado pelas organizações, pode tornar-se, por tudo isto, a origem duma socialização bem sucedida ou completamente fracassada.

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Bibliografia:


ALLPORT, G. (1954) The Nature of Prejudice, Reading, MA: Addison-Wesley

FELDMAN, D. (1988): Managing careers in organizations, Glenview, IL:Scott, Foresman

SCHEIN, E. (1971): The Individual, the Organization, and the Career, A conceptual scheme, Journal of Applied Behavioral Science, 7

WANOUS, J. (1992): Organizational Entry - Recruitment, Selection, Orientation and Socialization of Newcomers, Second Edition, John Parcher Wanous, The Ohio State University, Addison-Wesley Publishing Company, Inc.

domingo, 26 de junho de 2011

SOFT SKILLS - A Entrevista de Selecção

Por: Vitor M. Trigo
vitor,trigo@gmail.com
26 Junho de 2011


Vamos lá então corresponder ao solicitado maior detalhe sobre a Entrevista de Selecção, referida no quarto e ultimo artigo da série Recrutamento e Selecção, a que dei o título genérico de “SOFT SKILLS - ATRACÇÃO E CONQUISTA DE CAPITAL HUMANO.

A entrevista de selecção é o passo decisivo que conduz à contratação de um dos candidatos à vaga a que concorreram. È, portanto, um momento muito importante para o esclarecimento das derradeiras dúvidas que ainda possam existir entre as partes.

Recorde-se que os candidatos que chegaram a esta fase já cumpriram com êxito as provas técnicas e outras a que foram submetidos. Há uma dimensão, contudo, que dificilmente foi aferida e que é da maior importância. Arrisco mesmo dizer que se os traços atitudinais e as manifestações comportamentais não corresponderem ao desejado – reprove o candidato, mesmo que ele seja um fora de série sob o ponto de vista técnico. Se não o fizer, a factura que provavelmente virá a pagar a curto ou médio prazo será uma desagradável surpresa.

Em suma, procura-se nesta derradeira etapa, que o candidato revele a sua verdadeira identidade. Lembre-se que procura o candidato ideal, e não o melhor dos candidatos que lhe irão ser presentes.

Eis alguns dos atributos que se procura identificar num candidato, e algumas das formas mais expeditas de o conseguir. Se ambos os interlocutores estiverem bem preparados para esta troca de informações, o processo tornar-se-á mais directo e produtivo. As questões estão colocadas em discurso directo para mais fácil compreensão.

Sobre Motivação:

- Que ambientes de trabalho o fazem sentir mais produtivo e satisfeito?
- Quais os principais objectivos que estabeleceu para a sua vida pessoal e profissional?
- Que significa para si uma carreira de sucesso?
- Descreva uma situação de trabalho em que você tenha conseguido motivar alguém, e outra em que alguém o ajudou a motivar-se.

Sobre Trabalho em Equipa:

- Cite um exemplo dum projecto bem sucedido em que tenha participado. Qual foi o seu papel? Quais foram as razões do sucesso? Que obstáculos apareceram e como foram superados?
- Descreva duas situações profissionais em que você tenha seleccionado uma equipa de trabalho. Quais foram os desempenhos observados face às expectativas iniciais? Que lições aprendeu?
- Quais pensa serem são as acções que mais contribuem para o êxito duma equipa?
- Cite-me um caso em que a sua equipa melhor colaborou com outra. O que mais contribuiu para isso?
- Fale-me sobre um caso de fracasso grupal em que tenha participado. Quais foram as principais razões para esse desfecho?

Sobre Gestão:

- O que pensam os outros sobre o seu estilo de gestão?
- O que é que os outros lhe apontam como pontos fracos e pontos fortes?
- Cite-me duas decisões que tenha tomado enquanto gestor. Como as avalia?
- Alguém alguma vez lhe reclamou maior reconhecimento. Como procedeu?
- O que para si justifica a promoção dum empregado?
- Que pensa ser o seu valor acrescentado?
- O que para si influencia mais a eficácia duma equipa?
- “Uma das principais tarefas dum supervisor é gerir o desempenho dos elementos do seu grupo”. Comente, p.f.
- Que valor acrescentado trás o feedback?
- Que significa para si “clima organizacional”?
- Que práticas pensa mais eficazes na distribuição dos objectivos individuais e grupais?

Sobre Liderança:

- Imagine-se líder dum grupo em que os objectivos se encontram aquém do previsto. O que faria para reverter a situação?
- Sucintamente, como avalia desempenho de pessoas que se lhe reportam?
- Descreva-me um êxito alcançado sob a sua liderança. Como líder, qual foi a sua contribuição?
- Que pensam os outros acerca da sua liderança?
- Pense numa situação em que os seus seguidores se encontram descrentes, e com opiniões divergentes acerca do caminho a seguir. Com lidaria com a situação?
- Conte-me uma situação em que teve de procurar apoios junto de pessoas estranhas ao seu grupo. Como procedeu?
- O que é um líder?
- Como identifica competências de liderança?

Sobre Relacionamento:

- Como se relaciona com “pessoas difíceis”? Como garante equidade aos outros com quem lida?
- Imagine que não concordar com directivas que tem de implementar. Como procede?
- Que pensa sobre as relações extra-laborais em ambiente de trabalho?
- Cite um conflito laboral em que tenha estado envolvido. Como o resolveu?
- Qual a sua opinião sobre conflitos laborais?
- Preocupa-se com a partilha de informações pessoais? Como dá o exemplo?
- Como reage quando um colaborador lhe solicita autorização para formação extra-profissional?

Sobre Comunicação:

- Como fomenta a comunicação entre os seus colaboradores?
- Como acha que se devem combater os rumores?
- Que faz quando os elementos do seu grupo não comunicam entre si?
- Acha-se um bom comunicador? Dê-me três exemplos que o demonstrem.
- As suas capacidades de comunicador ficam afectadas perante determinados ambientes? Quais? A que atribui esse facto?
- Enumere o que considera ser facilitadores da comunicação? Como os explora?
- Que valor atribui às reuniões de grupo? Qual a periodicidade que considera aconselhável?
- Que pensa sobre o convite a oradores externos para as suas reuniões de grupo? Como os selecciona?
- Alguma vez teve de recusar um pedido de exposição dum seu colaborador numa reunião de grupo? Porquê? Como procedeu?
- Quando um novo elemento se junta ao grupo, apresenta-o formalmente? Como?


Quem tem seguido os meus textos sabe quão avesso sou a guiões (“Como fazer…”), e, ainda mais, a publicações ditas de auto-ajuda.

Caro leitor, peço-lhe que não interprete estas sugestões como uma qualquer picking list que o obriga a percorrer todos os itens. Ela foi produzida para ajudar os entrevistadores e entrevistados menos experientes no sentido de conhecerem o que as boas práticas normalmente recomendam.

A intenção foi fornecer uma lista a partir da qual ambos os intervenientes devem seleccionar as questões que, de forma mais eficaz, lhes permita recolher e fornecer as informações que os conduza à decisão mais correcta – fechar o contrato ou recusar o candidato.

Deixo-lhe um pedido – para cada situação reveja a lista que aqui lhe proponho. Elimine, altere, adicione questões. Avalie sempre os resultados a que chegou. Testar modelos é prática recomendável.

E, claro, se alimentar este post com base nas suas experiências, pode ajudar outros. Ficamos à sua espera.