Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
10 Outubro de 2011
Desenvolvendo o interior do país
Como vem sendo habitual nas iniciativas estratégicas chinesas, nada é deixado ao acaso. Acompanhado o boom de exportações, que vimos analisando nos dois últimos artigos ”China – Novo Paradigma Exportador? ” e ”China – É “Pesada” a Nova Batalha nas Exportações” (aconselho a que sejam lidos por esta ordem), as autoridades chinesas apostaram na localização da produção de equipamentos pesados no interior do país, para assim dispersarem riqueza pelas zonas menos desenvolvidas.
Se olharmos para as províncias costeiras, e como consequência do fortíssimo investimento estrangeiro, verificaremos que se acentuaram as diferenças para o interior. (Nota: estima-se que o investimento estrangeiro na China entre 1978 e 2011, possa ter atingido cerca de 750 b$, dos quais 420 b$ ocorreram entre 2006 e 2010, segundo a Revista Veja de Outubro de 2010).
Mas, a partir de 2007 iniciou-se o processo de aproximação – o crescimento do PIB nas regiões do interior superou consistentemente o crescimento do PIB das zonas costeiras. (consulte aqui a Wikipedia).
As duas realidades, zonas costeiras e interior, podem ajudar-se. O interior detém a maioria da industria pesada e é carente de produção mais ligeira, que embora muito significativa até agora nas exportações se situa quase somente no litoral (têxteis, indústria farmacêutica e electrónica). Não se percebem movimentações da indústria pesada para a costa, embora nesta possam vir a ocorrer investimentos, nomeadamente nas áreas de produção de componentes. Em simultâneo, a aposta nas indústrias leves para o interior é inequívoca. Trata-se também, e essa vertente é muito importante, da contribuição para a solução de questões sociais antes que elas possam ocorrer.
Como vimos nos dois artigos anteriores, “China – Novo Paradigma Exportador?” e “China – É "Pesada” a Nova Batalha nas Exportações”, a indústria pesada chinesa está a passar por um período fantástico, a ponto de as empresas Sany e Zoomlion , sediadas em Changsha, e a empresa Xugong , de Xuzhou, estarem agora entre o top ten mundial. Saliente-se que, ainda em 2009, nenhuma empresa chinesa constava desta lista.
Aproveitando esta expansão, as províncias do interior desenvolveram estreitas relações comerciais com os países vizinhos, também eles em desenvolvimento, e ávidos de apoio. Beneficiam igualmente de todas as infraestruturas, em particular dos novos transportes rodoviários e ferroviários. A Associação das Nações do Sudoeste Asiático (ASEAN) está de mãos abertas, preparando-se para transformar a região de Guangxi num importante centro logístico, suportado pela recentemente criada “Zona Especial de Desenvolvimento” . Encontram-se igualmente em franca expansão as redes com destino ao Sul (Singapura), as ligações do Oeste para a Ásia Central e Europa, bem como a recuperação da antiga ligação com a Rússia. Em paralelo, a China lançou em 2010 o que intitularam como uma gigantesca rede ferroviária de alta-velocidade .
Um negócio entre pares
Foi por volta de 2005-2006 que os mercados emergentes passaram a puxar pelas exportações chinesas. De tal forma o tem vindo a fazer que o conjunto de países não-OCDE deverá ser em 2012 o principal destino das exportações chinesas.
Por outro lado, como vimos, a produção chinesa a partir de capital nacional deverá superar a que provém de capitais estrangeiros. Não se infira daqui que o investimento estrangeiro está a diminuir. Não. O que está a acontecer é que existe uma nova aposta destes investidores orientado para o consumo interno que os chineses querem desenvolver (ver aqui ).
Estas duas tendências significam que o envolvimento económico mundial da China na próxima década vai ser predominantemente realizado por empresas chinesas, de capital chinês, que abastecem os mercados dos outros países em desenvolvimento. Isto é uma inversão do que se passou na década passada, na qual o investimento a partir de multinacionais foi um factor-chave da integração da China na economia mundial.
Mais importante, os bens de maior valor que os países não-OCDE estão a importar (comboios, tractores, camiões, guindastes), são aqueles em que os fabricantes na China estão a apostar. É por isso que se designam estas trocas por negócio entre pares, ou negócio Sul-Sul, como a figura seguinte ilustra.
Que novas frentes se perspectivam?
A caminhada da China parece não apreciar limitações. Os chineses encaram os obstáculos com motivação. Os êxitos que estão a conquistar em países terceiros, começam a gerar imagem positiva no Ocidente, e as autoridades chinesas sabem que têm de se livrar do controlo estrangeiro sobre as suas próprias exportações. Querem ser eles a segurar as rédeas. E estão a consegui-lo.
O aparecimento de empresas chinesas na faixa tecnológica superior é um desenvolvimento que uns saúdam e outros temem. No passado recente, os produtos de gama baixa exportados pela China, permitiram controlar a inflação nos países de destino, forçando os fornecedores locais à adição de valor para se manterem competitivos. Mas, a partir de agora, o cenário será bem diferente.
O Ocidente ainda dispõe de algum tempo, mas tem de despertar. Os avanços tecnológicos chineses ainda não estão suficientemente maduros para uma luta de igual para igual em mercados exigentes, dir-se-á com alguma razão. E alguns revezes podem vir a acontecer às indústria chinesas, como o recente desaire do acidente ferroviário na alta velocidade, que obrigou as autoridades a repensarem todo o processo. Aqui se recorda o mediático desastre com o comboio de alta-velocidade que provocou 36 vítimas mortais e levou a que as autoridades chinesas mandassem retirar de circulação 54 composições da mais elevada tecnologia.
A China continua a licenciar mais engenheiros por ano do que qualquer outro país do mundo. É uma grande vantagem. Apesar disso, cerca de 80% da população ainda não possui formação secundária, o que é grande problema. Algumas áreas, onde a aposta chinesa foi considerada prioritária, como as indústrias verdes, apesar dos enormes subsídios estatais, muitos parques eólicos continuam inactivos, e mesmo desligados da rede, por escassez de engenheiros e outros profissionais qualificados capazes de operarem os equipamentos.
Alguns analistas acham que o país devia repensar as metas tecnológicas que traçou, sob pena de ter de os rever após eventuais comprometedores desaires. A inovação dificilmente se decreta. Há que dar tempo ao tempo. Mas os chineses têm pressa .
Seria preferível, dizem alguns, um maior enfoque noutras áreas, como a reforma da educação, que permitiria porventura maior progresso orgânico tecnológico com bases mais sustentáveis.
No fundo, a diferença de requisitos duma economia em tempos virada para o mercado soviético e agora decidida a satisfazer as necessidades dos mercados do Ocidente é abissal.
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