Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
09 Outubro de 2011
O artigo anterior, "China – Novo Paradigma Exportador?", introduziu a nova mudança estratégica chinesa no que diz respeito a exportações - da gama baixa para níveis progressivamente mais elevados de incorporação de valor.
Este deslocamento era inevitável. O assunto já aqui havia sido tratado em Setembro de 2010, tendo justificado assinalável interesse, a avaliar pelas visitas registadas no blog. Toda a gente estava consciente de que isto iria acontecer, apenas se desconhecendo quando, e com que consequências globais. Parece falta de senso dos países industrializados não se terem precavido, pois a história recente tem mostrado que sempre que a China apostou no crescimento de qualquer sector, o fez com base em economias de escala suportadas em poderosos investimentos. Evidenciando pistas, portanto. Os países ricos parecem ter esquecido depressa com foi penosa para eles a aposta chinesa na indústria siderúrgica na década de 2000. Nenhuma novidade, portanto, sobre o que está a acontecer. Inexplicável amnésia? Incúria? Sobranceria? Um compósito, talvez.
Atente-se na figura anterior, onde sob a designação de “Zona Quente” (a expressão é recorrente nos textos da The Economist), se constrói um radar do impacte das novas apostas de exportação chinesas no contexto global. No gráfico torna-se bem visível quais os sectores em que os países da OCDE sentem actualmente a pressão exportadora chinesa. Resumidamente, onde o Ocidente menos a desejava.
O estudo, realizado sobre dados de 2007-2010, incidiu em 217 mercados de exportação de mercadorias (commodities), calculando-se que o valor mundial destas transacções possa ter ultrapassado 10 t$. O mapeamento resulta de cruzamento das percentagens de exportações globais dos países OCDE, no eixo horizontal, com a variação verificada na quota de mercado chinesa em três anos, no eixo vertical.
A “Zona Quente”, ou campo crucial da luta, situa-se no quadrante superior direito, onde os países OCDE detêm quota dominante do mercado, e onde as apostas chinesa têm sido mais significativas, de 2007 a 2010. Neste quadrante, situam-se 37 sectores responsáveis por 927 b$ em 2010. Repare-se no quadro – releva equipamentos pesados e de precisão, áreas onde se tornam imprescindíveis avanços significativos nas tecnologias de corte e modelação de metais. Há uma década, tal teria sido impossível.
A quota de mercado dos países OCDE nestes mercados passou de 79% em 2007 para 74.7% em 2010 – cerca de 4.3 pontos percentuais. No mesmo período a quota chinesa passou de 8.5% para 14% - cerca de 5.5 pontos percentuais.
A táctica utilizada pela China parece ter sido a habitual – importa os produtos que quer vir a produzir, das melhores fontes, procedendo a processos de reengenharia (reverse engineering) que os possa dotar dos conhecidos necessários para produção em massa, normalmente através de empresas start-up.
Para consultar números detalhados sobre as exportações mundiais, aconselho os seguintes sítios: ”indexmundi.com”, ou ”Economia da China”, entre os mais de quatro milhões de entradas que respondem à chave de pesquisa “china exportações”. Obviamente, que os números diferem conforme as fontes, mas com facilidade se encontram fontes fidedignas na Web.
O gráfico que se segue ilustra bem a evolução das exportações chinesas de 1999 a 2010 (os valores apresentados têm validade a 01. Jan.2011, a assinatura de CIA World Factbook, e expressão em b$).
As medidas proteccionistas
De formas mais ou menos encapotadas, os países OCDE, em particular USA e EU, têm vindo a implementar medidas proteccionistas nestes sectores. As regras anti-dumping e anti-subvenção (direitos de compensação) têm sido as mais utilizadas, salientando-se a incidência especial sobre peças e componentes em geral.
Sempre que podem os estados procuram igualmente actuar sobre produtos acabados, embora neste domínio a luta seja mais dura e difícil. Foi por isso que já este ano a vitória dos EUA sobre a China na célebre disputa, que ocorreu na arena da Organização Mundial do Comércio (OMC), acerca do negócio de turbinas eólicas, altamente subsidiada pelo estado chinês, ficou famosa (ver aqui um elucidativo relato do incidente).
O recurso ao sistema de cópia melhorada
Por agora, como veremos em artigo separado, a grande investida exportadora chinesa, em matéria de maquinaria pesada, aponta para os países não-OCDE, no que já se denomina negócio do Sul para o Sul. Todos crêem, contudo, que se trata de ganhar experiência e escala para os voos desejados sobre os países industrializados.
A China tem larga margem de progresso nesta luta de médio prazo. A sua participação no mercado global de exportações de veículos automóveis ainda é insípida (553 b$), assim como em produtos finais farmacêuticos (310 b$) e aviação (85 b$).
Por certo, será uma questão de tempo. As mudanças aproximam-se, e, sobretudo, estão planeadas. Nalgumas áreas são demasiadamente evidentes. No campo das exportações de micro-chips, as exportações chinesas cresceram cerca de 8% para um total de 361 b$, embora estes números sejam difíceis de confirmar dada a significativa participação de processamento e montagem. Nota-se, contudo, que aqui também a industria chinesa está progressivamente a produzir produtos e componentes próximos dos que tradicionalmente tem vindo a importar, à medida que vai percebendo os segredos da sua fabricação.
“Made in China” já não é o que era…
Parecem distantes os dias em que nos vimos confrontadas com a ameaça da inundação de têxteis, calçado, e brinquedos de baixo custo exportados pela China. Foi a investida de gama baixa que incluiu ferramentas de trabalho baratas e de má qualidade.
O Ocidente riu e aproveitou, olhando com algum desdém para as novas oportunidades. O pequeno comércio, contudo, ressentiu-se e protestou. Sem grande sucesso, diga-se. Veja-se a propósito: ”Leve que é garantido, é Made in China”, que publiquei faz agora um ano.
A oferta exportadora chinesas mudará a muito curto prazo, e será liderado pelos fabricantes de equipamentos pesados, de precisão, e de qualidade concorrencial.
Para já, em mercados terceiros. Amanhã, nos mercados mais nobres. O Ocidente parece somente observar, sem mostrar qualquer capacidade de resposta. A rede expande-se.
A seguir, em artigo separado, abordarei como a China pretende “Construir Equipamentos Para Construir o Mundo”.
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