quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Será Que Existem Soluções Simples para Problemas Complexos? Kurzarbeit

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
07 Setembro de 2010

Sou de opinião que quem imagina que o capitalismo é um sistema auto-regulável está distante da realidade. Acho que o capitalismo, na sua génese, é um sistema autofágico. Não é sequer necessário recorrer a teses marxistas para lhe advogar esta característica. Basta olhar para a sua história, as cíclicas crises que o assolaram, ou consultar as mais elementares regras dos ciclos económicos.
Ao mesmo tempo, o capitalismo tem revelado uma extraordinária capacidade para superar as crises que o têm insistentemente afectado e alimentar-se delas. É a teoria “risco/recompensa” na sua mais conseguida materialização.
Fora desta reflexão está o interessante sobre se o capitalismo pode ou não reformular-se ou reinventar-se como outros princípios e valores. É este capitalismo, como o conhecemos, que aqui se discute, através de possíveis soluções que se apontam como capazes de lidar com a actual crise.

A Crise de 2008 e a resposta alemã

O que começou por parecer uma crise financeira localizada, cedo se revelou uma profunda crise económica a nível global. Cada país procurou encontrar soluções. A Alemanha, locomotiva do desenvolvimento europeu, avançou com o programa Kurzarbeit, já referido noutro artigo deste repositório [1]. Em alemão Kurzar significa curto prazo e beit quer dizer cooperação. Trata-se de um programa de redução do tempo de trabalho e dos salários, em vez do clássico lay-off ou mesmo encerramento definitivo da actividade.
“Mais vale um pássaro na mão que dois a voar”, poderá ter sido, eventualmente, a mensagem que passou para os trabalhadores e sindicatos. E pegou.
O conceito, numa sociedade evoluída e rica, é aliciante – os trabalhadores passam a receber até 80% do vencimento se aceitarem reduções de actividade até 50%. Condições adaptáveis ao ramo, portanto. [2]
As empresas na Alemanha já podiam aceder a subsídios governamentais para criação de empregos temporários de seis meses. Em 2009, a novidade foi a extensão deste programa primeiro a 24 meses, depois até Junho de 2011, e, posteriormente até Junho de 2013 nalguns casos.
O programa prevê ajuste e compensações a nível de impostos a pagar tanto pelas empresas como pelos trabalhadores.

Donde vêm as receitas para financiar o programa Kurzarbeit?

Com um programa desta natureza o governo deixa de ter de pagar os subsídios de desemprego que de outra forma teria de suportar caso os trabalhadores viessem a ser despedidos. Estamos a falar de 1.5 milhões de trabalhadores que aderiram ao programa, um número bastante significativo.
Os economistas tipificam as crises como: tipo V, se a queda é rápida e a saída se prevê igualmente rápida e em força; tipo U, quando a queda é rápida e a saída se perspectiva como rápida mas precisando de algum tempo para que ocorra; e tipo L, quando a queda é súbita, e a persistência em baixa não permite vislumbrar se e quando a recuperação virá a ocorrer.
A Alemanha é um país desenvolvido, plena de indústrias evoluídas, com trabalhadores qualificados. Perder conhecimentos por inactividade das forças de trabalho é um perigo evidente – e quando a crise passar recorreremos a quem? Questionaram os industriais. Pressupondo que a actual crise pudesse ser do tipo V ou mesmo U, valia a pena correr o risco de manter postos de trabalho activos capazes de responderem imediatamente quando a procura do mercado recuperasse.
O mesmo raciocínio já não se pode aplicar a economias mais débeis e baseadas em mão-de-obra barata e pouco qualificada como a Espanha e Portugal. Com fortes componentes nas indústrias de construção civil e outras notoriamente a caminho da obsolescência quem poderia apostar em manter postos de trabalho destinados, na prática, ao encerramento. Essa foi a principal razão porque o êxito alemão, ainda por provar se a crise não se resolver rapidamente, não pode ser generalizado.

A questão também é política?

É claro que é.
Trabalhadores ocupados, ainda que com tempos de laboração encurtados e limitados no tempo, evitam problemas sociais e mantêm a dignidade humana a níveis aceitáveis. De facto, não podemos esquecer que vivemos numa sociedade onde o trabalho, para além de fonte de fonte de rendimentos, é um estatuto social. Por outras palavras, uma sociedade onde o “ter” por vezes ultrapassado o “ser”.
Mas, se a solução resultou na Alemanha, país industrializado, de mão-de-obra qualificada, porque não pode ser aplicada nos USA arquétipo da industrialização, onde o desemprego já ameaça os 10%?
A resposta é dada por Paul Krugman num elucidativo artigo inserido na sua coluna “A consciência de um liberal” [3]:
- Alemanha e USA não enfrentam problemas comparáveis: A Alemanha apresenta resultados piores em termos crescimento do PIB, e os USA portam-se pior em termos de controlo do desemprego, e estes dois índices não podem ser analisados um sem o outro, para mais conhecendo-se as tradições laborais americanas;
- “Nem as leis laborais alemãs nem os seus poderosos sindicatos encaram os trabalhadores como custos variáveis, como é prática nos USA”
Sintomática esta frase na boca dum liberal, não é?


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NOTAS:

[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[2] A Holanda implementou um programa idêntico designado ATV, ou arbeidstijdverkorting
[3] http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/09/02/kurzarbeit/

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