segunda-feira, 27 de setembro de 2010

China / Japão, O Equilibrio Instável

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
27 Setembro de 2010


Tentar acompanhar o espectacular desenvolvimento económico da China, e equacionar prospectivamente o poderá acontecer nas próximas décadas, exige que se abordem várias perspectivas que estão em jogo – militar, política, económica, e social.
Este artigo pretende ser uma contribuição para o entendimento das estruturas que alicerçam as dinâmicas conjunturas que se vão desenhando.


O poder económico e a capacidade militar

As questões económicas não podem ser dissociadas do poder militar.
Várias vezes tenho insistido nesta opinião. Em geral, os economistas contestam esta relação causa-efeito, pelo que sinto necessidade de esclarecer que me refiro a uma correlação positiva, e não a qualquer nexo causal. Até pode ser que possa existir força económica sem correspondente poder militar. Mas, em regra, não é tão forte e duradoura como quando as duas vertentes cooperam.
No campo político esta conjugação de esforços é inquestionável, pois ninguém parece duvidar que os países pautam as relações internacionais na óptica do equilíbrio, quer por procura de protecção, quer por receio do poder militar alheio.
Vem este raciocínio a propósito da presença militar constante dos USA na costa oeste do Pacífico, nomeadamente através de forças aeronavais estacionadas ou em patrulha dos mares.
Aparte a aventura militar no Vietname, a zona tem vivido em paz, se não considerarmos pequenos conflitos bem localizados, e o latente confronto entre as duas Coreias. E esta paz, ou se se preferir não-guerra, ajudou muito o milagre chinês, pelo astronómico afluxo de capitais que permitiu, e pela não corrida insustentável aos armamentos, que, recorde-se, foi fundamental no colapso da ex-URSS.

Ganhar uma guerra não é fundamental

A propósito da guerra do Vietname, e de outras em que os USA se têm envolvido desde o início da segunda metade do século XX, é bom que se observe que a estratégia americana tem sido invariável – o mais importante não é ganhar a guerra, mas sim evitar que outro país o consiga, pois nesse caso, por força das armas, poderia vir a tornar-se numa potência regional. Guerras do Golfo ou do Afeganistão, são bons exemplos desta estratégia. Os USA não ganharam estas guerras nem vão ganhar as que ainda decorrem, mas vão manter a presença militar em nome do o controlo da paz.
De facto, é hoje difícil argumentar contra a relação entre a presença militar americana e a limitação, a níveis aceitáveis, dos conflitos militares na zona. Trata-se da mesma lógica que serviu para colocar a NATO em territórios da ex-URSS. Muito, muito longe mesmo das costas do Atlântico, como facilmente se reconhecerá.
Contudo, esta medalha tem reverso. Por diversas razões a actual proliferação de pequenos conflitos regionais, também se pode explicar pelo jogo permanente das mesmas forças, ou seus clones, numa diversidade de tabuleiros, em lugar dum único palco. Os diferendos China-Japão enquadram-se neste raciocínio.
A luta, real e armada, entre os dois países faz parte das suas Histórias. O Japão organizado e uno, carente de matérias-primas, mas competente industrialmente, levava a melhor sobre uma China desorganizada e dividida, prenhe de matérias-primas, mas incapaz de as transformar e vender ao exterior.
A China e o Japão parecem ter esquecido, por agora, o recurso às armas na resolução dos problemas que os afectam e em que intervêm como actores de primeiro plano. Revisitemos o passado recente das duas nações.

De 1950 a 2010

Após a Segunda Grande Guerra (WW2) começou a desenhar-se um novo e muito dinâmico cenário:

A China, arrancada a ferros do regime feudal, passou pelas convulsões da Revolução Cultural, iniciada em 1966 e terminada oficialmente em 1969 pela mão de Mao Tse-tung, mas que, de facto, subsistiu até 1976, quando o que ficou conhecido por Bando dos Quatro foi afastado do poder.
Na realidade, a Revolução Cultural pouco tinha de revolucionário, pois tratava-se duma luta interna pelo poder, e de cultural, ainda menos, visto ter-se tratado duma tentativa de extirpação dos endémicos problemas económicos com que a Velha China se debatia, e que a asfixiavam.
A partir daí, a China encetou um novo caminho, procurando abrir as suas fronteiras ao mundo, processo que culminou em 2001 com a adesão de pleno direito à Organização Mundial de Comércio, OMC. Como se costuma dizer, ninguém mais segurou a China que passou a ser a fábrica do mundo, o centro de afluxo de capitais, até que, no segundo semestre de 2010, ultrapassou o Japão como segunda maior economia do Mundo [1].
Creio que, hoje em dia, poucos verão na China um potência de cariz imperial com desígnios expansionistas. O seu território é rico, extenso, e, em grande parte inexplorado. Mas, no mundo actual a expansão dos países não se manifesta somente pela ocupação territorial. A grande necessidade de matérias-primas capaz de suportar os espantosos níveis de crescimento que o país tem vindo a registar, e não quer perder, obrigam-na a estratégias internacionais consistentes. E a China sabe implementá-las [2].

Por seu lado, o Japão, que conseguiu sair derrotado da WW2 sem o estigma de culpado de que, por exemplo, a Alemanha jamais conseguiu libertar-se (de facto, o Terceiro Reich não aconteceu no Japão), iniciou, logo nos anos 1950, o caminho da industrialização e da produção de elevada qualidade. Muito limitada, como penalização pelo envolvimento na WW2, no desenvolvimento das suas forças armadas, cedo canalizou a capacidade financeira para os negócios. Se bem que os fluxos financiamentos do Plano Marshall para a Alemanha tivessem sido o dobro do que foram para o Japão, quando a Alemanha entrou num ritmo de crescimento do PIB de 5%, contra os 17% do Japão (década de 1960), era um questão de tempo, pouco tempo, que o Japão ultrapassasse a Alemanha, e chegasse ao segundo lugar como economia mundial.
Se a Alemanha começa a preocupar-se com a avidez que a China tem mostrado na corrida às matérias-primas em todo o mundo, que dizer do Japão que praticamente não dispõe de todo de matérias-primas?
Sem fronteiras terrestres, o Japão tem de apostar nas vias marítimas [3], pois os seus aeroportos ainda registam capacidade limitada [4], se bem que o país esteja entre o que se considera ser o “estado da arte” na construção de aeroportos [5].

O futuro não se esquece

Disputando as mesmas águas que o seu grande rival (segunda e terceira economias mundiais), em luta pelas mesmas matérias-primas, e sem acessos terrestres, é natural que a disputa pelos corredores marítimos se agudize entre o Japão e a China. Os USA sabem que a perspectiva de confrontos reais entre estes dois colossos é catastrófica. Nem vai ao encontro dos interesses estratégicos dos USA qualquer subjugação dum contendor ao outro. Só o equilíbrio lhes interessa e tudo farão por o defender. Mas que este equilíbrio não é estável, disso ninguém duvida.
O recente incidente, ainda não resolvido, do pesqueiro chinês arrestado pela marinha de guerra japonesa, é mais um lembrete desta instabilidade. À primeira vista tratava-se dum pequeno episódio que deveria te sido encerrado com a libertação dos 14 tripulantes. Mas não, o Japão insistiu em manter a detenção do capitão do pesqueiro. Acima de tudo, uma demonstração ao seu poderoso rival que foi ultrapassado na arena económica, mas que não está defunto.
Ora, estas demonstrações de força são potencialmente assustadoras. É difícil imaginar um confronto armado entre o Japão e a China, sem pesadas implicações para todo o mundo, mesmo que nenhum outro país se viesse a envolver.
O incidente com o pesqueiro chinês não ocorreu num local qualquer. Trata-se duma zona marítima no Mar da China Oriental, a escassos 300 km da costa, que foi alvo dum acordo para exploração de jazidas de gás natural. A este espaço juntam-se outras localizações mais distantes, que ainda se encontram sob disputa. O gás natural é uma fonte de energia fundamental para qualquer dos intervenientes. Quanto melhor negociarem, melhor, mas de preferência que se obtenham visíveis benefícios, pensará cada um dos concorrentes, aparentemente destinados a serem parceiros neste negócio. Todas as vantagens negociais terão de ser maximizadas. O caso do pesqueiro é um movimento de peões nesta partida de xadrez. Outras peças se seguirão.
Para já, a China anunciou a interrupção de contactos ministeriais com o Japão, e adiou as próximas sessões de negociação sobre as jazidas de gás. Adiar não é suspender, tão pouco terminar as negociações. É um movimento táctico para definir limites de respeito.
Outras medidas, como o cancelamento de visitas de estudantes japoneses à exposição de Shanghai, ou a proibição dum concerto rock japonês que deveria ocorrer no mesmo cenário, parecem caricatas. Mas, nós ocidentais temos alguma dificuldade em lidar com as culturas asiáticas.
Mas, a exibição na China de filmes sobre a invasão japonesa de 1931, e as medidas restritivas de visita de familiares aos mortos japoneses em território chinês, já parecem intencionalmente provocatórias.
Entretanto, os média relatam que a China está a deslocar material para as jazidas ainda em negociação, adiadas neste momento, a fim de se colocar em posição mais favorável, o que não é inédito na actuação tradicional chinesa. Obviamente, os japoneses mostram-se irritados pelo facto.
Os USA estão no campo, procurando que as relações diplomáticas retomem a actividade. Tarefa difícil, mas indispensável, dada a intransigência das partes.

E a leste nada de novo?

Entretanto no Japão ocorreu significativa alteração política – o partido conservador que tem liderado o país na maior parte do tempo desde a WW2, perdeu as eleições para o Partido Democrático, considerado menos radical. Ora, a China está atenta e pode estar a testar a firmeza dos novos governantes japoneses, aproveitando este incidente. Parece convidar o Japão a repudiar ou assumir o passado militarista. Jogada perigosa, que não deve agradar aos americanos, por poder provocar clivagens entre a população japonesa.
Como o aparentemente insuspeito Liang Yunxiang da Peking University School of International Studies, declarou em entrevista ao New York Times: ''Antes de tomarem quaisquer medidas adicionais, ambos os governos deviam questionar se têm todas as medidas para lidar com as possíveis consequências dos seus actos” [6].
É isto que os americanos pretendem – bom senso e muita cautela. Nada de confrontos armados. E, em boa verdade, é isto que o mundo deseja, incluindo os dois potenciais beligerantes.

Entretanto, e uma vez mais

Sintomático que seja a primeira potência económica mundial, a arbitrar um diferendo entre os segundos e terceiros actores. É, de facto, preciso ter muito poder para ser reconhecido como árbitro credível numa disputa desta natureza.
Os USA não são, toda a gente o reconhecerá, um árbitro imparcial e desinteressado, antes, e uma vez mais, um participante que olha para estes acontecimentos como fundamentais para o prosseguimento da sua política de dominação global, que conta com o arrasador poderio militar de que dispõe como argumento dissuasor sobre quem ousar não acatar os seus conselhos.
Esta estratégia é crucial para se prosseguir com a análise das relações políticas e económicas nesta zona, hoje crucial para o desenvolvimento do mundo, e até para o futuro próximo do capitalismo.
Se algum país está para já a marcar pontos são os USA.
Atenção às cenas dos próximos capítulos.


____________________________________________



NOTAS:

[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-segunda-economia-mundial.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/china-e-o-mundo-em-guerra-pelas.html
[3] http://www.contents-station.net/imagens/business/comoexportarjapao.pdf
[4] http://www.ipcdigital.com/br/Noticias/Japao/Aeroportos-do-Japao-tem-capacidade-limitada
[5] http://obviousmag.org/archives/2008/06/aeroportos_japao.html
[6] http://www.nytimes.com/aponline/2010/09/21/world/AP-AS-China-Japan-Ships-Collide.html?_r=1&hp

Sem comentários:

Enviar um comentário