Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
24 Setembro de 2010
Porquê revisitar este tema em 2010?
Este artigo é dedicado à política de Filho Único na China, país que acolhe cerca de 19.7% da população mundial (1.3 biliões de pessoas). Neste ano de 2010 encerra-se mais um ciclo de cinco anos do programa Filho Único, que teve se iniciou em 1979.
Na China, e no exterior, reacendeu-se o debate sobre o tema. Veja-se, por exemplo, como a imprensa portuguesa de hoje lhe dedica atenção [1].
A Política de Filho Único na China
Muita gente se recordará do programa que a China implementou em 1979 para que as famílias só tivessem um filho. Na altura o país atingira a perigosa fasquia dos mil milhões de cidadãos, e o Partido Comunista Chinês encarregou o seu líder e chefe do governo, Deng Xiaoping, de elaborar um programa capaz de travar este perigoso crescimento.
Note-se que, em 1950, a população da China era 563 milhões, e em 1979, 972 milhões (crescimento de 72.65%) [2]. Tal taxa de crescimento era impossível de suportar. Muitos erros foram cometidos, numerosos crimes contra os direitos humanos, das mulheres em especial foram denunciados, incluindo acusações de abortos e esterilizações forçadas após a primeira gravidez. Contudo, feitas as contas, os grandes objectivos do programa foram alcançados. No entanto, estas medidas só se mostraram eficazes entra as populações urbanas, pois, na prática, não foram aplicadas aos aglomerados do imenso interior, nem às minorias urbanas não pertencentes à etnia Han [3].
O que foi, no seu início, um programa transformou-se numa política. E em 2006, as autoridades anunciaram a extensão do programa por mais 5 anos (2006-2010). Ainda hoje, por exemplo em Pequim, um casal que opte por ter um segundo filho incorre numa multa até 10 vezes o rendimento anual médio individual, o que ultrapassa 250.000 yuan (29.000 euros) [4]. Uma dura pena.
Embora, as estatísticas actuais indiquem que o número de chineses ascende a cerca de 1.3 biliões, estima-se que o programa Filho Único tenha evitado, nos primeiros vinte anos, 300 milhões de nascimentos, quase a população total dos USA (304 milhões), o dobro da Rússia (141 milhões), e quase tanto quanto o número total de alemães, franceses, ingleses, italianos, e espanhóis juntos (83, 64, 61, 58, e 46 milhões, respectivamente) [5].
Naturalmente que estas medidas arrastam consequências colaterais. Ressaltam por exemplo, o estigma que recaiu sobre os bebés femininos, e o desequilíbrio de géneros na população – quando seriam de esperar, em condições naturais, que para cada 100 mulheres existissem 105 homens, na China a proporção é actualmente de para cada 100 mulheres existam 114 homens. O futuro revelará qual o impacte real deste desvio.
Acertos à política de Filho Único
De repente (de facto, nada acontece de repente nesta sociedade ávida de planeamento), a China apercebeu-se de que se aproximava a altura em que se iria debater com questões de envelhecimento médio da população, e tomou medidas. Hoje, por exemplo, já é permitido a um casal que não tenha irmãos, ter dois filhos.
Considera-se que a taxa de fertilidade que corresponde à reposição estável da população é 2.1 – as mulheres, em média, devem ter 2.1 filhos. 2.05 é o valor da taxa de fertilidade nos USA. Na Alemanha, sempre mencionada quando se referem números sobre a China (por ser considerada como o motor da UE, e por ter perdido no segundo trimestre deste ano o segundo lugar das economias mais fortes, exactamente para a China), este valor é 1.41. Na China ainda está nos 1.79, mas suficientemente baixo para ter feito soar a campaínha em Pequim. Note-se que na década de 1970 o número de filhos por mulher era 4 [6].
A situação não está ainda estabilizada. Por exemplo, nalgumas regiões consta que alguns funcionários tenham sido ameaçados, ou mesmo mortos, por tentativa de obrigarem mulheres a abortar (o aborto é legal na China), e perseguições às famílias que não respeitaram a lei Filho Único. Algumas fontes denunciam, por outro lado, a existência de redes organizadas, tanto na China como nos USA, que cobram significativas quantias para que mulheres chinesas tenham filhos nos USA [7]. Desta forma, nascidos nos USA as crianças terão acesso facilitado aos estudos neste país, e as mães chinesas podem voltar a casa livres do alcance da lei do Filho Único. Obviamente, que este expediente só está ao alcance de famílias com posses, algo que não pára de crescer na China actual.
O compromisso oficial de 2006
O governo chinês, em 2006, através de Zhang Weiqing, Ministro da Comissão Nacional para a População e Planeamento Familiar, reafirmou, contudo, o total compromisso da China com a lei Filho Único, ao anunciar que ela continuaria para sempre, embora estivesse somente a anunciar a sua extensão para os 5 anos que se seguiam. [8]
Veremos o que as autoridades chinesas anunciarão para 2011 e seguintes. O mundo está atento e a China começa a ver no fim desta política a possibilidade de evitar o envelhecimento da população.
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NOTAS:
[1] http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=470442
[2] http://www.census.gov/cgi-bin/broker
[3] Para uma breve história da política Filho Único, consultar o interessante artigo da TIME: A BRIEF HISTORY OF China's One-Child Policy em 27 Julho de 2009 http://www.time.com/time/world/article/0,8599,1912861,00.html
[4] Estas agências cobram entre 90.000 yuan (10.500 euros) e 120.000 yuan (14.000 euros), segundo indicou o Global Times, uma publicação do grupo Diário do Povo, órgão central do Partido Comunista Chinês: http://sic.sapo.pt/online/arquivo/2010/9/mundo/1/Milhares+de+chinesas+vao+dar+a+luz+nos+Estados+Unidos+todos+os+anos.htm
[5] http://www.census.gov/ipc/www/idb/
[6] http://www.pime.org.br/mundoemissao/demografiaunico.htm
[7] http://sic.sapo.pt/online/arquivo/2010/9/mundo/1/Milhares+de+chinesas+vao+dar+a+luz+nos+Estados+Unidos+todos+os+anos.htm. De facto, esta situação repete-se em cerca de 30 países, mas é nos USA que tem a sua expressão mais representativa.
[8] http://geography.about.com/od/populationgeography/a/onechild.htm
Gostei muito do artigo, muito bem escrito.É de facto invulgar termos acesso na blogosfera a textos tão cheios de conteúdo, que ao mesmo tempo sejam interessantes . Fiquei a saber muita coisa que desconhecia completamente, sobre esta política. Sabia do filho único, como em geral as pessoas medianamente sabem , mas é ineiscedivel toda a prespectiva do problema,e envolvência,dando ao leitor uma visão previligiada sobre o tema em análise, aliás não só neste artigo mas estas características, qualidades são comuns a todos os outros artigos que coloca aqui no seu blog.
ResponderEliminarObrigado Klaro, pelas suas amáveis palavras.
ResponderEliminarAproveito para esclarecer: Dado que já leu outros artigos neste blog, terá com certeza constatado que não privilegio o estilo curto, de fácil leitura, estilo Reader’s Digest como costumo dizer (sem ofensa para o RD que também leio com frequência). Muito menos a polémica fácil.
Os meus textos são artigos, não são posts no sentido tradicional. Derivam dos estudos que faço, e pretendem facilitar o estudo de quem os lê, que podem assim beneficiar das compilações e cruzamento de assuntos que vou produzindo.
Como ninguém escreve só para si mesmo, agradeço-lhe o feedback que acabou de me dar.
Não hesite em colocar questões, sugestões, e críticas.
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