quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A China e o Mundo - Alemanha 02

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
15 Setembro de 2010


Da competição feroz à dependência

Já aqui foram referidos, pelo menos por duas vezes, o confronto da Alemanha com a China pelo controlo das matérias-primas mundiais [1], e o impacte positivo do programa Kurzarbeit na contenção dos níveis de desemprego alemão [2].
Hoje quero abordar a importância das exportações alemãs para a China, porque não se trata de mais um canal para a recuperação económica da Alemanha e, como muitos pensam, da Europa no seu conjunto, mas duma componente que se afigura, cada vez mais, como fundamental.

Os surpreendentes indicadores alemães

Apresentar um crescimento trimestral do PIB de 2.2 % no actual contexto europeu é surpreendente. É o melhor resultado desde a reunificação alemã. Em termos pessoais, Angela Merkel, que nasceu na ex-Alemanha Oriental, permitirá uma capitalização que lhe dará enorme força para continuar com as reformas que a chanceler preconiza.
Em termos de exportações a Alemanha não pode competir com a China em preço, mas pode fazê-lo nos domínios da alta tecnologia e da qualidade. Há muito, também, que a Alemanha se apercebeu, e nisso apostou fortemente, que o crescimento chinês iria continuar, arrastando com ele o consumo interno. Se tal se viesse a confirmar a Alemanha queria estar entre os maiores exportadores para a China.
De momento, e pensa-se que por longos anos, a China está carente de produtos que a Alemanha está em condições de fornecer, indispensáveis para o seu crescimento. Entre eles, destacam-se os automóveis, os equipamentos para infra-estruturas industriais e para a produção de energia verde. Este conjunto de produtos representa cerca de um quarto do PIB alemão. Em 2009, a Alemanha vendeu mercadorias ao exterior no valor de 10,728 € per capita, muito à frente da França e duas vezes o valor alcançado pela Itália. É facto que a Alemanha está a tirar partido da baixa do euro, mas esta situação afecta igualmente todos os países europeus. A diferença é que a Alemanha se preparou melhor que os seus vizinhos para a oportunidade que se aproximava, apesar, ou melhor tirando partido, da própria crise.

Este crescimento será sustentável?

Muitos economistas pensam que não, e que a economia alemã irá arrefecer à medida que caminharmos para o fim do ano de 2010, enquanto outros avançam com previsões de crescimento anual de 3 %. No entanto, continuam a vislumbrar-se riscos que podem fazer perigar este optimismo, pois as medidas de austeridade que o governo Merkel pretende impor poderão afectar os níveis de emprego. Os empresários, por seu lado, mostram alguma preocupação com o denominado “milagre económico alemão” ao confrontar-se com o “milagre económico chinês”, invocando mesmo metáfora do abraço do urso ou de pacto com o diabo, ou seja, que a Alemanha venha a ser vítima da potência que está a ajudar a construir.
Entretanto, empresas como a Siemens, a Basf, Mercedes-Benz, BMW, e AUDI aproveitam para escoar produtos topo de gama. Também a VW descobriu um novo filão – os carros da polícia chinesa e os táxis. Poderá facilmente imaginar-se o que significará dominar mercados com tal dimensão.

E o papel dos USA?

A América não vê com bons olhos a relação crescente nos negócios EU-China. Até agora parece haver lugar para todos, mas a China começa a mostrar apreensão com algumas posições político-militares dos USA. No início do Verão deste ano as autoridades norte-americanas chegaram mesmo ao ponto de divulgarem notícias e fotografias que apontavam para as “intenções expansionistas chinesas” [3].
Como seria normal, a China não gostou destas afirmações e desmentiu-as de imediato. Esta notoriedade não é benéfica para os seus negócios, como também não o é a notícia de que o país acabara de ultrapassar o Japão como segunda economia mundial. Neste particular, registe-se que a China continua a beneficiar do estatuto de economia em desenvolvimento, o que não deixa de ser verdade, mas, de facto, já não se justificam apoios para que saia da zona dos países em vias de desenvolvimento, os BRIC como costumam ser designados.

A questão do know-how

O ocidente habitou-se a ver a China como uma enorme fábrica a preços baixos. Mas a China não quer ficar por aqui – exige acesso ao know-how ocidental. Os alemães conhecem bem essa exigência, e começam a sentir as primeiras dificuldades – a China começa a exigir contrapartidas neste domínio para assinar novos acordos comerciais em determinadas áreas. Ceder aqui significa por em risco vantagens competitivas alemãs, e segredos que podem afectar inclusive a segurança nacional. Qual a táctica chinesa? Só assinar parcerias se as empresas alemãs permitirem executivos chineses na direcção de topo das joint-ventures. Esta cedência não é pacífica, nem isenta de acusações graves de espionagem [4].

“A China foi a nossa salvação” [5]

Muitos são os empresários, em particular alemães, que o afirma. O senhor Herrenknecht, dono da empresa alemã do mesmo nome, é o autor da frase em título. A sua empresa é líder mundial na construção de túneis e dispõe de contratos na China por vários anos. Mas a situação pode reverter.
Na China o crescimento pode abrandar, na Alemanha a austeridade vai aumentar, o programa Kurzarbeit tem fim anunciado, os sindicatos não irão por muito mais tempo condescender em aumentos salariais tão limitados.
As empresas alemãs beneficiaram de serem as primeiras europeias a apostarem na nova China. Retiraram enormes vantagens da antecipação e recolheram a maior parte dos 400.000.000.000 € que os chineses investiram em infra-estruturas de apoio à economia.
A grande questão é se o modelo alemão de fazer negócios com a China é sustentável. E, se não for, será que a Alemanha conseguirá a tempo implementar as alternativas que forem viáveis?
Como já referido, a prazo a Alemanha terá de se confrontar com a concorrência da própria China nos seus feudos tradicionais. Sem dúvida que o espectacular crescimento chinês não se limitará a gerar mais mercados para os estrangeiros, o próprio mercado chinês irá passar por evoluções qualitativas.
Se existe economia que terá de se precaver com a China, a Alemanha estará por certo no pelotão da frente.


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NOTAS:
[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/08/china-e-o-mundo-alemanha-01.html
[2] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/sera-que-existem-solucoes-simples-para.html
[3] http://www.economywatch.com/node/4749/ e
http://defensetech.org/2010/05/12/its-springtime-for-chinas-blue-water-navy/
[4] http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2878181,00.html
[5] http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,713478-2,00.html

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