sábado, 26 de março de 2011

O perigoso paradoxo a que chamamos Experiência

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
26 Março de 2011



Sinto-me desconfortável sempre que me vejo envolvido em ambientes onde, subjacente à abordagem dos temas em causa, constato a identificação de repetição de práticas que deram resultado no passado com a necessidade de experiências a transmitir às gerações mais recentes. Penso que é um erro em que nós Baby Boomers caímos com perigosa recorrência. Ou melhor, nós, Baby-Boomers (BB), assistimos tendo por vezes participado e contribuído, para uma interessantíssima alteração cultural que teve inegáveis méritos e legado assinalável, mas que de forma algo sobranceira atribuímos cariz de perenidade que, de facto, é hoje inconsistente e mesmo injustificável.

Não tenho por hábito tecer juízos de valor, e não será desta que irei quebrar a tradição. Não creio que os BB como eu, estejam de má fé quando insistem em tentar prolongar eternamente os valores e as crenças em que prosperaram. Não, nada disso, apenas irrealismo. Atribuo a origem do equívoco a má interpretação do que são práticas, procedimentos, e processos. Clarificando o significado que atribuo a estas três substantivos, direi que reservo o primeiro para os expedientes, mais ou menos difusos e espontâneos, que conduzem à concretização de algo, guardo a ideia de procedimento para quando me refiro ao conjunto de práticas que permitem regular o conjunto de tarefas necessárias à execução duma qualquer actividade ou função, e preservo o termo processo para o conjunto sistemático de procedimentos, únicos e encadeados, em que todos os intervenientes conhecem o seu papel, sabem de quem e do que dependem, qual o produto das suas intervenções. Acrescento que defendo que esta é a melhor forma de incutir o espírito inovador nas organizações, modelando a cultura empresarial pela elevação do estatuto da criatividade individual e grupal.

Nos anos oitenta do século passado, o mundo dos negócios foi inundado pelas iniciativas de Change Management. Debati esta problemática em ”Gestão da Mudança ou Mudança da Gestão?” e não vou aqui voltar ao tema. Apenas quero referir quanto tempo e dinheiro se gastou nessa décadas para, na minha opinião, chamar a atenção aos baby-boomers na altura ocupando lugares chaves nas empresas, para as realidades que se estavam a desenhar. Participei em muitos desses eventos e recordo bem o impacte que tiveram – demasiado pequeno para a importância da questão. E penso que também foi esta forma algo displicente de encarar a necessidade de mudar que nos levou a tratar tão mal a Geração X, tornado evidente o carácter de incógnita que lhes atribuíamos. Porquê? Por pura sobranceria, penso – nós é que sabíamos tudo, havíamos mudado para melhor (claro!), e receávamos que eles pudessem vir a dar cabo da “nossa obra”.

Dediquei um artigo, denominado ”Bye-bye Baby Boomers, à nossa penosa saída de cena (note-se que nem todos os BB estão aposentados – Barack Obama, por exemplo, nasceu em 1961, e continua influente). Esse texto bastou para dizer o que penso e não tem aqui cabimento qualquer retorno ao tema.


Afinal, qual o valor acrescentado dos “experientes”?


Vale a pena recordar o que já escrevi sobre experiência. Sou adepto de Kolb no seu modelo de aprendizagem, que neste blog referi em ”Soft Skills, o Desafio a Ganhar”. Experiência é a fase instrumental que nos permite transformar Saberes em Conhecimentos. Quer isto dizer que considero que não há Conhecimento sem a prévia aquisição de Saberes, e também que estes de pouco servem se não tivermos oportunidade para os experimentar. Esta é uma das razões porque acredito que é indispensável adquirir e renovar Saberes se os pretendermos transformar em Conhecimento, e porque considero a leitura tão imprescindível e o retorno à escola tão importante ao longo de toda a vida. Acho de forma mais directa, mesmo que possa parecer agressiva, que quem não tiver a preocupação permanente de aprender dificilmente terá alguma coisa para ensinar, e, se por acaso tiver algo para partilhar serão práticas, eventualmente ultrapassadas e inadequadas, que poderão servir de exemplos a não seguir pelas gerações mais recentes.

Este raciocínio é para mim tão evidente que confesso ter dificuldade em ver as coisas pela perspectiva oposta. Pura e simplesmente não consigo perceber porque razão práticas que conduziram (e conviria analisar se estaremos a considerar verdadeiros nexos causais ou simples coexistências temporais) a algo que há décadas resultou em recompensas pessoais e profissionais, teriam agora, em ambientes completamente distintos, de ser recomendadas como infalíveis.


Kolb estava cheio de razão


O modelo de aprendizagem de Kolb é tão simples quanto revelador. No primeiro estado a pessoa contacta com uma nova realidade, de seguida interpreta-a, depois conceptualiza-a, quando puder experimenta-a, para finalmente a adoptar como ensinamento a seguir, repúdio por considerar inválida a abstracção a que procedeu, e, eventualmente criar uma nova realidade a explorar. Ora este último passo reúne as condições ideias para a passagem da fase criativa (a que procedeu) para o estádio de inovação. E não é isso que queremos? Indivíduos criativos?

Sigo com particular atenção António Damásio, Richard Boyatzis, e Daniel Goleman, no que respeita aos conceitos de Inteligência Emocional e sua aplicação no desenvolvimento dos indivíduos e dos profissionais. Acredito nas suas consequências na Transformação Organizacional, assente na revolução cultural e não unicamente nas teorias de evolução das empresas com base no Desenvolvimento Organizacional, tal como insisto em precisar que as organizações só poderão ser consideradas como Organizações Aprendizes, como nomeadamente Peter Senge e Chris Argyris as definiram, se as pessoas que nelas vivem e colaboram forem ávidos de formação e informação. As organizações são entidades inertes tornadas vivas enquanto, e só enquanto, os seus membros forem aprendizes militantes. Impossível, então, às empresas zelarem pela sua sobrevivência sustentável? Não, longe disso. Se souberem adubar uma cultura de inovação como descreveu J. Correia Jesuíno, obviamente baseada no seu mais valioso activo – o Capital Humano – terão construído as bases do sucesso futuro, resistente aos maiores desafios contextuais que possam advir.


Conhecida a profilaxia, porque insistimos na terapêutica?


Léo Festinger, quando apresentou a teoria da Dissonância Cognitiva, dotou-nos da capacidade interpretativa dos equívocos que enunciei – As pessoas entram em Dissonância Cognitiva quando os seus comportamentos são inconsistentes com as suas atitudes, ou o espírito social vigente colide com as suas práticas habituais. Tão simples quanto isto – os anúncios aparentemente exagerados de determinado produto nos media visam produzir Consonância Cognitiva no público-alvo e, como consequência, fidelizá-lo nesse produto ou marca.

Uma questão fundamental se coloca de imediato. Se não estivermos predispostos a rever as nossas práticas (mesmo que no passado tenham sido ganhadoras), se não tivermos vontade sistemática de aprender e reflectir sobre novas teorias, métodos, e instrumentos, se não formos fervorosos adeptos da detecção das necessidades actuais, para que serve nossa apregoada experiência? Corremos inclusive o risco de incutirmos naqueles a quem pretendemos adicionar valor, de os estarmos a conduzir para o erro.

Não estou a defender o cepticismo de Pirro, nem a dúvida metódica de Descartes e seguidores, que tantos benefícios aportaram à nossa forma de pensar.

Estou a enaltecer os benefícios da correcta assimilação dos conceitos de Inteligência Emocional e da sua aplicabilidade nas relações com a Academia, em particular com os professores na análise dos Saberes transmitidos nas suas aulas, que podem ser enriquecidos por uma vasta classe de dirigentes e ex-dirigentes de negócios, nomeadamente pessoas mais seniores e com longas carreiras produtivas como os BB que têm a vantagem de disporem de mais tempo livre, ao promoverem a ponte entre os Saberes Académicos e a realidade exterior. É, contudo, indispensável que a dita ponte seja construída a partir do ponto correcto da margem em que se pretende apoiar, o que significa que aos ditos seniores para além de conhecerem onde querem chegar, saibam donde devem partir e quais são os actuais meios disponíveis para a travessia.

Sem isto, todas as partes arriscam mergulhar num logro. Estaremos a correr o gravíssimo risco de desenhar o futuro com ferramentas obsoletas.

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