Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
21 Fevereiro de 2011
Características duma situação de conflito
O conflito surge quando duas ou mais pessoas, ou grupos, com opiniões diferentes pretendem influenciar uma situação que afecta todos os intervenientes. Conflito e negociação são situações distintas. Como foi referido e analisado em Soft Skills, Factor Crítico em Negociação, negociação é um processo de gestão de relacionamentos em que as partes querem chegar a um acordo, ainda que não o declarem em público.
Não se deve inferir, contudo, que esta definição de conflito encerre maldade e muito menos intuitos de destruição dos opositores. Bem pelo contrário, quando os conflitos emergem, quem tem a responsabilidade de os gerir, deve fazê-lo condignamente procurando dele retirar resultados construtivos. Como é que isto se consegue? Com saber, conhecimento, perspicácia, respeito por todas as partes, e, acima de tudo, atitude positiva. Convém explicitar que por atitude se entende o conjunto conceitos, valores, e princípios, que suportam os comportamentos.
Perspectivas diversas, chamemos-lhes desacordos, podem abrir novos horizontes, clarificar os actuais, reforçar relações, e acrescer harmonia. O segredo reside no clima criado em torno da discussão e na gestão do processo de aproximação de interesses. Saliente-se que interesses e posições não são a mesma coisa. Interesse é o que se pretende ganhar, posição é o que não se quer perder. Interesse é algo realmente importante para o próprio, posição é a imagem que ele pretende projectar. Posições distintas, aparentemente antagónicas, encerram muitas das vezes interesses semelhantes, e portanto, conciliáveis. Tomemos o exemplo extremo dum conflito militar. Os beligerantes, se estão em conflito, defendem posições contrárias, mas não será que têm o interesse comum de acabar com a guerra? É neste domínio que os bons negociadores centram as atenções, pois sabem que só por esta via conseguirão a desejada conciliação.
Pode evitar-se um conflito?
A minha resposta é sim. Mas não se podem evitar todos os conflitos.
Pessoas diferentes reagem a situações idênticas de formas distintas. Em boa verdade, até a mesma pessoa em alturas diferentes interpreta factos iguais de maneiras diversas. Quem estiver envolvido num conflito deve ter esta realidade presente. Só o ajudará. E que dizer dos que têm a responsabilidade de mediar, arbitrar, ou resolver conflitos? Se não pensarem desta forma, aumentarão o grau de dificuldade das suas missões.
Então, e até agora, já podemos resumir: (1) Se os conflitos não se podem prever, aprendamos a conviver com eles; (2) Se dos conflitos se conseguem retirar benefícios, aprendamos a fazê-lo; (3) Se os conflitos se podem prever, aprendamos a detectá-los o mais cedo possível; (4) Se conflituar é próprio das relações humanas, aprendamos a negociar; (5) Se negociar implica ceder, então interiorizemos que ceder é distinto de perder.
Comportamentos em ambiente de conflito
No intuito de melhor entender as relações das pessoas face aos conflitos, Kenneth Thomas e Ralph Kilmann, dois consagrados autores na área de Change Management, construíram um interessante e simples modelo de tipificação de comportamentos humanos conflituantes. Chamaram-lhe TKI – Thomas Kilmann Instrument, que pode aqui ser consultado e experimentado. A ideia básica é que em situação de conflito duas componentes determinam a reacção dos intervenientes - a assertividade (o objectivo é satisfazer as próprias revindicações) e a cooperatividade (o indivíduo está predisposto a ir ao encontro das revindicações alheias, desde que possa satisfazer as suas). Daqui resultam os seguintes comportamentos-tipo:
• Fuga - Baixa assertividade e baixa cooperatividade: A pessoa evidencia querer evitar ou protelar o conflito. De facto, no momento pode ser esse o único significado, mas podemos estar na presença duma táctica de angariação de novos factos e argumentos, porventura mais relevantes, antes de “ir à luta”;
• Acomodação - Baixa assertividade e alta cooperatividade. A pessoa mostra querer manter a relação, minorando os seus próprios interesses. Possivelmente, se o processo continuar chegar-se-á a uma situação de “Eu perco / tu ganhas”;
• Competição – Elevada assertividade e baixa cooperatividade: A pessoa deseja impor o seu ponto de vista, sem se importar com opiniões alheias, nem com as consequências para os outros. Em geral, não é uma boa estratégia a utilizar em conflitos no interior duma equipa. A situação final será “Eu ganho / tu perdes”;
• Compromisso – Assertividade e cooperatividade médias, comedidas. O facilitador busca uma solução baseada em concessões das duas partes. Contudo, pela metodologia utilizada, se não forem acauteladas as relações, e se se colocar o acordo final como única prioridade, pode deixar ambas as partes divididas nas percepções de “Afinal quem ganhou? Eu não fui” ou pior ainda “afinal perdemos os dois”;
• Colaboração – Assertividade e cooperatividade elevadas. O facilitador procura uma solução através do envolvimento construtivo e empenhado de ambas as partes. É, de facto, a estratégia potencialmente mais ganhadora, a que pode criar as melhores soluções e a que pode garantir melhores relações futuras. No final a percepção mais provável será “Eu ganhei / Tu ganhaste”. Apresenta, contudo, um grande inconveniente, o tempo investido no processo.
A fundamentação teórica deste instrumento é muito semelhante à utilizada no modelo teórico de estratégia negocial de Dean Pruitt e Jeffrey Rubin, apresentada no best-seller “O Conflito Social”.
Então, que fazer para tirar partido dum conflito?
Insisto na minha falta de simpatia quando se trata de fornecer receitas simples para questões complexas. Nunca recomendei nenhuma dessas detestáveis peças de ficção que dão pelo nome de “literatura de auto-ajuda”. E não será agora que vou faltar ao meu compromisso. É preferível analisar as bases para construir soluções, e deixar que cada um decida face a situações concretas, do que tentar construir um guião pretensamente universal.
É fundamental entender o cenário em que o conflito ocorre. Para tal, diferenciemos: (1) conflitos pessoais; (2) conflitos intragrupais; (3) conflitos intergrupais.
1. Conflitos pessoais
Os conflitos pessoais resultam, em regra, de disputas individuais. Os ambientes criativos e inovadores são particularmente propícios a este tipo de ocorrências.
Quando as questões surgem, as soluções mais simples e habituais resumem-se à clássica solução ganha-perde, ou seja, a satisfação duma das partes é garantida pela insatisfação da outra, ou ainda melhor, o que um ganha é o que o outro perde. Digamos que, duma forma ou doutra, prevalece a força. O vitorioso sai reforçado; o perdedor insatisfeito, desmoralizado, inferiorizado, desmotivado e, sobretudo, com vontade de reunir forças (não produtivas) para possível desforra em altura oportuna. Contudo, ceder em questões menores pode justificar ganhos nas questões cruciais. Se for possível explorar estes aspectos, todos ficarão satisfeitos e, se forem criadas condições de confiança, ainda se poderão alcançar maiores ganhos na esfera relacional futura, propicia a novos entendimentos.
Simplificando, quando nos preparamos para gerir um conflito entre duas pessoas podemos adoptar entre duas tácticas extremas: (1.1) controlar as partes, reduzindo as interacções ou (1.2) estimular o confronto, aproximando a cooperação.
1.1 Táctica de controlo das partes
Evitar as interacções entre as partes é uma boa táctica, em especial quando o nível emocional é significativo, procurando que o tempo de reflexão individual contribua para diminuir o grau conflitual. O perigo inerente tem a ver com o protelamento por vezes exagerado do tempo face à urgência da solução. Caminho alternativo poderá passar pela cuidada preparação de sessões temáticas específicas, o estabelecimento de normas de discussão, e a limitação temporal das reuniões. A abordagem às partes, em separado, visando o acompanhamento e o aconselhamento pessoal é outra táctica aplicável, cumulativamente ou não. Este tipo de acção, importante para a diminuição dos níveis de tensão e a alteração atitudinal, não contribui, contudo, objectivamente para a resolução do problema.
1.2 Táctica da estimulação do confronto
O confronto, nestas condições, apelidado de construtivo, visa ampliar os horizontes em disputa e assim criar novas oportunidades de cooperação. Ao por em confronto as duas pessoas, coloca-se de forma deliberada em cima da mesa o jogo e entendimento de sentimentos. A discussão, centrada em factos e não em inferências, é mais objectiva, permitindo assim que sentimentos e emoções sejam canalizados para a solução final. Neste processo, baseado na confiança e aberto à criatividade, novos níveis de entendimento se tornam possíveis, permitindo cedências impensáveis noutras condições, pela possibilidade de exploração de acordos em áreas que nem existiam à partida.
Processo mais moroso, necessita de grande sentido de objectividade a fim de não prolongar o período de decisão final. Ao gestor que opte por este tipo de táctica, exigem-se significativas competências relacionais (Soft Skills), como: capacidade para ouvir, observar e entender; inteligência emocional, segurança e humildade e capacidade de liderança situacional.
2. Conflitos intragrupais
Eisenhardt et. al (1997: How Management Teams Can Have a Good Figh, HBR OnPoint 536X, Enhanced Edition) propuseram um guião muito útil, orientado para o caso particular de conflitos no interior de grupos em ambientes de incerteza. Nestas situações, e por clara pressão do exterior, podem surgir tentativas de ultrapassagem de problemas por formas menos tradicionais, relacionadas muitas vezes com a extrema vontade de cada membro intervir o melhor que pode para a solução final. Porque se trata de iniciativas individuais, não avaliadas em conjunto, podem surgir conflitos que tendam a tornar-se pessoais e destrutivos. O primeiro passo do facilitador deverá ser separar o pessoal do profissional, promovendo o interesse colectivo. A metodologia reside em seis pontos, como se segue:
2.1 Focalize-se em factos
Equipe-se com toda a informação que possa recolher, seleccione a relevante, e trabalhe-a com o desígnio de poder argumentar baseado em aspectos críticos, diminuindo ou eliminando os riscos de ser considerado menos preparado.
2.2 Multiplique alternativas
Apresentar uma só saída não faz sentido. Por definição, se só existir um caminho, ele não terá alternativas, tratar-se-á duma imposição. Nunca o faça. Prepare sempre três ou quatro hipóteses, mesmo que nem todas correspondam às suas opções pessoais. Mas não exagere, pois o objectivo é encontrar a melhor solução, não o prazer dialéctico. Tente que a discussão se polarize em torno das duas alternativas com mais probabilidade de sucesso.
2.3 Identifique interesses comuns
As maiores divergências ocorrem quando os intervenientes se centram na discussão de posições e não de interesses reais. Os melhores gestores de conflitos sabem que este princípio é fundamental e focalizam-se nele desde o início do processo. Esta é a melhor forma de fazer convergir as atenções das duas partes, concentrando-as nos pontos comuns e não nos divergentes, e levando-os sentir que caminham no sentido dos seus interesses.
2.4 Utilize humor
O humor alivia a tensão e facilita o bem-estar e o entendimento. Não exagere, pois não poderá esquecer que está perante uma situação conflituosa. Nomeadamente, não force o humor se, na verdade, não se considera dotado para o efeito.
2.5 Equilibre as estruturas de poder
Se você for reconhecido como líder do grupo é normal que, sem imposição, usufrua de posição privilegiada para facilitador na busca duma solução para o conflito. Mas não tente impor o seu estatuto, nem o relembrar sequer, e deve atender a que podem existir outras fontes de poder em presença, como sejam as que advêm das competências em determinadas áreas. Não as ignore, mas utilize-as procurando equilibrá-las. A questão pode até não ser, nem ter, componentes técnicas decisivas.
2.6 Busque consensos qualificados
O consenso está longe de constituir a melhor solução para um conflito. Muitas das vezes, pelas cedências submissas que pode encerrar, poderá estar só a adiar a questão, talvez até a agravá-la num futuro próximo. E no caso de soluções consensuais não reconhecidas como realmente suas pelos intervenientes, pode acontecer que a decisão final seja assumida pelo líder em nome do grupo. Se este for o carácter formal da solução a adoptar, faça questão de relevar a participação interventiva e colaborante das partes, para que sintam a decisão como deles.
3. Conflitos intergrupais
Uma das razões porque os indivíduos aderem a grupos encontra-se exactamente nas diferenças claras para os outros grupos e na oposição aos seus princípios, crenças e normas. Aderir a um grupo, significa um reforço de identidade pessoal através do poder do colectivo. Numa aproximação típica pode considerar-se que existem três formas elementares para abordar conflitos entre grupos: (3.1) a coexistência (pacífica); (3.2) o compromisso; (3.3) a resolução de problemas.
3.1 Coexistência pacífica
A tónica é colocada na identificação de pontos comuns e na minimização das divergências, relegando-as para plano secundário. Procura-se a convivência mais sã que for possível (entre etnias, povos, credos ou profissões), incentivando as trocas de pontos de vista entre as partes.
Sob o aspecto teórico, a ideia pode parecer defensável, mas sob o ponto de vista prático pode revelar-se impraticável, e só servir para protelar as questões. De facto, existem numerosos exemplos de tentativas de soluções deste tipo (a nível político e social, essencialmente) que falharam, pois, na realidade, acabaram por se revelar paliativos em vez de verdadeiras soluções.
3.2 Compromisso
As soluções de compromisso resultam de negociação entre as partes, em que o objectivo é que, através do conjunto de cedências consideradas aceitáveis por cada um dos intervenientes, se chegue a acordo em ambiente de sensação de satisfação de ambos, ou, no mínimo de evitar insatisfação. No fundo, nenhuma das partes perde, mas também se corre o risco de nenhuma delas se sentir ganhadora. O perigo maior pode residir no facto dos acordos conseguidos neste clima poderem renascer como desencontros, e, se tal acontecer, poderem gerar acrescidas crispações e intransigências. As verdadeiras questões raramente ficam sanadas.
3.3. Resolução de problemas
Quando existem problemas, o melhor é enfrentá-los e resolvê-los. A acomodação de interesses antagónicos, não é solução duradoura. À resolução dos problemas, nesta óptica, chama-se “conflito criativo”, e visa transformar conflitos em oportunidades, a busca da melhor e mais persistente solução. Assim se geram soluções de responsabilidade partilhada, com empenho comum nas suas concretizações: ambos, e em conjunto, identificam as questões, acordam objectivos, constroem hipóteses alternativas e seleccionam acções e formas de implementação sob controlo mútuo.
Concluindo
Conflitos são situações normais e frequentes, e não devem ser encarados com algo pernicioso. Da sua resolução a contento das partes surgem, em geral, grandes oportunidades de cooperação futura baseada na confiança mútua.
Se é gestor, aprenda a conviver com eles de forma natural, respeitadora, e eficaz. Gerir conflitos é uma actividade tão crucial para o gestor como tomar decisões. Adquira competências relacionais (Soft Skills) e treine-os, pois de cada vez que os aplicar melhorará a sua utilização.
Pessoalmente, acredito que um conflito sempre que possa ser bem gerido é uma bênção.
Caro Vitor, cheguei aqui depois de ter lido o seu comentário no blog "Entre as Brumas das Memória" de Joana Lopes, e após algumas dúvidas que ficaram a pairar voltei a comentar sobre o assunto.
ResponderEliminarNo geral concordo com a sua opinião que devemos ir buscar os bons para que a Europa floresça e se dinamize, embora isso não aconteça hoje e a cada dia que passa degrade mais a sociedade europeia no seu conjunto.
Obrigado.
Pois meu caro Martini Bianco, quem entrar aqui não perceberá do que estamos a falar.
ResponderEliminarPior pode ficar com uma ideia completamente deturpada do que eu disse no blog da Joana.
Para que fique claro:
1. Já tenho escrito várias vezes que acho que as políticas económicas e sociais dos USA e EU estão erradas - em breve terão de "pagar" para se poderem manter, isto é, têm de implementar políticas de "importação" de competências de que não dispõem, ou porque as deixaram acabar ou porque não as souberam ou quiseram criar.
2. Eu não disse que a EU devia "importar os bons" refugiados e "rechaçar os maus". A questão não é assim tão simples, na minha opinião.
3. O que eu disse foi que você podia estar a ser mal interpretado pela Joana. Ela, aliás, logo de seguida admitiu isso mesmo.
4. O que eu acho, sem aqui poder desenvolver o tema, é que se a EU quiser sobreviver e prosperar terá de se desenvolver COM o Norte de África, e não À CUSTA dele, e muito menos CONTRA ele.
5. Acrescento que penso o mesmo em relação aos USA e o México, ou até mesmo grande parte da América Latina.
Agradeço-lhe a oportunidade de poder esclarecer um pouco mais o que afirmei.
Boa tarde Vitor,
ResponderEliminarComo já disse, gosto mesmo de ler os seus artigos e ainda mais quando são temas como este. A negociação faz parte do dia a dia de todos nós e é um processo de comunicação recíproco, com o intuito de alcançar um objectivo comum. Por vezes, por falta de recursos, associado a um sentimento de hostilidade cria-se o conflito. Parabens Vitor, gosto muito do seu poder de síntese.
Simpática, mais uma vez, HCB.
ResponderEliminarComente mais vezes. Tenho a certeza que os seus comentários irão enriquecer os textos originais.
Fico atento, à espera.