Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
16 Janeiro de 2011
Há dias D.R. (nome fictício) referia-me: “Não entendo porque razão se passou a denominar por Departamento de Recursos Humanos o que, afinal, sempre foi e continua a ser o Serviço de Pessoal”. Sem qualquer hesitação D.R. qualificou esta alteração como manifestação de pedantismo pretensamente modernista. Nem mais. Este meu amigo nunca foi homem de pedir licença para dizer o que sente.
Para mim, a opinião de D.R. é muito importante por três razões: (1) D.R. foi durante mais de uma década “Chefe do Serviço de Pessoal”; (2) D.R. estava em pleno exercício dessa função quando eu fui admitido como empregado, e, portanto, fixou-se de imediato, como uma referência importante para um debutante como eu; (3) D.R. é hoje meu amigo, e é dono de opiniões que muito prezo.
Na minha opinião, o comportamento visível de D.R. era habitualmente mais interveniente do que foi o dos vários sucessores que lhe conheci, que entretanto adoptaram a nova terminologia de Departamento (em lugar de Secção), Director (e não Chefe), e Recursos Humanos (em vez de Pessoal). Ou seja, aparentemente ser Director do Departamento de Recursos Humanos é muito mais mediático, mundano, e importante, do que ser Chefe da Secção de Pessoal. Jamais me apercebi que as directivas de todos eles, e conheci vários, tivessem sido substantivamente diferentes, para além de naturais adaptações conjunturais. Mas que o título é mais pomposo, lá isso é. Pelo menos nas reuniões em que o estatuto social conta.
Pessoalmente, defendo que o que passarei designar, daqui em diante e por comodidade, visto ser a expressão mais comum, por Departamento de Recursos Humanos (D.R.H.), deveria ser chamado a adquirir novas competências a fim de poder alargar áreas de intervenção.
Neste artigo procurarei abordar uma das que considero mais importantes – o Coaching dos profissionais com responsabilidades de direcção de pessoas, ou que uma vez reconhecidos como talentos, se acredite que possam vir a assumir posições de liderança. Deixarei o Coaching Operacional, o que normalmente é conduzido por profissionais mais experientes no desenvolvimento de tarefas operacionais, para outra oportunidade. Pessoalmente, até prefiro chamar-lhe Treino ou Formação do que correr o risco de se confundam os conceitos, embora reconhecendo que poucas pessoas me acompanhavam nesta visão.
Hoje todos os dirigentes proclamam que as pessoas são o património mais valioso de que uma organização pode dispor. Há quem prefira chamar Recursos Humanos (RH) a este património, outros optem por Capital Humano (CH), outros ainda recorrem à expressão Activos Humanos (AH). E a criatividade não se esgota aqui.
A primeira opção (RH) não é a minha preferida, embora seja a mais corrente. Em princípio, a recurso associo a ideia de limitação predeterminada – todos os recursos são finitos, não é verdade? Ora, quando nos referimos a pessoas, há que reconhecer que, conjunturalmente, a quantidade de informação que cada um dispõe é realmente limitada, como proclamava Herbert Simon, mas eu prefiro acreditar que a capacidade de evolução individual não conhece limites que possam ser determinados por outrem. Dito doutra forma, como já aqui referi, a mais nobre função dum líder, é levar aqueles que desempenham funções nas suas equipas a superarem o que pensam ser os seus próprios limites, através da criação de espaços de liberdade que possam fomentar a inovação, a criatividade, e a assunção de novas responsabilidades (o empowerment militante, ou, o “empreendedor praticante”, como aqui referi. Para que não se confunda esta ideia com qualquer forma de fundamentalismo, abro uma excepção para quando em ambiente de projecto se quantificam tempo, dinheiro, equipamentos, e pessoas na mesma folha de cálculo. Mas, aqui, estamos no campo estritamente racional, onde (quase) tudo, para o responsável pelo projecto, se resume ao cumprimento de metas quantitativas previamente estabelecidas.
A última (AH), considero-a inadequada. Activos e passivos são epítetos que qualificam entidades idênticas em sentidos opostos. Em contexto financeiro fará todo o sentido: uns são desejáveis, os outros não. Os passivos evitam-se, combatem-se, eliminam-se se possível. Tratamentos que não se aplicam quando estamos a lidar com pessoas. Quando alguém fica aquém do esperado, a decisão imediata não deve ser o despedimento, nem a ostracização do profissional em causa, mas sim a procura de áreas mais apropriadas às suas competências.
Capital Humano (CH) é a minha expressão preferida. Não indicia qualquer tipo de limitação ao desenvolvimento. É um valor que, se bem que possa ser intangível, é inequivocamente indelével, afirmativo, diferenciador.
O papel crucial dos Departamentos de Recursos Humanos
Nos Departamentos de Recursos Humanos (DRH) podem e devem, se a organização o comportar, existir especialistas de diversas áreas. Há, contudo, uma especialidade que não pode faltar – gestores de RH. Não me refiro a técnicos de RH, aqueles que dominam todas as regras burocráticas ligadas à administração de pessoas, nomeadamente no que respeita aos preceitos legais e às áreas de recrutamento e selecção, ao cumprimento das regras de justiça e equidade, quer seja em termos de carreira ou retribuição.
Não, não é nada disso que me preocupa, mas sim o facto de que hoje se torna indispensável que os profissionais de RH se assumam como agentes de mudança dentro das suas organizações, como sintomaticamente preconiza Winston Connor, um ex-Vice President de RH, hoje líder da sua própria empresa de Coaching.
É neste domínio que se vencem as batalhas: Um agente de mudança é necessariamente um hábil negociador, excelente e flexível intérprete situacional, e exímio dominador de Soft Skills.
Pelo exposto se infere, quanto considero crucial a actividade do DRH no sucesso organizacional.
Coaching e Mentoring são programas diferentes
As práticas sistemáticas de Mentoring e Coaching, o investimento em formação, e os apoios à concretização de metas de desenvolvimento individual, melhoram a produtividade, aumentam a retenção e a satisfação no trabalho. Mentoring e Coaching são disciplinas bem distintas. Se, na minha opinião, cabem aos DRH importantes actividades de Coaching, já não penso o mesmo acerca do Mentoring.
Mentoring é uma parceria entre um funcionário experiente, as mais das vezes um quadro superior, e um ou vários menos experientes, focalizada no desenvolvimento de carreira destes últimos. Não me parece adequado endereçá-la ao DRH.
Coaching focaliza o desenvolvimento de competências, o aprofundando da aprendizagem, o incremento do desempenho, e a melhoria da qualidade de vida no trabalho.
Nada impede, assim, que o Coaching possa ocorrer como integrado num processo, mais abrangente, de Mentoring.
O Coaching visando o desenvolvimento de competências comportamentais (Soft Skills) assume características distintas do desenvolvimento de competências técnicas (Hard Skills), pelo que para aqueles se exigem técnicos especializados, enquanto que para estes os colegas mais experientes são, em regra, a solução mais aconselhada, até por questões financeiras.
Neste artigo debruço-me exclusivamente sobre Coaching de Soft Skills, em particular no apoio e desenvolvimento de competências de liderança.
Clarificando o conceito de Coaching
Coach significa treinar. O Coach é um treinador. Mas praticar Coaching é mais do que treinar o praticante (Coachee) na eficiente utilização dos recursos (tempo, equipamento, dinheiro) que a organização disponibiliza para o cumprimento de funções e de metas.
É importante precisar uma ideia – Na actividade de Coaching, o Coach não fornece respostas, introduz um processo capaz de ajudar o Coachee a descobrir as respostas.
Há muito me habituei a utilizar o método GROW. Trata-se dum modelo muito simples e eficaz, que consiste em conduzir o Coachee a identificar e revelar, ele próprio, ao Coach qual é o objectivo (Goal) que lhe causa preocupação, qual a envolvente (Reality) que lhe dificulta a concretização, de que alternativas (Options) julga ele dispor, e o que irá fazer (Will) para as pôr em marcha. Este modelo, de autoria de Sir John Whitmore, pode aqui ser experimentado.
Basicamente, o Coach apoia o Coachee num processo mental em que este identifica e escalona os seus próprios objectivos (G), contextualiza-os (R), encara e valoriza as alternativas de que dispõe (O), para finalmente ele próprio se comprometer com as acções (W) que o levarão a ultrapassar os obstáculos que o inibiam. Quase que parece um daqueles malfadados processos de auto-ajuda que actualmente enchem as prateleiras das livrarias e que, em regra, não passam de oportunismo pouco escrupuloso. Convido o leitor a procurar familiarizar-se com as bases da metodologia. Julgo que a informação disponível na net, atrás citada, será suficiente.
Desafio o leitor a utilizar a técnica aprendida. É bem provável que fique fã como eu.
Competências-chave que definem um Coach
Do futebol à música, da ginástica à natação, do ténis ao hóquei, encontramos pessoas que se tornaram famosas pelas capacidades de motivação e inspiração dos atletas, e suas ascensões às vitórias. Habituámo-nos, inclusive, a vê-los a conduzir seminários sobre liderança nas empresas. Conhecemo-los pelo nome. São assíduos nas páginas das revistas de negócios.
Que têm eles de comum? São mestres em:
• Gestão de expectativas
• Flexibilidade situacional
• Concentração nos objectivos
• Paixão pelo trabalho, e, muito importante
• Perguntam mais do que afirmam
A boa notícia é que não é necessário praticar desportos, ver desportos, ou ser teórico do desporto, para ser Coach em ambiente de negócios. Não é necessário possuir dotes de Coach para ser um bom profissional, mas é, contudo, indispensável tê-los para ser um bom líder.
O Coach não se perde em informações técnicas, deleitando-se com considerações teóricas, ou dissertando sobre “como as coisas devem ser feitas”. Os Coaches tendem a ficar de fora de detalhes, concentrando-se em tarefas superiores, como visão, estratégia e planeamento. As suas disciplinas favoritas incluem comunicação, negociação, resolução de problemas, liderança, cooperação, e planeamento.
Assim sendo, para ser Coach não basta dispor de experiência funcional (Hard Skills), é preciso possuir competências relacionais (Soft Skills), e estas só excepcionalmente se encontram nas unidades operacionais. Por isso todos os DRH devem ter especialistas nesta área. No mínimo para, se não puderem assegurar eles mesmos estes propósitos, poderem perceber a importância destas disciplinas, e serem capazes de seleccionar no exterior quem poderá levar a cabo estas tarefas.
Não é Coachee quem quer, nem quem nós queremos
Para poder praticar Coaching, o Coach precisa de autorização do Coachee, e é crucial que uma vez obtida esta permissão, o Coach defina muito claramente os limites e regras mútuas a respeitar na relação. A confiança é factor crítico de sucesso. O Coach é apoiante, líder, professor, amigo, cúmplice, confidente. Aqui não pode haver dúvidas.
Ou seja, não é Coach quem quer, tem de o merecer.
O Coach é um líder muito especial – ele move-se numa sensível relação de liderança 1-2-1 (one-to-one, um-para-um) muito particular. Assim tudo o que eu mesmo afirmei em ”SOFT SKILLS & Liderança” ganha particular pertinência neste contexto. A gestão do relacionamento é indispensável, e deve ser adequada a cada situação. Receitas de sucesso, não existem. Inteligência Emocional, exige-se (aqui em pdf ou aqui em livro).
O profissional de RH como Coach? Sim, claro!
Obviamente, que nos DRH têm de existir especialistas de gestão salarial, relações com sindicatos, conhecedores da legislação de trabalho, experientes recrutadores e integradores de pessoas, conhecedores das tributações aplicáveis, e outros gestores de programas de suporte relacionados com as interfaces humanas. Todas estas actividades são típicas duma função de staff como tradicionalmente têm sido os Serviços de Pessoal. Recordo que não é este o âmbito deste artigo – aqui quero relevar a componente operacional dos DRH, como pessoalmente os concebo.
Os especialistas em RH têm de ser exímios na utilização de Soft Skills.
Eles terão de estar aptos a praticar Coaching sobre qualquer colaborador da organização, incluindo o CEO. Uma organização moderna e flexível, como afirma Aries de Geus, é aquela que estando sempre a aprender, consegue aprender mais depressa”. Esta é uma imagem mais profunda e sintética do que as mensagens que Peter Senge gravou nas tábuas quando publicou o best-seller ”A Quinta Disciplina”, também aqui tratado em formato pdf. Aprecio, em especial, esta afirmação de Geus: “Na maioria dos casos, aprender significa esquecer o que antes dera resultados”.
Obrigado D.R.
Não posso terminar sem endereçar um especial agradecimento ao meu amigo D.R. Foi a conversa com ele que despoletou este artigo.
E é bem provável que D.R. venha a fazer alguns reparos ao que aqui digo. Se assim for, terei de voltar ao tema. Com redobrado prazer.
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