sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

CHINA - Em Força na Inovação

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
21 Janeiro de 2011


Em Setembro de 2010 convidei os leitores a debruçarem-se sobre a mudança estratégica chinesa e os receios que esse conjunto de iniciativas estava a provocar nos países ditos desenvolvidos. Nesse artigo dediquei mesmo um capítulo ao tema “Da produção em massa à qualidade e à especialização”. No mês seguinte, escrevi sobre a absoluta necessidade que a China sente de não estar tão vulnerável às exportações, centrando atenções no que designei por inevitabilidade de incrementar o consumo interno. Mas o desafio mais profundo que se coloca a esta importante economia na próxima década, chamar-se-á inovação. Se a fase de cópia de produtos estrangeiros deu os seus frutos no passado, captando capitais que permitiram a gigantesca massificação da produção, e de seguida, a orientação para bens de qualidade, discutido em ”Leve que é garantido, é Made in China”, hoje é o vanguardismo da inovação que concentra as atenções dos estrategas chineses.

A cultura ocidental habituou-se a definir “Inovar” como introdução de novidades em; renovação; invenção; criação. São estes os significados que encontramos no dicionário online Priberam. Para a mesma fonte, “Criatividade” quer dizer dar existência a; dar o ser a; gerar; produzir; originar; educar; inventar; fomentar; estabelecer; interpretar; nascer; produzir-se; crescer; passar à juventude. Até parece que a “Criatividade” é mais fácil de explicar do que a “Inovação”.

Proponho que fiquemos, no contexto em que estamos, pela seguinte precisão: “Inovar” significa criar algo de diferente e que não seja mero melhoramento do que já existe. Conveniente será recordar as sábias palavras de Peter Drucker quando afirmava que a inovação só faz sentido quando precedida de experiência. Ou seja, só interpretando correctamente as ofertas e necessidades actuais, se pode criar algo que preencha as lacunas detectadas. Quão importante era o conhecimento para Drucker.

Evolução do investimento em R&D

O investimento em R&D não garante qualquer sucesso, é certo. O parágrafo anterior é elucidativo da bondade desta afirmação. É a excelência do Know-how que conduz ao sucesso, e não a quantidade de dinheiro que se possa injectar nos programas de R&D. Mas também é verdade que as carências financeiras em R&D tornam a caminhada para a inovação numa missão impossível. O esforço financeiro chinês neste terreno tem sido assinalável – de 1.25% do PIB em 2004, passou para 1.5% em 2008 (e como subiu o PIB chinês de 2004 a 2008). Mesmo assim, não deverá ter atingido 2% em 2010, como alguns analistas arriscaram prever, baseados no plano quinquenal que se encerrou no ano passado. Para maior detalhe na evolução do investimento chinês em R&D, consulte por exemplo como evoluiu no sector químico, uma das mais importantes apostas chinesas.

Não é, porém, somente nos valores envolvidos que a aposta chinesa em R&D merece tanta atenção. É também na implementação duma agressiva política de descentralização – de actividade fortemente centralizada, aliás consentânea com o regime político vigente, chegou-se hoje a cerca de 60% da investigação ser processada em grandes e médias empresas privadas. Eis alguns indicadores que confirmam esta aposta - o investimento estrangeiro neste domínio, já era, em Novembro de 2009, responsável por 7% do total, e as empresas multinacionais a operar na China, dispunham nesta data de cerca de 1500 centros de R&D autónomos. Face a esta evidência, alguns comentadores alertaram, em 2009, para o facto das multinacionais estarem a deslocalizar R&D para a China, e, num outro trabalho, de 2011, outros analistas terem chamado a atenção para que, em vários domínios da investigação, se bem que os USA ainda ocupem o primeiro lugar, a China já conquistou a segunda posição mundial. Não será de admirar que em 2010, de que ainda não se conhecem números finais, a China venha a ultrapassar os USA em patentes registadas, mas não tardará muito para que tal venha a acontecer.

A experiência mostrou às autoridades chinesas que a inovação não se decreta nem se impõe. A China não quer voltar a cometer os mesmos erros. O caso da tentativa de desenvolvimento autónomo de tecnologia TD-SCDMA, é sintomático de como as autoridades chinesas aprenderam que a inovação não se impõe de cima para baixo. Esta iniciativa só atingiu 10% dos objectivos traçados – um gigantesco e inesquecível “flop”.

O exemplo indiano mostrou-lhes que as apostas não podem orientar-se exclusivamente para a inovação operacional – a construção dum modelo criativo consistente é crucial. Por outras palavras, trata-se de conceber e colocar no terreno uma cultura de inovação. Este artigo, publicado na Business Week, e assinado pelo CEO da Infosys, intitulado “Obstáculos à Inovação na China e na Índia”, explica bem as dificuldades que têm de ser vencidas para alcançar o sucesso nesta área.

O mercado de veículos movidos a energia eléctrica é um bom exemplo das preocupações das autoridades económicas chinesas no que respeita a inovação, não só porque o mundo está ávido desta tecnologia, como a China precisa de reestruturar a frota de carros oficiais e a rede nacional de táxis. A procura será muito significativa, como se calculará, e os chineses não querem entregar esta oportunidade aos estrangeiros.

Algumas fontes calculam que a China vá investir em R&D nesta indústria cerca de 8 mil milhões USD, com base nas perspectivas de vendas para 2020. É uma forte aposta, de facto, e um óptimo exemplo da objectividade chinesa.

Encargos R&D em 2020, China vs USA (previsão)

Não nos podemos alhear de que estamos a falar de enormes mercados e economias gigantescas. A título comparativo, repare-se na grande disparidade de investimentos em R&D quando se compara os USA com a China.

Por exemplo, um estudo de Janeiro de 2010, referia para os dois países os seguintes valores de investimento em R&D, previstos para 2020: China – 86 / 281 / 714; USA – 446 / 554 / 684. Os valores estão em milhares de milhões USD, sendo o primeiro calculado com base em estimativa moderada de evolução das economias, o segundo média, e o terceiro favorável.

Que nos dizem estes cálculos? Que a diferença entre os dois países ainda é muito grande; que não é impossível a China ultrapassar os USA no final da próxima década, mas que não será muito fácil que tal aconteça – na China teria de se verificar um incremento anual médio de cerca de 24% durante 10 anos, o que será pouco provável. Para consulta do modelo aplicado vá aqui.

Que se passa com o grande consumo?

Aqui as notícias não parecem tão risonhas. O sector electrónico continua dependente dos produtos desenvolvidos no Japão e na Coreia do Sul, se bem com melhorias pontuais. De novo, nada, ou quase. Um dos obstáculos à evolução neste sector poderá ser a total ausência de estudos de mercado – as empresas produzem o que acham que devem produzir. Ninguém se preocupa em saber o que os consumidores querem. Aqui encontrará uma análise do que se passa, ou melhor, do que não se passa.

Nos serviços o panorama é semelhante – muito pouca inovação. Na banca e nos seguros, por exemplo, os produtos disponíveis são tradicionais, por vezes mesmo ultrapassados. É certo que as autoridades receiam a introdução de produtos inadequados nos mercados. O exemplo dos tóxicos que afectou toda a economia mundial está bem fresco. Contudo, os negócios implicam risco, e estagnar nestas áreas pode ser muito arriscado. Consulte aqui, aqui, e aqui, o que neste espaço já foi escrito sobre políticas anti-inflaccionistas na China.

Assim sendo…

Decisões políticas, precisam-se.

A Índia dispõe duma aposta fortíssima na área dos carros eléctricos de baixo custo – o Tata. O modelo Nano, o carro mais barato do mundo, pode vir a tornar-se um revés para as empresas de automóveis populares na China.

Nas energias recicláveis, a China precisa de se libertar do know-how ocidental, nomeadamente alemão, e explorar os técnicos nacionais que têm vindo a ser formados em quantidades apreciáveis todos os anos.

A quinta geração de dirigentes chineses pós-revolução [nota 1] irá tomar as rédeas da nação a partir de 2012-2013 [nota 2]. Contudo, sabendo-se da capacidade planificadora dos chineses, não é preciso ficar à espera dos novos líderes para tomar a iniciativa de apoiar a inovação.

Massa cinzenta, não falta.

A China prepara-se para novo passo em frente. Só terá a ganhar com isso. E eu quero acreditar que o mundo também.

E os leitores, o que pensam sobre isto?

___________________________________________________


NOTAS:

[nota 1] As cinco gerações a que me refiro, são personificadas por: Mao Zedong, Deng Xiaoping, Jian Zemin, Hu Jintao e Wen Jiabao, Xi Jinping e Li Keqiang.

[nota 2] Em 2012 ocorrerá a eleição do novo secretário-geral do PCC, e em 2013 terá lugar a eleição do novo primeiro-ministro. Esta geração será a dos homens de leis - Xi é engenheiro químico, com um doutoramento em ciências sociais; Li é licenciado em direito. Em termos de formação académica, as diferenças para os seus antecessores são notórias – Hu é engenheiro com passado militar; Wen é geólogo.

Sem comentários:

Enviar um comentário