Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
25 Novembro de 2010
O que é um cliente?
Muitos anos como director de vendas mostraram-me as vantagens de perguntar aos vendedores recém-chegados à profissão – “O que é para ti um cliente?” Não estava preocupado com as respostas que recebia. Muitas delas se fossem aplicadas, garanto-vos que iriam resultar muito mal para o cliente, para o vendedor, e para a organização.
Não pense que criticava o debutante profissional, pedindo-lhe que esquecesse esse conceito e que ponderasse na minha própria definição. Não, não era isso que fazia. Pelo contrário, pedia-lhe que me explicasse porque pensava assim. No fim desta curta e informal conversa informava-o de que, na próxima reunião de grupo, cada um dos vendedores que transitava do ano anterior explicaria “Com que clientes vou cumprir os meus objectivos”. As distintas concepções de cliente implícitas nas diferentes exposições, iriam permitir-me, em nova reunião com o debutante, mostrar-lhe que nenhum deles olhava para os seus clientes como números, centros de lucro, ou compradores. Com maior ou menor eloquência os profissionais de vendas mais experientes, tratam os clientes como … pessoas. Com emoção.
Quem é o cliente?
O cliente é um ser humano que, como tal, tem sentimentos. Isto significa que a base do sucesso em vendas, joga-se na gestão da relação. É por isso que os cursos de vendas minimizaram progressivamente as aulas de técnicas de venda, de argumentação, de rapidez de objecção, de elaboração de propostas, e de descrição de produtos, para se debruçarem sobre negociação, gestão de conflitos, cooperação, gestão do tempo e da relação. Dito de outra forma, sem descurar as competências técnicas (Hard Skills), procura-se a afinação das competências comportamentais (Soft Skills).
É por esta razão que o Recrutamento pode ser executado por entidades especializadas exteriores à organização, que escrutinam Hard Skills, e que a Selecção deve ser sempre da responsabilidade duma equipa interna capaz de avaliar e decidir com base nos Soft Skills dos candidatos.
Números! Números!
Todos os bons vendedores que conheci tinham “instinto matador” (“killer instinct”) - identificavam com enorme mestria a altura em que deviam pedir a decisão do cliente. O que acabo de dizer não contradiz os parágrafos anteriores, bem pelo contrário, pressupõe o conhecimento perfeito das necessidades, constrangimentos, dependências, motivações, e estados de espírito dos seus interlocutores, e confere forma à noção que ambos têm algo a ganhar com o negócio.
Uma das principais limitações que encontrei em óptimos profissionais doutros campos e que se aventuraram em vendas, dizia respeito aos custos da solução. Pura e simplesmente sentiam vergonha ao lidar com este tema.
Confesso que também passei por essa fase. Mas ultrapassei-a quando descobri que a melhor maneira de prevenir problemas, era abordar os termos e as condições aplicáveis ao possível negócio em causa desde o início do estudo.
Assim, aproveitando conversas menos formais, trocávamos impressões sobre o que significava para ele ver a ultrapassada a questão que o preocupava.
Ambos beneficiávamos desta aproximação – eu ficava bem cedo a perceber se tinha capacidade para elaborar uma proposta que coubesse num valor aceitável, e ele podia, também muito cedo, decidir se fazia sentido continuarmos com o estudo. Isto partindo do princípio que se a minha futura proposta não pudesse ser concorrencial, enquadrada no seu orçamento, e garantindo-me margem de lucro aceitável, eu iria anunciar-lhe a impossibilidade de continuar as conversações, explicando-lhe porquê.
Relevo deste tipo de abordagem vários benefícios, a saber: (1) o cliente percebia que, à semelhança das suas motivações, eu queria manter-me dentro das margens de lucro que me permitissem assegurar os níveis de qualidade que ele esperava da minha proposta; (2) eu, caso a oportunidade de negócio não se afigurasse rentável, iria libertar os recursos afectos a este caso colocando-os noutros com maiores possibilidades de êxito; (3) ambos ficávamos, tão cedo, quanto possível, cientes do caminho que iríamos percorrer, em conjunto ou em separado, mas com o respeito e consideração entre nós reforçado. No fundo, estávamos a falar em linguagem de negócios. Nenhum de nós tinha perdido o norte.
Esta é uma forma directa, baseada na confiança e profissionalismo, de preservar as relações futuras. Nunca tive razão de queixa deste tipo de comportamento. Não é único, e, se calhar, não é o melhor. O leitor julgará, conjunturalmente. Mas não deixe de ser directo, sincero, confiável, respeitador, e profissional. Se não for já, um dia irá concordar comigo.
Sentimentos
Nem toda a gente exterioriza emoções, mas todas as pessoas têm sentimentos, e grande parte das decisões encerram significativa componente emocional. Os bons vendedores conhecem esta realidade e tiram partido dela. Foi exactamente isso que ficou dito no artigo Soft Skills, factor critico em negociação.
Na preparação duma proposta o vendedor nunca deve esquecer que ela procura solucionar uma questão, não várias. O facto dessa questão poder englobar vários problemas parciais não invalida o raciocino – na cabeça do cliente está uma questão principal. É essa que deve rotular o projecto comum a desenvolver.
Que vantagens apresenta esta abordagem? (1) Ao não perder de vista a questão global, o vendedor mostra que não se dispersa por soluções parcelares, e entende o seu cliente como um todo; (2) Ao englobar as diversas componentes, integrando-as como peças da solução global, o vendedor transmite integridade e coerência funcional à proposta, e a eventual possibilidade de implementação por fases ou módulos; (3) Quanto mais abrangente for a solução, menos riscos o cliente corre, e menos concorrência o vendedor terá de enfrentar.
Quero ainda partilhar convosco o que recolhi da minha própria experiência.
Um dos erros habituais nos vendedores debutantes é apresentarem duas, ou mesmo mais, propostas ao cliente para que ele possa decidir a que melhor corresponde aos seus anseios. Razões invocadas: (1) não se deve deixar o cliente sem alternativas; (2) é uma forma de demonstrar a nossa flexibilidade.
Não concordo. Melhor, reprovo. Sempre que procedi assim, perdi.
Conversando mais tarde com os clientes que recusaram as alternativas com que os havia confrontado, percebi que eles tinham interpretado que eu não tinha uma ideia clara da questão a resolver, ou tinha dúvidas sobre os benefícios de cada uma das minhas próprias ofertas, ou não queria assumir total responsabilidade do que estava a propor, colocando o eventual ónus totalmente do lado dele.
Cedo reconheci que os clientes tinham razão. Por isso passei a sugerir aos meus vendedores que, quando se apresenta a proposta formal ao cliente, ele não deve manifestar nenhuma surpresa, antes pelo contrário, o ideal será que tenha uma reacção do tipo: “era disto mesmo que eu estava à espera”. As alternativas de solução devem ser analisadas tão cedo quanto possível, e logo a seguir à fase de identificação de necessidades. E é ao longo da afinação do conteúdo da proposta que se discutem e acordam quais são os critérios de satisfação que irão prevalecer, os recursos a envolver, e a calendarização de actividades. Ah, e não menos importante, encargos decorrentes e formas de pagamento. Surpresas? Não, obrigado.
Poderá o leitor pensar que o exposto é demasiadamente rígido e racional. Então não me expliquei bem. O que está em causa é o contrário – (1) toda a informação relevante deve ser apresentada e discutida o mais cedo possível; (2) todas as alternativas devem ser analisadas, e seleccionada a que mais corresponder aos requisitos; (3) a troca sistemática de pareceres e esclarecimento de dúvidas beneficia a relação, favorece a confiança, e permite explorar o lado emotivo dos negócios.
O que é um cliente fiel?
Os clientes fiéis, por ordem crescente do nível de relação:
• Recompram – Qualquer que seja a estratégia no terreno, é indispensável proceder, no mínimo, a uma classificação ABC do nosso portfólio de clientes.
• Referem – As melhores referências que um fornecedor pode ter são as provêem espontaneamente dos nossos clientes.
• Recomendam – Neste nível os clientes tornam-se prescritores, fazedores de opinião.
Costumo referir esta hierarquia como a pirâmide dos 4 Rs.
Só mencionei 3? Pois foi. E não foi engano. É que o quarto R é Receitas.
E é disso que o vendedor se alimenta.
É, ou não é?
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