segunda-feira, 8 de novembro de 2010

CHINA – O “boom” do consumo interno visto pelos estrangeiros

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
08 Novembro de 2010

Em artigo anterior, “China “forçada” a dinamizar o consumo interno” [1], abordámos a importante alteração estratégica da China no sentido do crescimento sustentável, nele se tendo salientado que os gastos dos consumidores baixaram 15 pontos percentuais em relação ao PIB de 1990, passando de 45% para 30%. Referiu-se também que a China é um país com grandes assimetrias em termos de custo de vida.

Mercado gigantesco com grandes assimetrias

Estima-se que existam na China cerca de 250 milhões de famílias com rendimentos superiores a 1,000 US$ anuais, e cerca de 50 milhões com mais de 3,500 US$ [2] [3]. Estes números não são, naturalmente, exactos, como a própria Mckinsey noutro estudo refere quando revela que na China, o PIB per capita foi, em 2003 de 1,300 US$, ou seja, o equivalente a 5,000 US$, quando ajustado pela paridade do poder de compra [4]. De acordo com este estudo mais recente, em 2010, 40 milhões de famílias auferirão mais de 48,000 yuans anuais (ao câmbio, 6,000 US$), mas que equivalerá a cerca de 24,000 US$ em termos de paridade de poder de compra no estilo de vida americano. Estamos, portanto, perante valores que qualificam uma família de classe média nos USA.
Contudo, estamos a falar dum país imenso e duma população três vezes superior à Europa e seis vezes os USA. Se em Xangai o PIB per capita é cerca de 5,600 US$, em Chongqing, no interior, este valor baixa para um quinto – 1,100 US$ [5]. Percebe-se porque alguns empresários que afirmam que a China é uma nação, mas não é um mercado. Sendo muitos, então a apetência dos estrangeiros vira-se para os segmentos Premium, deixando os segmentos inferiores e médios entregues às empresas locais, o que não é difícil dados os preços praticados justificados pelos baixos custos. E, neste domínio, está o grande problema – os custos de produção na China estão a aumentar [6].
As empresas chinesas têm sabido tirar partido desta vantagem competitiva e, ao aprenderem com as técnicas comerciais estrangeiras, apresentam crescimento nos seus próprios mercados e mesmo em segmentos onde os estrangeiros eram maioritários (higiene e alimentação empacotada, por exemplo). É claro que as marcas internacionais não estando interessadas em canibalizar as suas marcas premium, preferem não arriscar guerras de preços. Fica a dúvida se realmente têm, nestas condições, alguma hipótese de competir.

Uma complexa cadeia de valor

Em Fevereiro de 2007, a IBM Corporation, apoiada num inquérito conduzido pela The Intelligence Unit da The Economist [7], num artigo intitulado Winning in China’s mass markets, elencou os principais problemas da cadeia de valor chinesa que constituem obstáculos às operações das multinacionais naquele país:
• Centralização – O passado centralista da sociedade chinesa, a que se juntam deficientes infra-estruturas, é considerado importante obstáculo à eficiência das operações;
• Distribuição – Demasiados níveis de distribuição, com muitos distribuidores nacionais, regionais, e locais, com pouco valor acrescentado entropiam o sistema;
• Gestão – limitada previsão, altos níveis de stocks, custos logísticos que chegam ao dobro do normal (por vezes 10% das vendas [8]), sendo habitual (77% das empresas) apresentarem benchmarks inferiores à concorrência [9], e, pior que tudo, devido ao elevado número de intermediários, incapacidade de estudar os clientes.
Daqui decorrem os riscos inerentes ao tempo necessário para ir da fábrica ao ponto de venda e a propensão para encontrar alguém, familiares ou amigos, que possam facilitar o processo.
Que alternativas se colocam, então?
• Alternativa #1 – Online e Televendas
Em 2007, as vendas por este canal atingiram 700 milhões de US$, valor igual ao melhor dia de vendas semelhantes nos USA, embora se tenha registado crescimento anual de 34% [10].
Este canal debate-se com a desconfiança dos chineses, mas pode crescer muito devido aos avultados investimentos em curso no domínio das comunicações.
A UPS e a PGL já têm operações significativas na China.
• Alternativa #2 – Lojas próprias
Sós ou em parceria, esta modalidade parece estar a ganhar adeptos. A Motorola, por exemplo, optou lojas próprias na cadeia Gome.
• Alternativa #3 – Vendas directas
Esta é a opção predilecta para produtos Premium e acesso a clientes-chave nas cidades níveis 1 e 2 [11]. A Amway, por exemplo, criou uma rede de mais de 200,000 agentes em 180 cidades.
• Alternativa #4 – Retalhistas Directos
É um canal em franca expansão quer por parte dos nacionais (Suning e Gome), como dos estrangeiros (Wal-Mart, Carrefour), com a enorme vantagem de reduzir os intermediários. Preferem instalar-se na periferia das cidades níveis 1 e 2 [11].

Os próximos passos

Como referido o caminho mais normal passará pelo encurtamento dos canais de distribuição. Mas o enfoque principal deverá passar pelo interesse sobre as cidades níveis 3 a 5 [12]. É previsível que os investidores optem por encurtar o mais possível a linha de abastecimentos dos pontos de venda, com forte atenção às práticas de venda, na logística, na terciarização, no outsourcing especializado, e na melhoria dos canais de informação.
O desejado aumento das vendas, das receitas, e dos lucros, deverá passar pela eficácia do acto de venda, longe do tradicional relacionamento excessivo dos chineses (“guanxi”), algo que não faz parte do rol de preferências dos investidores estrangeiros.
Noutros domínios se verificarão importantes apostas:
• Investigação & Desenvolvimento
Desenvolvimento de novos produtos de qualidade orientados para as características das populações chinesas, adaptados aos canais de distribuição, e compatíveis com a evolução dos níveis de vida. Os investimentos estrangeiros nesta área, insignificantes em 2001, atingiram em 2006 4 biliões de US$, com cerca de 750 a operarem regularmente [13].
A pressão para a disponibilização de produtos de qualidade a baixo custo pode ser ilustrada com os recentes anúncios de PCs da Lenovo (PCs a menos de 100 US$), que adquiriu a divisão de PCs da IBM em 2005. Releve-se que esta tendência não é exclusivo da China, como, por exemplo, a Tata fez na Índia ao decidir produzir um carro para 4 pessoas por menos de 3,000 US$ [14].
• Fornecedores locais
Os departamentos de compras estão a assumir lugar fundamental na nova estratégias de criação de valor, procurando encontrar junto de fornecedores locais, e de acordo com especificações locais, as componentes de que necessitam para a assemblagem e transformação dos produtos finais. Números oficiais revelam que esta fonte, já em 2006, representava 600 biliões de US$ (cerca de 9% da produção chinesa, prevendo-se que esta valor possa aumentar para 14% em 2009) [15].
• Recursos Humanos
Em 2005, a American Chamber of Commerce in China identificou os recursos humanos como a questão crucial a resolver para o desenvolvimento das vendas na China [16]. O requisito era claro - as empresas exigiam não só as pessoas certas, mas também bastante
pessoas em locais diferentes para colocarem no terreno mercados em massa, de altos volumes e baixos custos.
O paradoxo afigurava-se evidente – como seria possível estarem perante semelhante problema numa população de 1.3 mil milhões de pessoas? Para mais, em 2006, a China havia produzido 4.13 milhões de licenciados com formação em matemática e engenharia [17]. A verdadeira questão só poderia ser a identificação, acompanhamento, e orientação de talentos, porque falta não haveria, por certo. A má notícia foi a constatação de insuficiente preparação destes licenciados para os negócios, nomeadamente para servirem em multinacionais. A McKinsey chegou mesmo a concluir que só 10% destes recursos seriam aproveitáveis a curto prazo neste domínio [18].
Assim sendo, e perante outro dado entretanto verificado – os elevados níveis de rotação destes profissionais qualificados – forma accionadas as seguintes medidas:
1. Recrutamentos em massa
2. Adequado controlo salarial
3. Aposta nas cidades de nível 3 a 5 [12]
4. Especial atenção à formação de supervisores de vendas, marketing, compras, I&D, e gestão de canal
5. Implementação de programas de coaching, mentoring, e sistemas de recompensa
É desta forma que a China está paulatina e sistematicamente a percorrer, com a gestão do tempo que nós ocidentais temos alguma dificuldade a entender, o que identificou como “o caminho das pedras”.

“A longa viagem começa por um passo”, como diz o provérbio chinês.


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NOTAS:

[1] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/10/china-forcada-dinamizar-o-consumo.html
[2] https://www.mckinseyquarterly.com/Encouraging_consumer_spending_in_China_1555
[3] Para um ideia do que significam realmente estes valores expressos em yuans, pode-se multiplicar por 4, isto é, 1,000 US$ (ao câmbio oficial) na China representam poder de compra de 4,000 US$ nos USA.
[4] https://www.mckinseyquarterly.com/Retail_Consumer_Goods/Sectors_Regions/Marketing_to_Chinas_consumers_1472
[5] China Regional Statistical Reports, reproduzidos pela Mckinsey
[6] http://lugaraopensamento.blogspot.com/2010/09/estrategia-economica-chinesa-ensaia.html
[7] Pdf em http://www-900.ibm.com/cn/services/bcs/iibv/
[8] Butner, Karen. “Follow the leaders: Scoring high on the supply chain maturity model.” IBM Institute for Business Value. September 2005. http://www-935.ibm.com/services/us/index.wss/ibvstudy/imc/a1020839?cntxt=a1005268#1
[9] idem
[10] “China B2C Market Size Will Reach RMB 18.83 Billion in 2010.” Analysys
International. Jan 2007. http://english.analysys.com.cn/3class/detail.php?advertisement=002&id=261&name=report&FocusAreaTitleGB=&daohang=Report&title=
[11] Cidades de nível 1 e 2 são 25 (1-4 e 2-21), onde habita 9% da população (119 milhões de pessoas), que geram 34% do PIB (2004) a uma margem de crescimento de 16%, com salários médios entre 16 e 30 mil yuans, onde a penetração de banda larga de internet é 24%, e 78% das pessoas possuem telemóvel.
(Fonte: China Statistical Yearbook.” 2005. Tratamento analítico: IBM Institute for Business Value 2007)
[12] Cidades de nível 3 a 5 são 306 (3-19, 4-77, 5-209). Nelas habita 18% da população (239 milhões de pessoas), que geram 43% do PIB (2004) a uma margem de crescimento de 16%, com salários médios entre 11 e 21 mil yuans, onde a penetração de banda larga de internet é 12%, e 56% das pessoas possuem telemóvel.
(Fonte: China Statistical Yearbook.” 2005. Tratamento analítico: IBM Institute for Business Value 2007)
[13] Ministry of Commerce statistics. June 2006.
http://www.mofcom.gov.cn/aarticle/i/jyjl/l/200610/20061003365128.html
[14] “Car making in India, a different route.” Economist. December 13, 2006. http://economist.com/displayStory.cfm?story_id=8413155.
[15] “Novartis to Establish Drug R&D Center in China.” Wall Street Journal. November 6, 2006.
http://online.wsj.com/article/SB116277366653714013.html?mod=health_hs_pharmaceuticals_biotech
[16] “The AmCham-China White Paper: American Business in China.” The American Chamber of Commerce of the People’s Republic of China. May 16, 2006.
http://www.amchamchina.org.cn/amcham/show/content.php?Id=1570&menuid=&submid=
[17] 2005 National Statistics Bureau of China. October 19, 2006.
http://english.peopledaily.com.cn/200610/29/eng20061029_316147.html
[18] Farrell, Diana. “China’s looming talent shortage.” McKinsey Quarterly. November 2005.
http://www.mckinsey.com/mgi/publications/Chinatalent.asp

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