Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
20 Outubro de 2010
Praticamente toda a minha vida profissional teve a ver com Vendas. Umas vezes assegurando-lhes o suporte técnico de que necessitavam, outras assumindo directamente a responsabilidade pelos resultados. Em muitas situações, mais do que considerava como normais, encontrei vendedores que detestavam negociar. “Só tem necessidade de negociar, quem ou não é capaz de entender as necessidades dos clientes e que, por isso, não conseguem construir propostas irrecusáveis, ou os que não dispondo de soluções adequadas precisam de tornear as exigências dos clientes”, diziam-me. Ao princípio Fiquei admirado e pensei que estes profissionais eram, ou consideravam-se, perfeccionistas, mas a convivência acabava por revelar uma de duas coisas: ou tinham manifestas carências em técnicas de negociação, ou, pior, por se situar ao nível atitudinal, exibiam fortes deficiências relacionais.
As técnicas aprendem-se. A prática continuada encarrega-se de melhorar os comportamentos. As competências de relacionamento formam-se. Situam-se no domínio das emoções e dos sentimentos. Desenvolvem-se a nível atitudinal, e, por isso, não se ensinam nem se aprendem, moldam-se.
O que é negociar?
A Negociação é um processo de gestão de relacionamentos no qual as partes procuram chegar a um acordo que a ambos satisfaça. Este processo implica: (1) que as partes queiram encontrar uma solução, (2) que as partes estejam dispostas a ceder nalguns pontos para que a relação possa continuar.
Face a um Conflito [1] Negociar significa que, através dum processo estruturado, o vendedor e o comprador, praticando cedências mútuas, procuram um acordo benéfico para a transacção a efectuar. Ora, esta definição, arrisca-se a chocar com o que as partes entendem por Vender – um processo estruturado seguido pelo vendedor que o conduzirá ao acto de venda. Para tal o vendedor procurará identificar as necessidades e motivações do cliente, a fim de as satisfazer com benefício mútuo. Por outras palavras: na Venda, o vendedor tenta persuadir o comprador; na Negociação, o processo de persuasão é mútuo.
Os meus vendedores tinham razão, e eu, no início, não os estava a entender. Existem diferenças entre Vender e Negociar, e não são de pormenor como se possa pensar.
Fundamentos da Negociação [2]
Foi Roger Fisher [3] quem introduziu o conceito de “Negociação Baseada em Princípios”. Este método sistematiza a busca do acordo final nos processos negociais através de cedências mútuas e da procura de benefícios para as partes. De forma sintética, Fisher ensinou o seguinte:
• Devemos ser duros (Hard) com os problemas, e suaves (Soft) com as pessoas;
• Focar-nos nos interesses, não nas posições;
• Ser flexíveis na apresentação de alternativas;
• Utilizar padrões legítimos na busca do acordo;
• Conhecer o nosso BATNA [4] e procurar entender o do nosso interlocutor.
Como se vê existe aqui uma fortíssima componente Soft e é essa a razão deste artigo.
As pessoas acima de tudo
Os melhores negociadores são óptimos ouvintes – escutam tudo o que podem, falam só o que devem [5]. O que dizem podem escrever, e têm autoridade para garantir o cumprimento. Respeitam a relação, adubam-na, fazem-na perdurar. Os seus compromissos são sensatos, agradam aos interesses de ambas as partes, e baseiam-se em critérios justos e condições legítimas.
Um acordo que desrespeite a outra parte, ignore os seus interesses, a humilhe ou derrote, será sempre um mau acordo e a possível morte de relações futuras. Conhecedores destas limitações, os bons negociadores preparam as reuniões e estudam as características e interesses pessoais dos seus interlocutores, em especial no que diz respeito a comportamentos passados da outra parte, experiência e afiliação profissional, posição e afiliação organizacional, e autoridade realmente detida.
Interesses sim, posições não
Se existe conflito é porque as posições das partes não coincidem, podendo mesmo ser antagónicas.
Quando se procura um acordo, e é isso que justifica a negociação, devem explorar-se pontos de convergência e suavizar as divergências. Mas minimizar opiniões não convergentes, não significa ignorá-las, muito menos hostilizá-las. O segredo está em saber identificar interesses. Interesses são motivos de preocupação; posições são o que as pessoas reclamam. Ambos são cruciais numa negociação – é preciso procurar os verdadeiros interesses por detrás das posições demonstradas, que até podem não corresponder à realidade. Interesses são, pois, os objectivos subjacentes às propostas apresentadas.
Por isso, para conduzir uma negociação com êxito é essencial identificar o que motiva a outra parte. Dito de outra forma – posições diferentes podem não significar interesses divergentes.
Introdução de novas alternativas
Construir opções em função dos interesses de cada parte contribui para o alcance de acordo aceitável. Novas opções são, entenda-se, alternativas sem compromisso que só passarão a sê-lo depois de ratificadas pelos intervenientes. Deve-se portanto ser flexível na sua colocação em jogo, pois podem carecer de alterações para poderem ser aceites.
Estamos, agora, em plena fase criativa, e podemos explorar os ensinamentos de Edward de Bono [6] e as suas ideias sobre Pensamento Lateral [7]. Bono diz-nos que a melhor maneira de encontrar soluções inovadoras não é aprofundar o tradicional Pensamento Vertical, analítico, racional, cartesiano, mas antes complementá-lo com novos horizontes. Um exemplo característico que Bono apresenta habitualmente nos seus workshops é o seguinte: Bono desafia a assembleia, organizada naturalmente por mesas de trabalho de cerca de 8 pessoas, a encontrar a melhor forma de evitar que o indivíduo X se desloque do ponto A, onde está, para um determinado ponto B mais vantajoso. Após 2 minutos, Bono não solicita soluções, mostra a sua: Cria um ponto C que seja ainda mais vantajoso para X do que B. Este exercício normalmente resulta bem (a não nos casos, como eu, que já assistiram a vários seminários deste pensador). A assistência fica surpreendida, ouvindo-se mesmo o silencia da sala, mas não mais se esquece da experiência.
A legitimidade
Legitimidade é a base do roteiro para termos e condições justos.
O respeito pelo outro ajuda à noção de legitimidade. Por exemplo, quando queremos dizer a uma criança que não gostamos da forma com ela faz uma coisa qualquer, a mensagem será muito melhor aceite se completarmos a comunicação explicando-lhe como a deve fazer. Isto quer dizer que ninguém gosta que lhe lancem problemas, mas apreciará se lhe acenarmos com uma hipótese de solução.
Outro complemento importante respeita aos padrões de justiça. Corre-se o risco de ser injusto, tratando todas as pessoas da mesma maneira. É preciso entender os padrões de justiça do outro e enquadrá-los no nosso próprio conceito. Há, contudo, que acautelar os níveis de poder delegados em cada um dos intervenientes para que não se caia em situações virtuais, altamente lesivas da credibilidade dos intervenientes.
Os limites individuais – BATNA
Um dos erros mais comuns num processo negocial acontece quando alguém adianta uma alternativa sem ter em consideração as implicações – os limites delegados para a negociação podem vir a ser ultrapassados, e este facto só vir a ocorrer mais tarde quando já seja difícil, ou impossível, voltar atrás. Solução? Conhecer o seu BATNA e identificar o da outra parte.
As propostas alternativas devem ser claras. Não adianta tentar negociar escondendo interesses, a fim de iludir o outro. Por exemplo, quando um dos interlocutores avança com uma alternativa mal esclarecida (ou seja, ocultando detalhes à espera que o outro não dê por isso), as consequências serão, pelo menos a prazo, muito negativas.
Inteligência precisa-se
A inteligência que se exige no domínio que estamos a endereçar, não é a tradicional inteligência racional, vulgo QI elevado ou outra métrica equivalente. O que se espera do bom negociador é um elevado índice de inteligência emocional, como Daniel Goleman a define. O individuo emocionalmente inteligente, e no que aqui nos preocupa, o negociador eficaz é o que for altamente competente nas seguintes vertentes:
• Auto-percepção: Capacidade para conhecer as emoções próprias e não ter receio de falar sobre elas;
• Auto-regulação: Capacidade para controlar os impulsos próprios e de os canalizar para propósitos positivos;
• Motivação: Paixão pelo cumprimento de objectivos;
• Empatia: Capacidade de relacionamento com os outros, considerando os seus sentimentos na altura da tomada de decisões;
• Competências Sociais: Capacidade para construir relações com os outros, trazendo-os para ambientes cooperativos e orientando-os na direcção desejada.
Papel do poder numa negociação
A noção de Poder é algo de muito curioso, em ambiente negocial. O Poder depende de muitas variáveis, e está sujeito a múltiplas interpretações conjunturais. Além disso é efémero, mesmo nas instâncias onde menos se poderia admitir volatilidade – o campo da gestão é sintomático, basta uma crise bolsista e aí está a queda dos intocáveis.
É o poder na altura que determina os comportamentos dos intervenientes na negociação: Ora persuasivo, ora fugitivo, passando eventualmente por estados conciliatórios, de não comprometimento, assertivos, ou simplesmente simpáticos. Superlativo a estas mutações relevam a personalidade, as crenças, os hábitos, a cultura grupal e a capacidade de adaptação a cada negociação.
Longe de pretender esgotar o abrangente tema do Poder, fica uma mensagem final: O poder só interessa a quem estiver disposto a utilizá-lo.
Esclarecimento
Este artigo vai ser publicado na fase mais quente da negociação do OE 2011. Mera coincidência. Nada do que aqui disse foi influenciado por este evento, e muito menos pretendi comentar, ainda que de forma indirecta, a maneira como esta negociação está a decorrer.
_________________________________________
NOTAS:
[1] Conflito configura uma situação que envolve duas ou mais partes, em que cada uma delas procura influenciar decisões que a todos afectam. Conflito não implica negatividade, muito menos destruição. Como tal deve ser encarado de forma positiva e como uma excelente oportunidade a explorar na resolução de problemas e na tomada de decisões, rentabilizando as vantagens das diferenças de opinião.
[2] Negociação, no restrito contexto deste artigo não é: nem Mediação, em que uma terceira parte assegura o cumprimento das regras estabelecidas, nem Arbitragem, onde uma terceira entidade procura obter o acordo dos participantes.
[3] Roger Fisher é Emeritus Professor na Harvard Law School e Director do Harvard Negotiation Project. Nasceu em 1928 e é o co-autor, com William Ury, do clássico Getting to YES: Negotiating Agreement Without Giving In, Penguin Books 1983.
[4] BATNA = Best Alternative To Negotiated Agreement, ou Melhor Opção Para um Acordo Negociado (MOPAN).
[5] Tal significa que os bons negociadores são bons comunicadores. Dominar a comunicação, um inequívoco Soft Skill, é crítico em ambiente negocial.
[6] Edward de Bono nasceu em Malta, e licenciou-se em Psicologia e Medicina em Oxford. Introduziu o conceito de Pensamento Lateral, propondo métodos pouco ortodoxos na resolução de problemas.
Bono é Professor em Oxford, Cambridge e Harvard, e é autor de Six Thinking Hats (seis chapéus pensantes), em que cada cor corresponde a uma atitude mental: branca (informação); vermelha (intuição); preta (precaução); amarela (benefícios); verde (criatividade); e azul (pensamento organizacional). Ver também http://www.edwarddebono.com/Default.php
[7] Bono, Edward de (2005): O Pensamento Lateral – Um Manual de Criatividade, Editora Pergaminho Lda., Cascais, Portugal.
Bono, Edward de (2005): Os Seis Chapéus do Pensamento, Editora Pergaminho Lda., Cascais, Portugal.
Ver também http://criatividadeaplicada.com/2007/04/09/pensamento-lateral-como-se-libertar-dos-bloqueios-mentais/
Sem comentários:
Enviar um comentário