domingo, 5 de dezembro de 2010

A Crise é dos periféricos? Do Euro? Ou do Projecto EU? (1 de 2)

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
03 Dezembro de 2010

Salvaguardadas as óbvias implicações temporais, reservo para a política imagem e respeito muito próximas de Aristóteles, o que me leva bastas vezes a ficar furioso com o comportamento da classe política. Foi essa a razão que me colocou frente a este gélido ecrã LED a debater a crise económica que se abateu sobre nós “simples cidadãos” (figura pouco simpática com que os nossos políticos gostam sobranceiramente de nos brindar).

Não sou economista, pelo que as reflexões e preocupações que me assolam não são mais do que o que me ocorre, enquanto cidadão, não "simples" mas de pleno direito, quando sou bombardeado com informações incompletas, grosseiras, quem sabe intencionalmente produzidas, com a ideia de nos ocultar o péssimo trabalho que os líderes mundiais vêm produzindo.


Da Física para a Economia

A Física ensinou-nos que a Quantidade de Movimento é uma grandeza vectorial que corresponde ao produto da massa total pela velocidade que anima o sistema. Dito de forma diferente, Momento Linear, outra designação para Quantidade de Movimento, quantifica o esforço necessário para travar completamente um corpo em movimento.

Foi uma força deste tipo que se abateu sobre a Grécia em Maio, a Irlanda em Novembro, e sabe-se lá quem a seguir nesta Europa em visível declínio.


Primeiro, a Grécia

Quando em Maio a Grécia foi obrigada a aceitar a “solidariedade europeia” no valor de 110 mil milhões € para evitar a insolvência, os responsáveis políticos europeus anunciaram a criação dum fundo de 750 mil milhões €, que mais não era do que uma garantia aos investidores internacionais de que a EU estava pronta a responder a crises semelhantes, caso viessem a ocorrer.

Na altura, foi referido que esta reserva, designada Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), funcionaria mais como instrumento psicológico para apaziguamento dos mercados do que uma necessidade real de utilização.

O que é verdade é que os investidores internacionais, também designados por “mercados”, mostraram ter acolhido a mensagem, parecendo acreditar que o FEED seria suficiente para estancar os problemas das pequenas economias periféricas, preservando o núcleo duro da EU.


Depois, a Irlanda

Repito que não sou economista. Contudo, em Agosto, eu próprio, com as públicas informações de que dispunha, já olhava para o caso irlandês com muitas reticências, como referi em ”Irlanda – Ilusões e Desencantos”.

Infelizmente, o meu crítico juízo, só tardou três meses a revelar-se justificado – em 21 de Novembro, após inúmeros desmentidos, a Irlanda caiu nas malhas da “solidariedade europeia”, tendo sido obrigada a resgatar 85 mil milhões € à EU/FMI. Era isso que os “mercados” exigiam.

No entanto, algo de muito significativo e preocupante ocorreu desta vez. De acordo com The Economist de 25 de Novembro, apesar das bond yields irlandesas terem regredido (7.93%), em Espanha (4.75%) e na Grécia (11.75%) aumentaram. Pior ainda, em 28 de Novembro, a AdvisorOne publicava um artigo em que referia os valores para diverso países, donde se destacavam: Irlanda 9.37%, Portugal 7.17%, Espanha 5.21%, Grécia 11.79% (USA 2.87%, Alemanha 2.74%). Esta lista permite avaliar sobre a volatilidade dos mercados e da incerteza sobre os países devedores.


Racional ou Emocional?

Do que conheço sobre Adam Smith, que recorde-se era professor de Filosofia Moral em Glasgow, arrisco pensar que ele classificaria como especuladores, o que hoje se designa por “mercados”.

No que respeita às suas típicas investidas, enquadro-as no capítulo de Guerra de Guerrilha”, segundo os conselhos de Vo Nguyen Giap no clássico Manual de Estratégia Subversiva - têm de se focalizar nos pontos fracos do inimigo, ser chocantes, demolidoras, e inspirar insegurança e medo. A guerra tradicional, eminentemente racional, não se aplica aqui. Os países mais fracos tremem de pavor, mas o objectivo final é o Euro, ou melhor, a EU. Acho eu.

Contudo, os “mercados” também não estão tranquilos – os níveis de incerteza e as declarações políticas dos países mais poderosos, em particular da Alemanha, ao pretender imputar-lhes responsabilidades partilhadas nas falências das economias mais débeis que ajudaram a afundar não lhes agrada.


A alegada especificidade irlandesa

A Irlanda falhou pelo desmoronar da banca, diz-se, sendo portanto distinta da Grécia que deixou descontrolar todo o aparelho económico. Verdade ou não, o negócio com a EU+FMI não elimina as dívidas do país, refinancia-as. E como hoje os capitais se deslocalizam mais do que nunca, ninguém pode assegurar que eles não procurem outras geografias mais atraentes. O perigo é real e as agências de rating, cuja actuação isenta suscita fundadas dúvidas, antecipam-no – a S&P já tratou de baixar a dívida irlandesa de AA- para A, colocando-a sob observação, e advertindo que novas actualizações poderiam ocorrer em breve sobre as actuais classificações: Espanha AA, Portugal A-, Grécia BB+ (Alemanha e USA continuam AAA).

O facto do défice irlandês se centrar essencialmente na banca, recorda o episódio do resgate do Bear Steams nos USA, que originou tal celeuma na opinião pública, que levou as autoridades a deixar cair o ícone Lehman Brothers. Não são boas recordações, na realidade. E os eleitores alemães começam a ficar preocupados e a pressionar os políticos.


Aprovar orçamentos não chega

Por vezes os políticos parecem não entender as regras do jogo, ser demasiadamente inocentes, ou menos inteligentes do que julgam ser. Aprestam-se a fazer aprovar orçamentos, aparentemente elaborados a correr e de concretização duvidosa, esperando que os “mercados” reajam positivamente, isto é, facilitando empréstimos e cobrando menos juros.

Na Irlanda, Brian Cowen, precisa de aprovar o orçamento no início de Dezembro. Entretanto, perdeu o apoio dos Verdes o que coloca o seu governo à mercê da coligação Fine Gael/Trabalhistas. Estes, se ganharem as eleições como se espera, terão de cumprir um orçamento que não é deles. E é preciso baixar o défice de cerca de 32% para 3% até 2014. Natural, portanto, o cepticismo dos “mercados”.

Em Portugal, a situação também não é tranquilizadora. Se bem que a banca portuguesa pareça estar bastante mais robusta que a irlandesa, a dívida acumulada é enorme, o défice está em 9% e precisa de baixar para 3% até 2013, o desemprego a rondar os 11%, e o país a não revelar evidentes capacidades para crescer. A OCDE prevê mesmo um recuo de cerca de 1% do PIB em 2011, embora não seja essa a previsão do governo português (+0.2%). A S&P, em notícia de 01 de Dezembro, acaba de colocar o rating de Portugal sob vigilância negativa e ameaça baixa-lo por antevisão de intervenção do FMI, ao mesmo tempo que prevê que a economia nacional desça 2% em 2011. Acrescem as eleições presidenciais, cujo resultado pode provocar eleições legislativas antecipadas para o primeiro semestre de 2011.

Em Espanha, apesar das notícias de aparente cumprimento das duras medidas de austeridade anunciadas por Zapatero, o desemprego é uma enorme preocupação, ao situar-se acima dos 20%. A economia espanhola é maior do que as da Grécia, Irlanda, e Portugal juntas. Um problema muito sério para os 750 mil milhões do FEEF, ao qual já há que descontar o que já está comprometido com a Irlanda, se a Espanha vier a precisar de auxílio. Os grandes bancos espanhóis parecem ter estrutura suficiente para evitarem problemas, apesar da sua exposição a Portugal. Mas mesmo assim, já consumiram mais de 14 mil milhões € este ano em reestruturações, falando-se que ainda serão necessários mais 32 mil milhões, afectos ao sector imobiliário.


O senhor que se segue…

Recuperando a ideia da Quantidade de Movimento, que iniciou este artigo, a coisa poderá não ficar por aqui. Os spreads sobre os títulos ibéricos em relação aos títulos da dívida alemã nunca foram tão elevados. As promessas e as medidas dos governos português e espanhol não parecem ser suficientes para travarem esta pressão. O dia em que ninguém emprestará mais dinheiro, ou só estará disposto a fazê-lo a juros incomportáveis, pode estar próximo. Quem será compelido a pedir apoio à EU/FMI primeiro?

Todas as razões apontam para Portugal. É o país mais fácil de ajudar, pois exige menos fundos, permitirá passar a imagem de que a questão se confina a pequenos países periféricos, evitará expor a Espanha que, saliente-se, representa 12% da economia europeia. Se a Espanha fraquejar, é toda a zona euro que ficará exposta, pois, pelo menos, a Itália não escapará ao flagelo. E que dizer da Bélgica, com todos os problemas que a assolam?
Nesta perspectiva, o FEEF será manifestamente insuficiente.

Terá a EU capacidade real de alargar substancialmente este fundo? De onde sairá o dinheiro? Da Alemanha? Ou da China, de que tão pouco se fala neste contexto? E, se assim for, qual o preço real a pagar?


Os Tratados Europeus

As dívidas soberanas, que são dividas assumidas ou garantidas por entidades soberanas ou pelos seus bancos centrais, diferenciam-se das outras operações de crédito, por:

• Não existem entidades supranacionais com autoridade para obrigar ao cumprimento dos acordos internacionais;
• Em caso de inadimplência, os credores, têm acesso muito limitado aos activos dos devedores;
• As negociações entre credor e devedor, em caso de litígio, e porque não arbitradas por nenhum tribunal, podem tornar-se intermináveis.

Foi, porventura atendendo a estas características, que a Alemanha tentou co-responsabilizar os investidores na compra de dívida de países que venham a recorrer ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. No passado Domingo, os ministros das finanças dos 16 membros do Euro Grupo, acordaram na criação dum mecanismo de estabilidade a longo prazo (ESM) cuja operacionalidade está prevista para 2013, quando o FEEF terminar a sua intervenção.

Outra alternativa possível seria a alteração profunda do Tratado Europeu. Tarefa complexa e morosa, que dificilmente estará disponível em tempo útil.

(continua, com o mesmo título, em 2 de 2)

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